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Abril Despedaçado narra metáfora sobre honra e violência

Quinta, 06 de setembro de 2001, 16h36

O cineasta brasileiro Walter Salles Jr. realiza uma intensa parábola sobre a honra e a violência em seu último filme, Abril Despedaçado, em competição em Veneza pelo Leão de Ouro, no qual ilustra os ódios atávicos entre famílias no sertão nordestino no começo do século XX.

Uma camisa branca ensanguentada, pendurada ao vento e ao sol, é a primeira imagem do último filme de Walter Salles Jr., que o ambienta em 1910.

Baseado no homônimo romance do grande escritor albanês Ismael Kadaré, que acompanhou o cineasta ao festival veneziano, Salles, autor do premiado Central do Brasil, narra desta vez uma história de violência "épica e universal", como ele mesmo a definiu.

O filme, mostrando as guerras entre famílias latifundiárias, conta com talento e imagens comoventes o ódio ancestral entre a família Breves e Ferreira, e como cada membro masculino limpa a honra com o sangue do outro, em um círculo de morte e vingança.

"É como uma tragédia grega, à qual quis dar a esperança de que se pode escapar de um costume atávico, mudar", disse o cineasta numa conversa com a reportagem.

O filme é um convite para se romper com os mecanismos infernais de ódio e injustiça que ligam as duas famílias. "Escolhi o livro de Kadaré porque me tocou o coração, não pude esquecê-lo depois que o li há três anos", disse Salles, que ficou impressionado não só com o estilo literário, "mas com o drama íntimo, familiar, que divide os personagens entre uma dimensão ligada à terra e suas tradições e ao céu, como esperança de mudança e liberdade".

Salles, que abandona o estilo néo-realista de seu precedente filme, marca o ritmo da narração através de um pequeno engenho de açúcar, cujo incessante trabalho representa o círculo fechado e imóvel de uma sociedade patriarcal, arcaica e injusta.

A fita, que custou dois milhões de dólares, foi rodada toda em exteriores no estado do Ceará, em condições climáticas difíceis, com uma equipe de apenas 20 pessoas, muitas delas inexperientes, assim como com atores profissionais e não-profissionais, que tiveram de se submeter a cansativos dias de preparação.

"Todos os dias a equipe tinha que viajar 200 quilômetros para voltar ao seu alojamento. A temperatura era em geral de 40 graus centígrados e sair desse universo foi interiormente difícil", comentou o cineasta.

Para Salles, 45 anos, trata-se de "uma reflexão sobre a violência, um tema universal, como demonstra a semelhança entre a situação descrita por Kadaré nos Bálcãs e o que ocorria no Brasil no final do século XIX".

"No Brasil, a violência é a ausência de Estado, de regras", afirmou o diretor, que considera que "a função do cinema é memória", e que através dessas historias emblemáticas é preciso registrar um passado que não se pode e nem se deve esquecer.

Defensor da democratização do cinema, Salles, que participa em todas as fases de elaboração de seus filmes, é também produtor de 3 fitas de cinema independente, e um otimista quanto ao futuro do cinema latino-americano, do qual é um digno representante.

"Há razões para sermos otimistas, basta ver filmes como Amores Perros de Alejandro González ou Mundo Grúa de Pablo Trapero", assinalou, enquanto anunciou que em 2002 começará a rodar um filme sobre os primeiros diários de viagem de Ernesto Che Guevara, para afirmar que o "mundo pode ser mudado" e mostrar "a geografia física e humana de um continente". Este filme será produzido por Robert Redford.

AFP

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