Ranking
Colunistas
Festivais
Chats
Newsletter
E-mail
Busca
Drama
título Bicho de Sete Cabeças
título original Bicho de Sete Cabeças
diretor Lais Bodanzky
nossa opinião
ano 2000
país de origem Brasil
duração 80 min
língua Português
cor Cor
som Dolby Digital
classificação 14 anos
elenco Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Jairo Mattos, Caco Ciocler, Luis Miranda, Valéria Alencar
site oficial
 
Resenha
Divulgação
Lais Bodanzky discute família e sistema em Bicho de Sete Cabeças

Há quem queira buscar as deficiências. E possivelmente elas existem. Exige-se, no entanto, um esforço fora do comum e uma concentrada dose de má vontade e ranzinzice. Isso porque sobra talento, seriedade e garra a quem quiser reconhecer um produto fora do território do preconceito no qual muitas vezes o cinema brasileiro chafurda.

  • Veja trailer do filme

    Mesmo aos adeptos dessa corrente será difícil ficar indiferente ao que Laís Bodanzky e seu parceiro e marido Luiz Bolognesi, ela como diretora e ele roteirista, lançam oficialmente hoje às telas. É a estréia comercial de Bicho de Sete Cabeças, consagração do último biênio em mostras e festivais nacionais, a lembrar Recife e Brasília. Nem é preciso traçar a evolução de sucesso do filme.

    Troféus e aplausos são importantes, mas também podem contemplar obras mornas, a depender do humor do júri. Ao “Bicho”, cabem distinções mais rigorosas. É cinema feito na unha. Laís, herdeira do diretor Jorge Bodanzky na tradição do cinema, é a síntese e a justificativa que resulta no drama mais impactante da recente produção brasileira. Começou quando ela se envolveu na pesquisa de um documentário — Loucura e Cidadania, já concluído - e foi conhecer o horror de um manicômio em Santos. Laís acabou por se afastar da produção do filme, mas as cenas que viu foram definidoras. “Eu decidi que queria realizar uma obra sobre o tema e comecei a pesquisar e ler obras referenciais”, diz, ao relembrar suas fontes para o “Bicho”, em conversa com este jornal.

    Cita um documentário que lhe tocou muito, O Profeta das Cores, de Leopoldo Nunes, sobre um morador de rua do interior paulista encarcerado por desacatar um juiz. “Há cenas que transportei para o meu filme; foi uma cópia mesmo, eu queria reproduzir o impacto que tive.” Mas todos sabem qual é a maior fonte para Bicho de Sete Cabeças. Desde que o filme começou a circular, uma figura alta e loira, de longos cabelos encaracolados, fala decidida e gestos abruptos está sempre ao lado dos realizadores e do elenco. Austregésilo Carrano é razão e fim que explica muito da força da fita.

    Nos anos 70, o jovem curitibano foi internado pelo pai num manicômio quando este descobriu um filho viciado em drogas. Os poucos anos de internação foram arrasadores para a personalidade de Carrano, vítima de eletrochoques e doses maciças de medicamentos. É o que acontece a Neto, em grande interpretação de Rodrigo Santoro, filho da classe média.

    Como todo pós-adolescente, curte sua rebeldia, expressa na maconha, nos grafites e nas primeiras experiências sexuais. Mas o pai (Othon Bastos) lhe marca o futuro com a internação irresponsável. A mãe (Cássia Kiss), frágil, assiste a tudo calada. No manicômio, convive com os estereótipos da loucura para a sociedade, quando Linneu Dias e Gero Camilo assombram com suas interpretações. Hoje, aos 43 anos, Carrano considera sua vida destruída. É um dos ativistas do Movimento de Luta Antimanicomial. O grupo venceu a primeira etapa de seu intento com a recente aprovação de uma lei que aponta novas direções para o tratamento mental. Ele também sobrevive com peças de teatro e livros. Numa dessas publicações, Canto dos Malditos, contou sua tragédia.

    O casal das mesmas iniciais LB sempre faz questão de ressaltar que o livro não é a única base do filme. Na literatura, há mesmo referências que desconhecem, como o cultuado Armadilha para Lamartine, de Carlos Sussekind, um dramático embate entre pai neurótico e filho vitimado. Mas há aquelas que assumem, caso de Carta ao Pai, de Kafka, projetado no emocionante final. No cinema, é óbvia a relação com Um Estranho no Ninho, mas não com Vida em Família, clássico de Ken Loach sobre a tese da antipsiquiatria, filme a que Laís e Luis dizem nunca ter assistido. Ouviram muito, no entanto, Arnaldo Antunes, Geraldo Azevedo e o mestre Lupicínio Rodrigues, este presente com trechos de “Judiaria” nas palavras finais do filho.

    Idéias e referências são importantes, mas “Bicho” pouco se agüentaria em pé não fosse o credo de seus realizadores. Há uma onda de nostalgia que invade o espectador ao final da projeção, de um tempo em que se acreditava ser possível mudar as coisas, o “establishment”, para usar uma expressão engajada. Laís e Luís são desse tempo, ao menos como meta de vida. São jovens, na faixa dos 30 anos, mas apostam em mudanças. Paulistas, fizeram um filme com a cara de São Paulo, embora neguem. Ela começou no palco de Antunes Filho, antes de seguir com o pai numa expedição para a Antártida, seu primeiro encontro com o cinema.

    Ele já trabalhou como jornalista e chegou a dar aulas para uma comunidade de pescadores na Bahia. Realizaram juntos o ótimo documentário Cine Mambembe, a viagem pelo interior do país com exibições de filmes em praças públicas. São adeptos do encontro com aquele famoso Brasil desconhecido e bem longe do utópico. “Bicho” é a consagração dessa tese autoral. Tem uma proposta a incomodar o espectador e isso ainda é raro na retomada da produção nacional.

    Os inimigos alegam que é um filme anacrônico, fora de seu tempo, exagerado na visão do horror do sistema psiquiátrico. Pais não agiriam mais assim hoje, dizem. Laís ri e conta que recentemente foi debater o filme em Campinas. Após a sessão, uma mãe se aproximou e disse à diretora que estava para internar a filha, usuária de drogas, mas tinha desistido. Não imaginava tal inferno. A obra expõe sua força. Pode ser vista também como um libelo. Mas, antes de tudo, é um painel de confrontos humanos, de intolerância e ignorância. Vê-lo apenas por um aspecto é limitar-se. Não ver nada disso é destino pior.

    Investnews/ Gazeta Mercantil

  •  
     
    Copyright© 1996 - 2001 Terra Networks, S.A.
    Todos os direitos reservados. All rights reserved


    Se você já viu esse filme, dê sua nota:
    Resultados