Ao longo de sua carreira, Woody Allen foi alternadamente um cineasta engraçado e pretensioso, mas quase sempre relevante. Nos últimos anos, porém, ele se tornou um cineasta desnecessário, como vem comprovar sua nova produção, The Curse of the Jade Scorpion (A Maldição do Escorpião de Jade). O filme, que estreou há uma semana nos Estados Unidos, será exibido amanhã no Festival de Veneza e ainda não tem data para chegar no Brasil, é o pior do cineasta desde Celebridade e um dos mais fracos de sua carreira.Mesmo com o ritmo de uma produção por ano, Allen sempre despertou enorme expectativa entre seus admiradores, que viam em seus filmes uma maneira sofisticada de rir de certas neuroses urbanas, de se sentirem mais nova-iorquinos (o que talvez explique a comoção da classe média-alta paulistana com a demora dos lançamentos de seus filmes no Brasil). Com suas trilhas de jazz, referências a Bergman e piadas existenciais, Allen era um dos poucos cineastas americanos que costumavam ser citados por fãs do chamado 'cinema de arte'.
Mas ultimamente a expectativa em torno dos filmes de Allen sempre termina em frustração, como no caso de Celebridade, Trapaceiros de Meia-Tigela (que estréia no Brasil em setembro) e agora de The Curse of the Jade Scorpion. A verdade é que não vale mais a pena esperar pelo novo Woody Allen, nem mesmo usá-lo como símbolo de ostentação. A obra recente do cineasta vem sendo debilitada por duas síndromes: o infantilismo (um desejo de retornar ao humor espontâneo do começo de sua carreira) e o bom-gostismo (a vontade de envolver esse humor em uma embalagem bonita).
O problema é que muitas vezes essas síndromes são conflitantes. Em The Curse of the Jade Scorpion, as piadas muitas vezes vulgares parecem fora de lugar nos belos interiores criados pelo cenógrafo Santo Loquasto e sob a luz refinada do fotógrafo chinês Zhao Fei. Os filmes antigos do cineasta exalavam um certo ar de improvisação, e os atores pareciam sempre estar se divertindo nas filmagens. Já no novo filme, o humor parece engessado pela bela produção de época, e o resultado fica claro nas atuações desanimadas dos protagonistas.
The Curse of the Jade Scorpion se passa na Nova York dos anos 40, e Allen faz o papel de C.W. Briggs, investigador de uma companhia de seguros. Ele gosta de usar velhos truques, como pagar informantes na rua, de confiar na intuição e de seduzir suas clientes. Mas C.W. tem de enfrentar o processo de modernização da empresa, comandado por seu maior desafeto, a executiva Betty Ann Fitzgerald (Helen Hunt), que quer implantar métodos científicos nas investigações. Apesar de secundário na trama, esse embate entre o velho e o novo na companhia é talvez o único ponto de interesse no filme.
O resto é uma história de mistério e romance banal: na festa de aniversário de um colega, C.W. e Betty Ann são hipnotizados pelo mágico Voltan (David Ogden Stiers) e acreditam estar apaixonados um pelo outro. Mais tarde, Voltan usa seus poderes para convencer C.W. a roubar jóias das casas que deveria proteger. No transe, ele não apenas esquece de tudo que faz, como também volta a se sentir atraído por Betty Ann. Em meio às investigações, ele se envolve com uma secretária ingênua (Elizabeth Berkley), uma mulher fatal (Charlize Theron) e, por fim, com sua inimiga no escritório.
Como de costume, grandes estrelas aceitaram trabalhar em um filme menor de Allen em troca do status que o nome do cineasta lhes garante. Mas, neste filme, fica difícil acreditar que alguma delas vai conquistar uma indicação ao Oscar. Por culpa do roteiro, Hunt tem possivelmente a pior atuação de sua carreira, e sua atração por Allen nunca é convincente. Theron e Berkley se saem um pouco melhor. E Allen parece cansado, sem a energia para o humor físico e sem a convicção para a piada rasteira.
O filme é, por um lado, uma homenagem às comédias clássicas de Katharine Hepburn e Spencer Tracy, em que os dois passavam o tempo todo brigando, mas terminavam juntos, e por outro, uma paródia aos filmes noir. Mas, segundo Allen, a principal inspiração para seu personagem foi Bob Hope, o comediante que aperfeiçoou o papel do covarde que as circunstâncias tornam corajoso. Em relação às comédias de Hope, o filme de Allen tem o mesmo tipo de trama tênue, mas lhe falta o desejo de fazer o espectador rir a qualquer custo.
The Curse of the Jade Scorpion foi atacado pela crítica norte-americana pelos motivos errados. Críticos moralistas acusaram o cineasta de usar seus filmes para se aproximar de mulheres mais novas, como neste caso de Hunt, Berkley e Theron. Eles não conseguem mais separar o diretor da pessoa e julgam seus filmes a partir de sua vida (como se sabe, Allen casou com sua jovem enteada, filha da ex-mulher Mia Farrow). Mas o único pecado de que Allen, o cineasta, pode ser acusado é de ter perdido a graça, mas não a pretensão.