Rocha que Voa é um filme claro, embora as fotos extraídas dele possam indicar confusão ao espectador. É, como sugere o cineasta, um filme de autor, no qual está exposta uma intenção pessoal, emotiva, de busca da imagem do pai, que lhe é desfocada, e da intenção revolucionária de Glauber, esta sim nítida, que Eryk Rocha assume como um discurso seu.Este filme parece conter tudo o que o diretor aprendeu até agora. Toda a chama pessoal arde lá e, ao mesmo tempo, todo o documento de uma Cuba por nós desconhecida, Cuba de cineastas pensantes, de criadores sob o intenso peso do embargo econômico e político.
É comovente sentir a população cubana em um filme depois de tantos desastres que a sonegaram, como Buena Vista Social Club. A idéia de obscurecer visualmente a imagem dos amigos cineastas de Glauber que depõem a Eryk - Tomás Gutierrez Alea, Alfredo Guevara, Nancy Gonzalez - é explosiva no filme, porque reveladora da condição mesma que esses intelectuais vivem hoje no país.
A fala de Glauber surge viva e clara em harmonia aos depoimentos a Eryk e às imagens dos próprios filmes do diretor, vários deles contidos em Rocha que Voa. No discurso de Glauber, desenha-se uma intenção sincera de integração contra as hegemonias fílmicas, antes mesmo de um trabalho contra a dominação política. Um cineasta raro, consciente do papel da arte.
À época do diretor de Barravento, era hegemônico um pensamento artístico brasileiro de qualificação diante do mercado americano, e isto continua a valer, o que nos coloca, os espectadores de Rocha que Voa, dentro de uma estranha dimensão em que trinta anos - do fim do exílio de Glauber até hoje - são descartados. Eryk filma contra o tempo. Não pontua sua passagem e assume a história do ponto em que Glauber a deixou.
É um cineasta com frescor de pensamento, movido pela energia que acomete, ou deveria acometer, os de sua geração. Em Elogio ao Amor, Jean-Luc Godard fala da indefinição da vida adulta, contra a segurança que conforta jovens e velhos. Mas o adulto, o que é?
Eryk advoga a juventude. Seu filme, patrocinado pelo Instituto Cubano de Arte e Indústrias Cinematográficas e pelo Grupo Novo de Cinema e TV/Tarcísio Vidigal, sujeita-se à pulsão modificadora. A transformação, por vezes, não está onde nós a colocamos.
A imagem desfocada, granulada, de efeito meditativo, não é a novidade em Rocha que Voa - é apenas uma tendência, como a fotografia exuberante à época de Glauber, inspirada no neo-realismo. A novidade em Eryk é que ele fez o que deveria ser lei no cinema, uma obra com marca, intenção e discurso. Outros filmes seus virão. A invenção é um caminhar, e o diretor talvez tenha dado o primeiro passo neste trajeto.
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