Um soco no estômago é uma das melhores descrições para a produção austríaca Dias de Cão, atração desta sexta-feira na 25 Mostra BR de Cinema. É o primeiro filme de ficção do documentarista Ulrich Seidel, capaz de manter a platéia de respiração suspensa com uma dissecação implacável da miséria humana num subúrbio de classe média alta de Viena.
O calor insuportável de um verão excessivo são tão desesperadoras quanto a neurose das pessoas, cujas vidas esbarram sem real contato humano.
O exemplo mais patético deste vazio é Anna (Maria Hofst tter), uma louca que passa seus dias pedindo carona em auto-estradas.
Uma vez dentro dos carros, dispara freneticamente sua sabedoria de almanaque, enumerando as listas dos dez mais de praticamente tudo: as dez apresentadoras de TV mais sensuais, as dez doenças mais comuns, as dez posições sexuais favoritas do público.
Seus diálogos non stop provocam a ira dos outros e inevitavelmente ela termina na rua, recomeçando seu compulsivo ritual.
Nem um pouco normal é o velho viúvo (Eric Finsches) que paga sua empregada (Gerti Lehner), quase da sua idade, para fazer um striptease. Ou o marido (Victor Rathbone) e a mulher (Claudia Martini) que vivem em guerra dentro da mesma casa depois da morte da filha, e a professora (Christine Jirku) que se faz espancar e humilhar por dois amantes (Georg Friedrich e Victor Hennemann) - o que dá oportunidade a uma apresentação das mais escandalosas do hino nacional austríaco, com um uso nada ortodoxo de uma vela de aniversário.
Pagando um tributo a Os Idiotas, de Lars von Trier, Dias de Cão mostra-se assustador e corajoso.
Antes deste filme, que obteve o Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza/2001, Ulrich Seidel só tivera exibido no Brasil seu documentário Amor Animal, na Mostra Internacional de Cinema de 1996.