Rodrigo García estréia com Coisas que Você pode Dizer Só de Olhar Para Ela
O título é longo e cumpre a ambição: Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela. Ela, em questão, pode ser a médica solitária que cuida da mãe doente ou a mulher madura e liberada, mas descontente no papel da amante, só para citar dois dos cinco capítulos que formam esse painel da solidão feminina. Capítulos talvez seja a descrição correta para as histórias de Rodrigo García, que mais parecem um apanhado de contos com início de drama já estabelecido, enredo e uma sugestão de final. Há mesmo intertítulos apontando o nome dos personagens, Carol e Kathy, Christine e Lilly, etc. A influência se justifica. Rodrigo é filho de Gabriel García Marquez, e esta é sua estréia na direção
Um início mais que digno. Quem sabe pelo sobrenome famoso, o diretor reuniu elenco cintilante, da estrelinha hollywoodiana (Cameron Diaz) a atrizes de porte (Glenn Close, Holly Hunter). Deu-se ao luxo de convidar Elpidia Carrillo, a maravilhosa intérprete de Ken Loach em Pão e Rosas para uma ponta como a jovem que se suicidou. Mais certo, porém, é tê-las cooptado pelo roteiro. Raros são os filmes que tocam o universo feminino com tamanha beleza. García vai fundo em sentimentos difíceis e os evoca de forma mais contundente ainda, exemplo maior no conto da mãe divorciada (a ótima Kathy Baker) que redescobre a paixão no vizinho anão.
Não é homenagem ou mera veneração à mulher. Essa possibilidade o diretor quebra quando permite ao espectador deduzir as tais "coisas" sobre a personagem que se apresenta. Mais uma vez, o episódio da mãe separada. O filho adolescente, naquela fase de deboche, avisa-a que ela tem de tomar cuidado, que os anões são envolventes. Ela o reprova, mas depois não esconderá a atração ao flagrar o vizinho quase nu.
O talento de García, portanto, está na condução dos dramas. Há passagens titubeantes, como a das duas amantes, uma soropositiva. Um pouco mais interessante a da jovem cega (Diaz) que não percebe que a irmã sacrifica sua vida pessoal por ela. Um conflito de dedicação e perda que comunga com a solidão de todas as mulheres da fita, talvez melhor concretizada na máscara de dor de Glenn Close, a médica, quando ouve de uma vidente seu provável futuro. Inclui um homem, um dos poucos da fita a circular como uma peça sobressalente. Há um outro, que Holly Hunter expulsa quando ele rejeita sua gravidez. É a proposta de que estar solitário pode ser amargo, mas resulta menos doloroso quando não soterra a dignidade.