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Quanto Mais Quente, Melhor volta aos cinemas restaurado

Sexta, 31 de maio de 2002, 08h35

"Quanto mais quente melhor"
foi o 16º filme de Billy Wilder
O diretor Billy Wilder (1906-2002) tinha uma idéia precisa sobre a razão do sucesso de Quanto Mais Quente, Melhor, seu 16º filme, realizado em 1959 e de volta ao cartaz, restaurado. Para o diretor, o sucesso, que equivalia à capacidade de seu produto de multiplicar dólares, ocorreu não porque este fosse um filme de todo bom, ou de todo acertado, mas porque mesclava violência e burlesco na medida exata, e como conseqüência fazia seu público morrer de rir, um fato compensador, obtido em cinema "uma vez em dez ou quinze anos", segundo calculava.

"Dirigi filmes melhores, mas nenhum foi mais satisfatório para mim", dizia Wilder sobre a grande aventura de bilheteria propiciada por Quanto Mais Quente, Melhor, seu filme em torno de dois músicos de jazz que, testemunhas de um crime, refugiam-se numa orquestra de mulheres e, uma vez lá dentro, se interessam, um deles apaixonadamente, pela cantora.

Quanto Mais Quente Melhor permaneceu, e isto se tornou problema e solução para Wilder, que antes deste filme dificilmente poderia ser chamado de um diretor exclusivo de comédias. Fazia nove anos que ele iniciara sua parceria com o roteirista I. A. L. Diamond, em substituição a Charles Brackett, que lhe dera Crepúsculo dos Deuses em 1950. Até a ocorrência deste clássico de 1959, era um mote de Wilder opor-se a Alfred Hitchcock, dizendo-se, ao contrário do inglês, um anti-especialista. Na direção oposta a Hitchcock, então, que só filmava suspense, ele se orgulhava em abordar o drama, a comédia e também os mistérios alternada e apaixonadamente. De tempos em tempos, contudo, se não tivesse dinheiro, esse orgulho poderia lhe escorrer das mãos, e de nada teriam valido suas boas intenções - grandiosas intenções como as contidas em um clássico do porte de A Montanha dos Sete Abutres (1951), sobre o apodrecimento da instituição jornalística.

Então, sua liberdade, ele a comprou em definitivo com Diamond, o roteirista do escracho inteligente, que trabalhou na linha do "momento Marilyn" propiciado por O Pecado Mora ao Lado, de 1954. Depois de Quanto Mais Quente Melhor, esse nome, Wilder, tinha poder de compra e venda e garantia diversão a um público prolongado. O diretor austríaco, a partir daí, tentaria fazer desta uma condição de respeito, sabedoria e reflexão. Quem diria que Marilyn Monroe, a atormentada, falsa e voluptuosa loira que faltava às filmagens, lhe daria tanto?

Pois Marilyn é central neste filme, ainda que gastem a maior parte dele, Tony Curtis e Jack Lemmon, exercendo a melhor de suas artes, travestindo-se com dureza, expondo perplexidade, solidão e uma condição masculina jamais contestável, mesmo sob os sinuosos pingentes da era dos gângsteres, que eles, como protagonistas, representavam. Lemmon exerce, aqui, mais um delicioso exagero de interpretação, e jamais poupa ao espectador os tiques que o tornam um Pato Donald doentio e incompreendido do cinema. Ele é Jerry, ou Daphne, e seu instrumento, o contrabaixo acústico, indica peso e feiúra, características que não mais distantes poderiam estar de Tony Curtis, o sax-tenor Joe, Josephine - ou o milionário Junior, numa escolha de elenco que este filme também provou ser memorável.

Curtis parece causar a maior surpresa ao espectador contemporâneo de Quanto Mais Quente, Melhor. Raro e inteligente ator, ele dá a seu personagem vigarice e romantismo, mas tudo de forma comedida, sem uma única gota histriônica na representação. É um artista do comentário, sutil, além de se revelar uma perfeita mulher como exige o roteiro de I.A.L. Diamond, com a beleza que, hoje, um Brad Pitt ou um Leonardo Di Caprio facilmente conspurcariam (seria tarefa de Hércules refilmar um clássico desta grandeza hoje, por uma simples equação de cast). Tony Curtis teve seu poder de fogo diminuído na história da crítica cinematográfica, e este filme, visto agora, servirá para reabilitá-lo.

É ele quem encara o grande desafio de não transformar o encontro com Marilyn Monroe, a doce alcoólatra Sugar Kane, num embate de indelicadezas, vendo-a como a mulher a quem um homem deve se render, não alguém que se deva usurpar. Neste sentido, mais uma vez caminha na direção oposta à do personagem de Lemmon, cujo interesse maior não parece ser a mulher, mas a segurança monetária trazida por alguém, mesmo um homem, já que pessoalmente se vê tão desamparado e inútil como uma velha senhora. O final do filme, citado como um dos melhores da história, não é nada surpreendente: o amante de Lemmon, interpretado por Joe E. Brown, ao aceitá-lo como esposa mesmo não sendo ele uma mulher, está apenas reforçando uma impressão manifesta anteriormente com pesar por Lemmon, de que "jamais", novamente, encontrará outro homem assim.

Drama na comédia
Para Marilyn está reservada a parte complicada do filme, a de não perceber o que se passa diante do próprio nariz, e achar graça no quadro de abandono a que todos se reduzem no filme. Alienados não são felizes, e Marilyn, na pele da cana-brava Sugar, dificilmente emplaca como comediante convincente. Rara e inteligente como Curtis, ela parece enxergar, na medida do que Wilder pede, um drama na história daquela mulher-objeto. E é assim, dentro do drama, que age, desde o momento em que pica o gelo na pia do trem, lembrando-se dos saxofonistas que facilmente a abandonaram, até o instante em que coloca no pulso uma pulseira de diamantes, quando, na expectativa contrária, esperava ter finalmente encontrado o amor de um milionário.

Marilyn Monroe colabora o tempo todo para tornar este trabalho mais interessante e sensível (Billy Wilder deve ter percebido, a certa altura do filme, o absurdo de enfocar uma orquestra de mulheres na qual nenhuma delas, com a exceção de Marilyn, tem realmente voz.) As meninas são maravilhosos objetos de cena em Quanto Mais Quente Melhor e, ciente da responsabilidade que repentinamente lhe pesa, Marilyn Monroe caminha para dar a elas mais do que ingenuidade e apego às pérolas. Sendo a única e ilustre intérprete de uma condição em baixa, Marilyn não deixa escapar a oportunidade das mãos, ou dos fartos seios, que Wilder ousadamente ilumina como se, num filme com Marlene Dietrich, estivessem nus, e adentra as piadas másculas, o mundo sem mesuras, com delicado senso de subversão.

Por isto, talvez, valha rever Quanto Mais Quente, Melhor: porque, clássico de fato, ele se empanturra de leituras a cada novo instante em que o revemos, e prova ser melhor até mesmo do que seu autor supunha.

Investnews / Gazeta Mercantil

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