Poucos cineastas contemporâneos conseguem imbuir o proletariado de vida difícil com a humanidade, o humor, respeito e moralidade que Aki Kaurismaki infunde em seus personagens. » Leia mais notícias sobre a 26ª Mostra
Continuando na linha que ele já explorara em Nuvens Passageiras, de 1996 - talvez o melhor da onda de produções européias sobre o desemprego feitos nos anos 1990 -, O Homem sem Passado trata de um sujeito que perde a vida e a memória, e recomeça tudo do zero para encontrar amor, auto-estima e um lugar no mundo.
A união da trajetória dramática da história com o estilo irônico e pé no chão do diretor finlandês pode resultar num filme pequeno em termos comerciais, mas tremendamente satisfatório e bem feito que deve ampliar em muito o rol dos fãs devotos de Kaurismaki. O longa-metragem será exibido nesta segunda-feira na 26ª Mostra BR de Cinema, em São Paulo.
O enredo segue na periferia não urbana de Helsinque, onde pessoas marginalizadas lutam para enfrentar a pobreza, o desemprego e a falta de moradia num ambiente de fracasso econômico e burocracia indiferente.
Como já fizera em Nuvens Passageiras, Kaurismaki eleva seus personagens acima desse pano de fundo de miséria social, aplicando seu humor peculiar até mesmo às situações mais deprimentes, como a de um homem que vive num container de lixo.
O homem sem passado do título (Markku Peltola) é assaltado e espancado brutalmente logo depois de chegar a Helsinque de trem. Dado como morto no hospital, ele calmamente se senta, envolto em bandagens como uma múmia, ajusta seu nariz quebrado e sai andando. Dois irmãos o encontram mais tarde, às margens do rio, sem qualquer lembrança de nada do que aconteceu antes do assalto.
A mãe dos garotos, Kaisa (Kaija Pakarinen), administra a família com dificuldade no container em que vivem, mantendo controle rígido sobre seu marido (Juhani Niemela). Kaisa cuida do homem sem memória até ele ter condições físicas de encontrar uma "moradia" semelhante, alugada ilegalmente pelo segurança Anttila (Sakari Kuosmanen), dado a utilizar frases bíblicas pomposas.
Enquanto está jantando numa cantina do Exército da Salvação, o homem conhece a voluntária cristã Irma (Kati Outinen), que o ajuda. Ele não consegue arrumar trabalho no centro para desempregados porque não sabe seu nome nem outros dados. Certa noite, quando está acompanhando Irma para casa, ele rouba um beijo casto da moça, e assim começa um romance discreto.
Ao mesmo tempo, o homem descobre que tem espírito empreendedor, convencendo a banda do Exército da Salvação a ampliar seu repertório para incluir rock'n'roll, R&B e blues.
Em pouco tempo, o público da banda está dançando enquanto espera o sopão, e ele arruma contratos pagos para a banda.
O visual do filme lembra trabalhos de épocas passadas em Hollywood, com magníficas cores intensificadas que lembram os velhos filmes em technicolor e céus dramáticos, marcados por ambientes e personagens humildes, com uma dignidade e alcance ampliados.