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Festival do Rio 2002 consagra a diversidade cinematográfica

Quinta, 26 de setembro de 2002, 14h58

Cena de "Fale com Ela", de Almodóvar
São duas semanas por ano em que o Rio de Janeiro deixa de ser lembrado apenas como a Cidade Maravilhosa das praias e do Carnaval e se transforma na capital nacional do cinema.

Entre os dias 26 de setembro e 10 de outubro de 2002, a cidade se transforma no palco da exibição de 400 filmes, vindos de 47 países, antecipando um público de 150.000 pessoas que passarão por 27 salas. É o Festival do Rio BR 2002 que começa nesta quinta-feira.

A quantidade de filmes exige uma tremenda logística de seus organizadores, com o Grupo Estação à frente, e busca contemplar uma grande diversidade e qualidade.

Assim, fazem sua avant-première brasileira no Rio filmes premiados nos melhores festivais internacionais como Cannes, Veneza e Berlim, além dos muito esperados por cinéfilos atentos ao que se passa nas telas do resto do mundo. É o caso da atração de abertura, Fale com Ela, de Pedro Almodóvar, que registra uma participação do cantor brasileiro Caetano Veloso cantando Cu-cu-rru-cu-cu Paloma.

Fale com ela é também uma das mais bem-acabadas obras do diretor espanhol, que vive uma fase das mais criativas, reflexo de sua maturidade. O enredo acompanha o drama de dois homens, o enfermeiro Benigno (Javier Cámara) e um escritor, Marco (Darío Grandinetti), que se dedicam ao cuidado cotidiano de suas amadas, ambas em coma no mesmo quarto de hospital.

A namorada de Marco é uma toureira atingida na arena (Rosario Flores), a de Benigno, uma bailarina (Leonor Watling) vitimada num acidente de carro. Em torno desse estranho quarteto, numa situação em tudo inusitada, Almodóvar vibra mais uma vez as cordas de um melodrama intenso, embalado pela música sublime de Alberto Iglesias (autor da trilha de Tudo sobre Minha Mãe).

Fora Almodóvar, o elenco de grandes nomes deste festival é de deixar qualquer um babando. Há o novo filme do veterano grego Constantin Costa-Gavras, Amém - que comprou briga com a Igreja Católica por abordar sua omissão na proteção aos judeus na II Guerra e o documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore, prêmio especial em Cannes 2002 e que recorda o massacre de 12 alunos e um professor por dois estudantes de uma escola em 1999, usando-o como ponto de partida para uma devastadora análise sobre o medo e a violência na América de George Bush.

Também entram na lista Paraíso, do alemão Tom Tykwer, novo trabalho do diretor de Corra, Lola, Corra inspirado no último roteiro do polonês Krysztof Kieslowski; O Pianista, Palma de Ouro em Cannes 2002, que recupera a biografia do pianista e sobrevivente do gueto de Varsóvia Wladyslaw Szpilman (Adrien Brody) e recoloca no primeiro time dos cineastas mundiais o seu diretor, o franco-polonês Roman Polanski.

PANORAMA INTERNACIONAL

Mas as atrações internacionais não páram aí. O Homem sem Passado, de Aki Kaurismaki, Grande Prêmio de Júri em Cannes de 2002, conjuga o humor no sentido finlandês, ou seja, contido e quase melancólico à moda de Buster Keaton, para contar a história de um homem que perde a memória (Makku Beltola) depois de um assalto e constrói uma nova vida ao lado de uma voluntária do Exército da Salvação (Kati Outinen, também premiada em Cannes).

Da seleção 2002 do Festival de Cannes vem o drama Ten, em que o iraniano Abbas Kiarostami conta em dez sequências de dez minutos cada pequenas histórias da vida de seis mulheres contemporâneas - um relato feminista que faz boa companhia ao drama O Círculo, de seu compatriota Jafar Panahi.

All or Nothing, do inglês Mike Leigh, compõe um sofrido retrato de uma família trabalhadora, comandada por um pai taxista interpretado pelo habitual intérprete do diretor, Timothy Spall (que fez Segredos e Mentiras, também sob a batuta de Leigh).

O público terá uma chance de conferir se Spider, drama sombrio do canadense David Cronenberg, não merecia melhor sorte em Cannes 2002 - não escapará a nenhum espectador a interpretação visceral e quase sem palavras do inglês Ralph Fiennes (O Paciente Inglês) na pele de um doente mental liberado do sanatório e que acaba reencontrando seus piores fantasmas.

De Veneza 2002, desembarca Para Sempre Lília, em que o sueco Lucas Moodyson (de Bem-Vindos) muda radicalmente seu estilo, mergulhando num drama pesado, que enfoca a exploração sexual de uma adolescente russa (a bela e ótima atriz Oksana Akinshina), iludida por promessas de amor e emprego na Suécia.

Na seção Limites e Fronteiras, todos os olhos devem voltar-se para o filme coletivo 11 de Setembro, que congrega a visão de 11 cineastas de todo o mundo em torno dos atentados de 11 de setembro.

Entre eles, o americano Sean Penn, a iraniana Samira Makhmalbaf, o egípcio Youssef Chahine e o inglês Ken Loach -- autor do trecho mais comovente da obra, relembrando a trágica coincidência do golpe de Estado no Chile em 1973, também numa terça-feira, 11 de setembro.

Na seção Midnight Movies, o destaque é o musical 24 Hour Party People, em que o inglês Michael Winterbottom reconstitui o nascimento da dance music na Manchester nos anos 70 e 80, em torno da danceteria La Hacienda, sacudida pela banda New Order. O protagonista é o mentor de tudo isso, o apresentador de TV Tony Wilson (Steve Coogan).

Dono de um faro espetacular para o talento dos roqueiros, Wilson esteve entre os 42 exatos espectadores de um primeiro show da banda que depois seria um enorme sucesso mundial: The Sex Pistols.

Inspirado por essa nova corrente do rock, ele criou o selo Factory Records (nome que homenageia a Factory, delirante oficina criada pelo artista plástico Andy Warhol), que terá entre suas descobertas a banda Joy Division, que viria a tornar-se a New Order, e a Happy Mondays.

Na mostra Mundo Gay, uma das principais atrações será Venuz Boys, do austríaco Gabriel Bauhr. Nascido Gabrielle, formado em etnologia, Gabriel fez aqui um instigante documentário sobre as motivações de várias mulheres que optaram por se transformar em homens - como as "drag kings" de Nova York, que se encontram em clubes, e as londrinas que tomam hormônios para se tornarem ciborgues.

Bauhr, aliás, é uma das presenças confirmadas entre os convidados desta edição do festival, bem como Costa-Gavras, Roman Polanski, Tom Tykwer e o inglês John Madden (diretor do premiado Shakespeare Apaixonado).

ATRAÇÕES LATINAS E NACIONAIS

Outra presença confirmada é do jovem diretor argentino Pablo Trapero. Talento admirado pelo brasileiro Walter Salles, Trapero traz seu segundo longa, El Bonaerense, que teve sua avant-première na mostra Un Certain Regard, em Cannes 2002.

Entre os temas candentes do filme, um dos 25 da seção Première Latina, a violência policial, o vazio social e o racismo que assolam a Argentina hoje.

Outros destaques da programação latina vêm do México: A Virgem da Luxúria, novo trabalho do mexicano Arturo Ripstein (Ninguém Escreve ao Coronel) premiado em Veneza 2002; Japón, drama despojado, seco e de baixíssimo orçamento que utilizou elenco amador e revelou um novo talento no México, o diretor Carlos Reygadas; e O Crime do Padre Amaro, de Carlos Carrera, em que o jovem ator Gael García Bernal (de E Sua Mãe Também) interpreta o protagonista deste drama, baseado no conhecido livro do português Eça de Queirós.

Na seção Première Brasil, um dos candidatos a filme-sensação será com certeza Madame Satã, filme de estréia do diretor Karim Ainouz (co-roteirista de Abril Despedaçado), que revisita livremente a figura do famoso malandro da Lapa carioca, amparado na interpretação visceral do baiano Lázaro Ramos - uma das grandes revelações do ano no cinema nacional.

Não dará para ignorar os documentários Edifício Master, em que o mestre nacional do gênero, Eduardo Coutinho, revela o cotidiano de um prédio em Copacabana, e Ônibus 174, em que José Padilha reconstitui a jornada de 12 de junho de 2000 - dia em que um sequestrador de ônibus no Rio manteve suspensa a respiração do país por quatro horas e que culminou com a morte dele e de uma de suas reféns.

Paralelamente, há mostras com raridades como filmes africanos (mostra Olhos Negros), clássicos eternos (Tesouros da Cinemateca e Melodrama Mexicano) e muito mais.

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Reuters

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