Vinte e dois anos depois de ter dividido a Palma de Ouro no Festival de Cannes com O Tambor, de Volker Schlndorff, o drama Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, renovou sua força com o acréscimo de 53 minutos, em cópia e som novíssimos e sem perder um milímetro da fúria original. Essa nova cópia é a atração deste sábado na 25 Mostra BR de Cinema, em exibição única no Cinesesc. A estréia no Brasil está prevista para 16 de novembro.
Em maio passado, em Cannes, local de sua première mundial, não houve coração ou mente que ficasse indiferente à segunda passagem do furacão, rebatizado de Apocalypse Now Redux em sua versão ampliada.
A grande vitória, desta vez, foi provar que o filme sobreviveu intacto à passagem do tempo e credenciou-se mais do que nunca ao título de clássico. O impacto deste relançamento acabou tornando-se uma muito saboreada revanche para o velho chefão do cinema americano.
Afinal, quando Coppola esteve em Cannes em 1979, trazia seu filme debaixo do braço numa cópia de serviço ainda quente, que encalhara dois anos no processo de montagem e tivera algumas das filmagens mais complicadas da vida do diretor.
Ele chegou a hipotecar a própria casa para garantir a conclusão da obra, depois de sobreviver a furacões nas Filipinas e a uma crise cardíaca do protagonista, o ator Martin Sheen, entre inúmeras outras catástrofes.
Por ironia, ao contrário do que o próprio Coppola imaginava então, Apocalypse Now acabou sendo inclusive um grande sucesso comercial, ao contrário de seu filme seguinte, O Fundo do Coração, que se esperava fosse a redenção econômica de sua produtora, a Zoetrope.
CENAS EXPURGADAS SÃO RETOMADAS
Quase todo mundo já viu este filme -- mas nunca desta forma. São exatamente 3 horas e 16 minutos intensos e sem sobras. O diretor americano trabalhou nela seis meses, a partir de março de 2000, voltando ao material bruto das tomadas diárias de 1979, antes de qualquer corte.
Voltaram, assim, cenas que haviam sido expurgadas da primeira montagem -- que durava mais de quatro horas e fora vista por muito poucos -- além de incorporar material nunca mostrado antes.
Sem mudar fundamentalmente nem a história nem o final -- que agora o diretor acredita mais justificado pelos acréscimos -- as novas cenas dividem-se basicamente em quatro momentos.
Mostra-se novo material da seqüência em que o capitão Willard (Martin Sheen) faz camaradagem com os soldados que o acompanharão na jornada ao inferno da selva vietnamita, para capturar o ensandecido coronel Kurtz (Marlon Brando).
O grupo é visto rindo e brincando depois que Willard rouba a prancha de surfe de outro militar maluco, Kilgore (Robert Duvall), que no filme comanda o clássico bombardeio de helicópteros ao som da Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner.
Uma nova seqüência passa-se numa fazenda pertencente a uma família francesa, que fica bem no meio do fogo cruzado e na rota do barco de Willard.
Nessa parte, faz-se o funeral do jovem soldado Clean (Lawrence Fisburne, que mentiu a idade para entrar no filme e tinha apenas 14 anos) e acontece mais tarde um tenso jantar entre o capitão e os franceses, remanescentes dos colonizadores da Indochina que, tanto quanto os americanos dos anos 70, eram predadores estranhos no ninho do Vietnã.
A mágica conjunta de Coppola e do montador Walter Murch conseguiu alongar a seq ência em que coelhinhas da Playboy visitam o front -- mesmo que não tenha sido filmado nada novo.
Uma outra cena reintroduz um corte da versão original, por conta da preocupação de Coppola com o que parecia uma duração excessiva e anticomercial do filme em 1979.
Agora pode-se ver Kurtz (Brando) abrindo a porta de um calabouço para Willard (Sheen), pronunciando um novo diálogo, onde alude ao comentário do presidente Nixon sobre como as coisas cheiravam melhor no sudeste asiático.
"Como elas cheiram aqui e agora para você, soldado?", pergunta Kurtz para o atônito capitão, que esteve prisioneiro num cubículo sem comer, beber, tomar banho ou ver a luz do sol por vários dias.
"O horror, o horror", a frase final de Kurtz que já era antológica, agora consolidou-se como testemunho de uma época.