Severas medidas se segurança por temor a atentados, polêmica sobre a convocação ao boicote ao evento por uma associação judia-americana e filmes israelesnes e palestinos na programação: a atualidade internacional se instalou no recém-estreado Festival de Cannes, tanto na realidade, quanto nas telas.Consultado a respeito da convocação de boicote ao Festival, feito por uma associação judia-americana, o cineasta Woody Allen declarou, na coletiva de imprensa inaugural, que "nunca sentiu que o povo francês fosse antisemita de forma alguma".
"Conheço um certo número de judeus franceses que também não acham isso. E acho que o povo francês pode ficar muito orgulhoso da maneira com que atuou na eleição passada. O país inteiro saiu às ruas em uma clara demonstração pública de suas posições em relação à extrema-direita e o totalitarismo", afirmou Allen, cujo mais recente filme, Hollywood Ending, inaugurou o Festival.
Na véspera, os cineastas franceses Claude Lanzman (autor do filme Shoah sobre o Holocausto judeu) y Claude Lelouch (Um homem e uma mulher), junto con Ady Steg, presidente da Aliança israelita universal, se declararam opostos ao boicote. Os três respondiam assim à convocação da American Jewish Congress (Congreso Judeu dos Estados Unidos), que, na semana passada, comparou a atual situação da França, onde ocorreram recentemente agressões a sinagogas e escolas judias, com a que reinava durante o regime de Vichy, sob a ocupação nazista.
A associação pediu à indústria do cinema "que reavalie sua presença em Cannes" ou pelo menos "que fale (no Festival) do antisemitismo".
"Nosso país conheceu, efetiva e infelizmente, certo número de atos antisemitas, mas nada assemelha a situação de 2002 com a de 1942 e tudo as opõe", escreveram os cineastas franceses em declaração publicada pelo jornal Le Monde.
A programação desta 55ª edição do Festival traz para as telas de Cannes a situação no Oriente Médio, com um filme israelense e um palestino na seleção oficial, e um palestino na Semana da Crítica.
Kedma, do diretor israelense Amos Gitai, remonta a 1948, alguns dias antes da criação do Estado de Israel. Judeus europeus sobreviventes do Holocausto chegam de barco a Palestina. Quando pisam pela primeira vez nessa terra, começa o confronto entre os britânicos que tentam impedi-los de entrar e do exércio secreto judeu, que acude para recebê-los. A evocação do passado é, sem dúvida para Gitai, uma boa forma de compreender melhor o presente.
Por sua parte, o diretor palestino Elia Suleiman, nos leva com "Yadon Ilaheyya" (Intervenção Divina) aos territórios palestinos de hoje para contar uma história de amor entre um palestino de Jerusalém e uma palestina de Ramallah. A realidade da ocupação os impede de viver seu amor normalmente e essa situação acarretará repercussões violentas.
Finalmente, a Semana da Crítica selecionou Rana's Wedding, filme com que o diretor palestino Hany Abu-Assad percorre por Jerusalém seguindo os passos de uma jovem que busca marido e que descobre que, quando a ocupação e as barricadas dominam a realidade, o amor e o casamento passam a ser ficção.
Enquanto isso, fora das telas de projeção, o mesmo dispositivo de segurança reforçado por temor a atentados que rege na França desde setembro passado se aplica severamente em Cannes, onde o Palácio dos Festivais, apelidado de "bunker", merece plenamente este ano esta definição: equipes de segurança controlam as entradas e os funcionários registram minuciosamente os pertences dos jornalistas cada vez que entram no local.
Detetores de metais na entrada e câmaras de vigilância em torno do prédio completam o dispositivo. As entradas são igualmente controladas nos hotéis e outras instalações, enquanto que quatro companhias de policiais têm a seu cargo a segurança da cidade.