O diretor francês Bertrand Tavernier exibiu hoje, sexta-feira, no Festival de Cinema de Berlim o filme Laissez-passer de sua autoria, que provocou grande polêmica na França por tratar da situação do cinema do país durante a ocupação alemã.Um dos atores alemães do filme, Gotz Burge, disse na entrevista coletiva depois da projeção do filme que Laissez-passer ("salvo-conduto") que o debate surgido na França já foi superado há algum tempo na Alemanha, onde esse capítulo da história já havia sido analisado.
O filme gira em torno de dois personagens reais, o assistente de direção Jean Devaivre e o roteirista Jean Aurenche, que durante os anos da ocupação (1940-1944) continuaram trabalhando no cinema, inclusive para uma produtora alemã, atuando em resistência, cada um a sua maneira.
A entrevista coletiva de apresentação do filme à imprensa internacional começou em tom combativo, pois Tavernier, ao ser perguntado sobre se seu filme pretende de alguma maneira reabilitar o cinema da ocupação condenado pela Nouvelle Vage, respondeu taxativamente: "Não quero começar a discussão desta maneira".
"Se fiz este filme não é para ajustar as contas com a Nouvelle Vage, que admiro", mas para contar a história de pessoas que "durante uma época difícil e humilhante tiveram o valor de manter uma conduta muito honrosa", disse o cineasta.
O que dá lugar ao filme é a pergunta que o diretor se faz sobre como teria agido se estivesse na situação dos protagonistas, "pessoas do mesmo" que o dele.
A intenção, insistiu Tavernier, não foi a de fazer "um manifesto estético" em favor de um determinado tipo de cinema, apresentar uma versão "heróica" da França ocupada, nem a de recriar uma época", pois "a reconstrução é o que mais detesto".
O material histórico com o qual Tavernier trabalhou é riquíssimo, já que durante a ocupação foram rodados alguns dos grandes clássicos do cinema francês, como Le Corbeau, de Henry-Georges Clouzot, e Les Enfants du Paradis, de Marcel Carné.
O ocupante alemão soube tirar proveito dos talentos locais, enquanto os artistas franceses tinham que viver uma situação ambígua. Muitos tiveram, depois da libertação, que pagar por ter escolhido a colaboração para continuar com seu trabalho.
Mas o filme, que dura três horas, não tira o proveito que poderia daquela situação. A história do roteirista e do cineasta resistentes poderia ocorrer em qualquer outro ambiente da sociedade, e, apesar dos múltiplos diálogos entre artistas, a tensão criadora daqueles tempos não consegue ser transmitida.
Na entrevista coletiva, ficou claro que o diretor e os atores têm uma batalha para defender o filme perante o público francês, já que tiveram, entre outras coisas, que superar uma ação de Devaivre, que tentou bloquear a estréia.
Uma das atrizes, Maria Pitarresi, fez em um discurso apaixonado em favor de Tavernier no qual disse que estava disposta a defendê-lo antes de tudo, embora "não seja necessário defendê-lo porque não é culpado de nada".
Segundo Tavernier, o fato de o filme ser apresentado em Berlim, a capital do antigo Reich que ocupou a França, se deveu simplesmente à boa relação do diretor com o Festival.
O filme do cineasta francês foi o único dos que se apresentaram hoje no programa oficial realizado por um veterano; os outros dois, Beneath Clouds, do australiano Ivan Sen, e Monster's Ball, de Marc Foster, são obras de produtores jovens muito influenciadas pelo cinema americano independente.
Beneath Clouds (Sob as nuvens) é um "road movie" sobre o encontro entre um menino aborígine e uma menina branca mas de origem negra que têm problemas de identidade social e cultural, que vão sendo superadas pouco a pouco ao longo do filme.
O filme tem poucos diálogos e um ritmo tão monótono quanto a infinita paisagem australiana que serve de cenário. Monster's Ball também é uma história de amor entre dois personagens extremos, um carcereiro do corredor da morte de uma prisão do Estado americano da Geórgia e a mulher negra de um dos executados.
O filme mostra uma América típica e quase caricatural de restaurantes de estrada, casas velhas e violência cotidiana, mas trata também do horror do corredor da morte a partir da perspectiva humana do carcereiro.