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Drama
título Tônica Dominante
título original Tônica Dominante
diretor Lina Chamie
nossa opinião sem classificação
ano 2000
país de origem Brasil
duração 80 min
língua Português
cor Cor
som
classificação
elenco Fernando Alves Pinto, Vera Zimmermann, Carlos Gregório, Vera Holtz, Sergio Mamberti, Walderez de Barros, Livio Tragtenberg
site oficial
 
Resenha
Divulgação
Tônica Dominante traz estados de espírito através das cores

Primeiro veio a música. Lina Chamie fez sua graduação na New York University. Prosseguiu com um mestrado na Manhattan School of Music. Em paralelo, os estudos de filosofia. Ao todo, foram 14 anos fora do Brasil, entre as décadas de 80 e 90. O cinema também está contabilizado. Lina sempre gostou dessa manifestação artística. Foi projecionista do departamento de cinema por onde passaram Martin Scorsese e Spike Lee. Assistiu a muitos filmes, inclusive os de uma referência, Jacques Tati. Com o retorno ao país, a clarinetista efetivou de vez seu caminho. Assinou um curta-metragem premiado, Eu Sei que Você Sabe. Chega agora à definição de seu trabalho.

Tônica Dominante é o primeiro longa de Lina. É a síntese de um universo de interesses. Até por isso, uma obra complexa, mas rara em seu conceito. Não seria exagero dizer que abre uma vertente na produção nacional. Tem cor, poesia, música, muita música no filme que estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro. Lina conta, ou melhor apresenta, a história de um instrumentista e seu aprendizado, sua iluminação, para ficar numa metáfora óbvia traduzida num plano do filme sofisticadíssimo, talvez o mais belo. O papel é de Fernando Alves Pinto. Ele caminha por uma rua vazia, a sempre tumultuada Xavier de Toledo, em direção ao nascer do sol e a um templo da música erudita em São Paulo, o Teatro Municipal.

Como em toda peça de concerto, Lina faz da passagem seu grande movimento. Até a chegada desse momento, no entanto, será uma trajetória de confusão para o personagem, marcada pela divisão em três fases. Mais uma vez, o recurso para diferenciá-las é requintado no uso das cores - o azul da melancolia, o vermelho da paixão, o dourado da luz que chega. Esses são, por assim dizer, acessórios de um apuro visual e de acabamento, talvez herança da mãe de Lina, a artista gráfica Emilie Chamie. Mas que o cinema nacional parece ter esquecido.

Há uma forma, sim, mas também uma história que a transcende, lembra Lina. Ela cita a mitologia grega. Aproxima Orfeão, o mito da música, de seu herói. "Quis fazer um elogio à eloqüência da arte; mostrar como a criação artística pode ser uma metáfora da busca da beleza, de si mesmo, que é a busca do protagonista em sua solidão e desespero." Para isso, circundou-o com personagens chaves, o maestro (Carlos Gregório), seu mestre, e a musa (Vera Zimmermann), a violinista que o faz se confrontar com seus limites. Música e cor. Falta a poesia.

Lina praticamente dispensa a palavra na condução de sua sonata. Deixa muito as imagens falarem por si, algumas de interpretação difícil, como a das areias das dunas, sempre recorrente, mas de arrebatamento visual. Quem sabe a justificativa esteja nos versos de Bandeira - o homenageado do curta-metragem -, João Cabral de Mello Neto, e mesmo Mário Chamie, o pai da diretora. São os poucos momentos em que o verbo toma conta da tela, como a lembrar talvez que nenhuma dessas faces, a imagem, a palavra, a música, pode sobreviver sem a outra. Quem sabe, a diretora não esteja caminhando para uma trilogia, com a poesia a estruturar seu próximo longa, ainda em amadurecimento, mas já batizado com um verso de Drummond, "Onde não Há Jardim?".

É uma obra autoral e como tal deve ser enquadrada no registro pessoal da realizadora. Sua tônica dominante para este trabalho é a procura pelas sutilezas cinematográficas, que, Lina acredita, não tem mais espaço nas telas. Daí o mestre Tati, mas também outros como Stanley Kubrick e Luchino Visconti, conhecido mestre do refinamento. "Tati foi minha primeira grande descoberta, na preocupação com os detalhes, os enquadramentos, a edição, a quase ausência do som e como ele conseguia mostrar o que queria por outras linguagens; eu procurei justamente essas outras fronteiras." Por isso também Tônica Dominante é um trabalho de equipe, numa ambição em maior grau do que em outras obras.

Para ficar apenas na deslumbrante fotografia de Kátia Coelho, a primeira mulher a assinar tal direção num longa-metragem brasileiro, e a montagem de Paulo Sacramento, fundamental para a sincronia de uma obra que se pretende também musical. Lina Chamie sabe que fez um filme fora do escopo atual da produção voltada à ação e à banalização de imagens e palavras. Cita um exemplo para marcar sua posição, como a dizer que só poderia ter gerado seu trabalho dessa forma. Tem a ver com as exigências também de quem toca um instrumento. "Esses personagens têm um tempo muito próprio, de inspiração, de reflexão, que eu não podia apressar; assim como também os olhares são importantes e tinham de ser respeitados. Só por esses recursos é que se pode reconhecer o aprendizado do protagonista, que é o de todos nós, o que fizemos de errado, a escolha certa."

A exaltação de Lina pode soar um tanto fora de seu tempo, anacrônica mesmo, assim como o filme parece vagar num registro atemporal, de estado quase irreal. Mas é essa a ambição das obras que quebram regras, mudam parâmetros, instigam platéias anestesiadas. Querem questionar, fazer repensar. É bom chegar ao final de Tônica Dominante e perceber que o filme adiciona bastante a uma intenção esquecida da arte.

Orlando Margarido - Investnews/ Gazeta Mercantil

 
 
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