Os documentários ganharam, nesta edição do Festival de Gramado, uma categoria própria. Em busca do Kikito estão quatro produções, mas é Eduardo Coutinho, com seu Edifício Master, exibido na sexta-feira, o mais forte concorrente. » Saiba mais sobre o Festival
Filmado durante uma semana num prédio decadente em Copacabana, no Rio, o diretor de Babilônia 2000 e Santo Forte deixa que seus personagens falem e, com delicadeza e respeito, consegue extrair depoimentos sinceros e emocionantes dos moradores.
O entrevistado fica completamente à vontade e, muitas vezes, se comporta diante das câmeras como se estivesse em frente ao espelho. Como um senhor que canta My Way, de Frank Sinatra, de punhos e olhos fechados, procurando passar todo o sentimento que ele sabe estar embutido nesta canção romântica.
Coutinho tem um interesse e uma curiosidade infantil pelo outro. Mais que isso, sente verdadeiro fascínio pelo ser humano. E os entrevistados, em troca, retribuem de coração aberto contando experiências como quem se abre a um confidente.
Como se não bastasse, entre um depoimento e outro o diretor encaixa cenas preciosas, que dizem absolutamente tudo sobre o clima do edifício. Como quando um garoto de mochila nas costas toca a campainha do vizinho para avisar que o gato está esperando do lado de fora da porta.
Juntando esse olhar apurado pela imagem e pelo outro, Coutinho nos presenteia como uma obra profunda.
Outro bom documentário é Onde a Terra Acaba, de Sérgio Machado, que já passou no circuito Rio-São Paulo. A fita lança alguma luz sobre a vida e obra de Mário Peixoto, o diretor de Limite (1931), um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro.
O título faz referência à inacabada produção que seria o segundo longa-metragem de Mário, mas que foi abandonada ainda nas filmagens por uma divergência entre o cineasta e a atriz Carmen Santos, produtora e estrela do filme.
Machado resgata cenas do making of realizado pela equipe de Limite, além de fragmentos inéditos de Onde a Terra Acaba. Destaque para o trabalho do diretor de fotografia, Edgar Brazil, que se valia de engenhocas por ele inventadas para conseguir efeitos visuais inovadores para a época.
Através de depoimentos e de trechos extraídos de diários e cartas do próprio Peixoto, narrados pelo ator Matheus Nachtergaele, o documentário revela um homem extremamente perfeccionista.
Durante a 2a. Guerra Mundial, milhares de jovens brasileiros foram enviados à Itália para lutar conta o nazi-fascismo. A Cobra Fumou, de Vinícius Reis, percorre o caminho cruzado pelos pracinhas, mas sua principal qualidade é humanizar o episódio através dos depoimentos, alguns bem emocionantes, dos veteranos da 2a. Guerra.
O filme, bem didático, começa em novembro de 1999, quando a equipe documenta o Encontro Nacional dos Veteranos da 2a. Guerra, realizado em Brasília.
O diretor encontrou personagens fortes, como uma enfermeira do Exército e um telegrafista que decidiu continuar na Itália depois da guerra.
Mas a boa seleção escorrega com a escolha de Nem Gravata Nem Honra, segundo longa-metragem do paulistano Marcelo Masagão, idealizador do Festival do Minuto e diretor do excelente Nós que Aqui Estamos Por Vós Esperamos (1999).
Sem um foco bem definido, o filme discute as diferenças entre homens e mulheres na cidade de Cunha, no interior de São Paulo. Imagens lançadas a esmo se somam a depoimentos vazios e o resultado é uma produção fraca, que não acrescenta nada de novo a um tema já tão esgotado.
A fita apela para estereótipos como o do "macho brasileiro" e o da "Amélia", a mulher submissa, para focar a conhecida guerra dos sexos, mas não se livra das estatísticas, que funcionaram muito bem em seu filme anterior, mas aqui se perdem em meio a um elemento que não existia antes: a palavra falada.
Depois de pronto, o filme foi exibido aos principais personagens do documentário e suas reações foram inseridas, mas nem por isso o material ganhou consistência.