O diretor Michael Mann não gosta de histórias fáceis, como se viu em O Informante (1999), no qual ele filmou os bastidores da indústria tabagista e foi brindado com uma série de indicações ao Oscar. Em Ali, que estréia nesta sexta-feira na 26a Mostra BR de Cinema, em São Paulo, o diretor optou por um herói nada comum, repleto de arestas e nutrido de polêmica: o boxeador Muhammad Ali.
O melhor do filme estrelado por Will Smith (indicado ao Oscar de melhor ator) é a reprodução da energia inesgotável de seu protagonista, recriado com habilidade pelo ator visivelmente mais musculoso e de rosto transformado para ficar parecido com o mito real.
Mas Smith se apropria do espírito rebelde de Ali e injeta sua própria personalidade, distanciando-se momentaneamente dos papéis cômicos que lhe trazem notoriedade e dinheiro, como a franquia Homens de Preto. Aqui, quem ainda não sabe, vai ter como descobrir a qualidade da atuação dramática deste jovem astro.
Muhammad Ali renasce na tela como o homem que não aceitou nada da vida do jeito que recebeu, nem mesmo seu nome de batismo, Cassius Marcellus Clay.
Quando já havia se transformado em boxeador de sucesso e se convertido à fé muçulmana, ele abominou o sobrenome ``de escravo'' e recebeu do líder espiritual da Nação Islâmica, Elijah Muhammad, o novo nome com o qual se celebrizou não só como esportista vitorioso de três campeonatos mundiais, mas como líder da causa negra e da resistência à Guerra do Vietnã.
Por sua recusa, aliás, de atender à convocação do governo para lutar nesta guerra, ele enfrentou um inferno pessoal que o levou à perda do título de campeão mundial, à ruína financeira e à ameaça de prisão.
A América conservadora dos anos 1970 não lhe perdoava declarações do tipo: "Nenhum vietcongue jamais me chamou de 'negro'. Meus inimigos estão aqui e são eles que me negam meus direitos".
Apesar de tudo, o lutador, tão rápido e certeiro com as palavras como com os punhos, resistiu a tudo e ressuscitou de cada uma de suas mortes anunciadas.
Honesta e assumidamente contraditório, chegou a dizer que devia ter descoberto o islamismo aos 50 anos, pois aí poderia resistir melhor ao seu confesso fraco pelas mulheres (teve quatro esposas, além de vários casos). Fora do ringue, foi amado, disputado, abandonado e enfrentado por quase todas elas.
Um aspecto interessante do filme de Mann está em apontar a infiltração do FBI na Nação Islâmica, com um espião que tinha grande influência sobre o líder do movimento, levando-o a suspender Malcolm X (Mario van Peebles) e depois a aceitá-lo de volta.
Curiosamente, nessa volta o líder negro, que defendia métodos de ação menos pacifistas do que Martin Luther King, foi assassinado a tiros dentro de uma mesquita.
Evidentemente, as cenas de lutas de boxe são extensas e magnificamente filmadas, de modo a enfatizar a violência deste esporte que só perde, provavelmente, para as touradas.
E Ali ainda traz uma boa aproximação deste que foi uma das figuras-chave do século 20 num retrato que não oculta suas contradições.
Para ver os outros horários de exibição deste filme, vá ao site da Mostra: https://www.mostra.org
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