Há um clima de realismo mágico permeando toda a história de A Jangada de Pedra, adaptação cinematográfica do livro homônimo do escritor português José Saramago, dirigida pelo holandês George Sluizer, uma das atrações desta quinta-feira do Festival Rio BR 2002. A Jangada de Pedra traz uma história rica, personagens multidimensionais, sem contar paisagens estranhas e acontecimentos extraordinários que mudam a vida de um pequeno e muito peculiar grupo de pessoas.
Uma catástrofe dá a partida: a Península Ibérica se separa do continente europeu e vaga pelo Oceano Atlântico, rumando para uma colisão com o Arquipélago de Açores.
Cinco pessoas parecem estar ligadas ao estranho fenômeno da ruptura da península com o continente. Ou assim acreditam muitos dos que temem o que está por vir. O farmacêutico Pedro Orce (Federico Luppi) sente a terra tremer, sensação que ninguém mais compartilha.
O pescador Joaquim (Diogo Infante) foi capaz de lançar uma pedra de peso monumental sem conseguir, no entanto, explicar como. A camponesa Maria (Iciar Bollain) desfaz uma meia e o fio azul que sai dela cresce sem parar, remetendo a um cão que vaga pelas estradas com um novelo de lã da mesma cor.
É o cão, finalmente, que traz à casa de Maria a trupe formada por Pedro, Joaquim, o professor José (Gabino Diego) - eternamente seguido por um enorme bando de pássaros - e a astrônoma Joana (Ana Padrão), que se faz sempre acompanhar de um misterioso cajado.
A situação paradoxal projeta nesse grupo uma união inusitada, em que as relações entre os dois casais, formados por Joaquim e Maria e por José e Joana, sofrem influência das sensações do velho Pedro e do comportamento do cão.
Sluizer consegue recriar em filme a poderosa prosa de Saramago sem traí-la - e já se sabe que o escritor, normalmente arredio a adaptações cinematográficas, aprovou o resultado. Mesmo quem não leu o livro, porém, tem aqui um trabalho artístico digno de atenção.
O diretor consegue manter o clima de estranheza em torno de toda a situação, um símbolo do isolamento da Península Ibérica em relação ao resto da Europa, e capturar o humor e a ironia implacáveis do politizado autor português.