Divulgação |
|
|
Palácio das Ilusões traz adaptação da obra de Jane Austen
Há um mito Jane Austen a ser desvendado na literatura por biógrafos e entusiastas, aquele que dá conta da proximidade entre obra e vida. Enquanto o retrato definitivo não vem, o cinema se contenta em juntar as peças do quebra-cabeças, com melhor ou pior resultado. A mais recente dessas peças chega hoje às telas do Brasil. Faz parte das contribuições positivas. Tem boas razões para o espectador mais uma vez ir ao encontro do universo de hipocrisia e picuinhas amorosas da classe média inglesa do século XIX. Palácio das Ilusões é o título para Mansfield Park, o romance que Austen escreveu em 1814.
Veja trailer do filme
É tido como um dos mais controvertidos, até porque de fonte autobiográfica. Outro mistério. Fanny Price, a protagonista, teria parentesco com a autora. Imaginá-la nesta história torna o filme mais atraente. Mas mesmo sem o exercício, é um belo trabalho.A diretora é a canadense Patricia Rozema. Os cinéfilos vão se lembrar de um cult de Rozema. Ouvi as Sereias Cantando, de 1987, é protagonizado apenas por mulheres, entre elas, duas amantes. Depois vieram O Quarto Branco, sobre a obsessão de um jovem pelo assassinato de uma estrela de cinema e Quando a Noite Cai, de volta o amor entre mulheres. Tudo isso para dizer que tais credenciais — esse interesse pelo universo feminino — devem ter pesado no encontro entre Rozema e Jane Austen. Há mesmo sugestões na atenção da personagem liberada e moderna do livro, Mary Crawford, para com a protagonista. O que dá a noção de ousadia da autora em sua época. Mansfield Park surgiu quando Austen já estava amadurecida na literatura. Havia publicado Razão e Sensibilidade e Orgulho e Preconceito, o primeiro adaptado ao cinema por Ang Lee. Parecia, assim, despojada para ser mais franca na sua crítica aos valores que a circundavam. E a fez por certo num tom pessoal. A rigor, uma das poucas passagens que aproximam realidade e ficção nesta obra está na dúvida da personagem Fanny Price em aceitar um pretendente. Austen assentiu, mas mudou de idéia no dia seguinte, exatamente como faz a heroína. Que não morre solteira, como aconteceu à autora, detalhe que nem o mais ingênuo dos espectadores espera que ocorra no filme. A revelação sobre quem se casa com ela é que é bom ocultar. No mais, Fanny Price (Frances O’Connor) cresce estimulada pelo amor à literatura, como também aconteceu a Jane Austen. Mas esse é um dado da biografia que está espelhado em quase todas as suas criações. São as diferenças que se somam aqui. Price nasce pobre, do lado errado da família. Criança, é mandada para a mansão dos tios, os Bertrams. O patriarca é interpretado por Harold Pinter, o dramaturgo em uma de suas raras aparições no cinema. Fanny cresce uma criada de luxo, mas uma criada. Entre os primos e primas, prefere Edmund (Jonny Lee Miller), que divide com ela a paixão pelos livros. Mas a idade é para o casamento e, junto com o pretendente para uma das filhas, chegam os irmãos Crawford, ele um galã volátil, ela disposta a uma boa fortuna. Em tese, preenchem as vagas para Fanny Price e Edmund. Mas se a primeira guarda seus sentimentos para outro, o jovem postulante a pastor descobrirá as intenções da noiva, numa das melhores cenas do filme. Não vale a pena esmiuçar mais a trama. Ela é um tanto recorrente do mundo austeniano. O que deve ser reforçado é a levada ágil e o olhar bem focado da diretora Rozema, a evidenciar os desvios de conduta e confusão moral que toma conta de todos em cena, não poupando nem a própria heroína. E tudo sem abrir mão da encenação elegante. Enquanto o imaginário sobre a vida de Jane Austen permitir, só fará bem para o cinema visitar sua obra sobre vários pontos de vista.
Orlando Margarido - Investnews/Gazeta Mercantil
|