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Drama/Comédia
título Domicílio Conjugal
título original Domicile Conjugal
diretor François Truffaut
nossa opinião
ano 1970
país de origem França
duração 100 min
língua Francês/ Itália
cor Cor
som Westrex
classificação
elenco Jean-Pierre Léaud, Claude Jade, Hiroko Berghauer, Barbara Laage, Danièle Girard, Claire Duhamel, Daniel Ceccaldi, Daniel Boulanger, Sylvana Blasi
site oficial não tem
 
Resenha
Divulgação
Domicílio Conjugal revela mais de Truffaut

"Truffaut é homem de negócios de manhã e poeta à tarde". É famosa a frase de Jean-Luc Godard, disparada quando ele e François Truffaut trocavam farpas depois de longa amizade nos Cahiers du Cinéma. Com ela, um mestre inseria outro na categoria dos cineastas burgueses. Godard era irônico duplamente. Aproveitava a face um tanto empresarial do colega, de diretor-produtor preocupado em estabelecer com grande antecipação o cronograma de seus projetos. Mas, principalmente, a distância na temática do engajamento de esquerda que Godard tanto prezava. Truffaut desmentia. Ou melhor, fazia que não era com ele. Talvez porque o calo lhe doesse. Ao menos, aquele que criou com a saga de Antoine Doinel, seu alter ego. Difícil desmentir a idéia com Domicílio Conjugal, o quarto filme do painel que chega hoje às telas.

Deveria ser o último, o final de Doinel em 1970. Mas Truffaut ainda faria O Amor em Fuga oito anos depois, este sim a conclusão da vida cinematográfica do personagem. O que aconteceu antes de Domicílio Conjugal pode ser visto nos três filmes precedentes - incluindo o curta Antoine e Colette - em exibição em São Paulo. Não é preciso vê-los para apreciar este. Mas ajuda conhecer os passos anteriores e desordenados do personagem para entender o desdobramento de sua vida agora responsável, casado, pai e bem empregado. Ou, ao menos, a tentativa de que assim seja.

Daí a ironia de Godard. Truffaut imaginou que o destino do garoto rebelde e levado a uma instituição para delinqüentes em Os Incompreendidos e do jovem traumatizado pelo serviço militar que não o quis em Beijos Proibidos não seria outro que a cômoda vida burguesa. Como as experiências levadas por Jean-Pierre Léaud são as mesmas do cineasta, Truffaut então estaria buscando o mesmo caminho. Ainda que lógico, o pensamento vem mais da birra de Godard.

Foi Henri Langlois, o venerado fundador da Cinemateca Francesa, que estimulou a seqüência do painel ao comentar com Truffaut a curiosidade em ver Doinel como homem do lar. Os biógrafos Antoine de Bacque e Serge Toubiana lembram a passagem. O diretor sabia, no entanto, que o personagem não poderia seguir um padrão ajustado às regras sociais. Muito menos poderia participar da intensa realidade política pós-maio de 68. Deveria representá-lo como um tipo à margem, mas com forte empenho em se adaptar. Nada mais representativo desse objetivo que o trabalho inusitado como controlador do tráfego de maquetes de navios, depois de várias tentativas frustradas de colorir flores.

E é como parte da adaptação ao mundo burguês que Doinel é lançado à tentação do adultério. Agora casado com a violinista Christine (Claude Jade), a quem fazia juras em Beijos Proibidos, e pai de Alphonse, ele se encanta com a sedução oriental de uma jovem japonesa e cumpre a última etapa do homem realizado. Mas Doinel, sabe-se, é um atrapalhado e um descuido põe a perder seu casamento. Vai tentar de toda forma recuperá-lo. Mas nesse ponto o espectador já sabe que o homem Doinel, na visão social, ainda não existe. Inseguro, visita bordéis, como quando solteiro.

Domicílio Conjugal não se fecha nas quatro paredes apontadas pelo título. Pelo contrário. Também é motivo para Truffaut explorar o aspecto de crônica que tanto lhe deliciava. E nas ruas de Paris ou no pátio do edifício surgem personagens secundários mas definidores de um período, como o velho saudoso do marechal Pétain ou o estranho apelidado "estrangulador", que logo depois aparece na TV como imitador. O ator é Claude Vega, pseudônimo para o amigo de infância de Truffaut que se tornou comediante.

As lembranças são a chave também para citações do cinema predileto de Truffaut, de Renoir a Alain Resnais e seu Ano Passado em Marienbad. É o momento em que o cineasta homenageia seus realizadores de resistência e lembra a "política de autor", expressão inventada por ele para celebrar nomes que moldavam a verdadeira arte.

Se na estrutura de suas produções Truffaut parecia se aburguesar, como atacou o colega, na obra continuava pessoal e defensor do comando total do realizador. Talvez Godard falasse mais do personagem do que do autor.

Orlando Margarido - Investnews/ Gazeta Mercantil

 
 
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