Uma recordação em celulóide que transcorre de trás para frente, começando com violência assustadora e terminando com momentos de ternura sublime, Irreversível é uma odisséia emocional exigente, mas compensadora, envolta numa boa embalagem visual. » Saiba tudo sobre a 26ª Mostra
Destinado a dividir o público, tão certamente quanto o Muro antigamente dividia Berlim, o filme, no qual os parceiros românticos na vida real Monica Bellucci e Vincent Cassel retratam um casal, vem sendo acompanhado da palavra "escândalo" desde que foi anunciada sua participação em Cannes.
Mas, exceto para quem tem estômago fraco ou cabeça fechada, não há nada de escandaloso nele, apenas imagens abrasivas aplicadas com habilidade a temas que importam. O longa-metragem será destaque da terça-feira na 26a Mostra BR de Cinema de São Paulo.
Indignados com a agressão aparentemente gratuita cometida contra seus sentidos, alguns espectadores podem se sentir tentados a deixar o cinema logo no início do filme. Na opinião desta crítica, seria um engano - não apenas porque o que vem a seguir vai apagar dois atos de violência repulsiva, mas também porque vai somar camadas de tristeza e horror que elevam o filme à condição de obra de arte.
Os espectadores que preferem histórias de amor bonitinhas, imagens atraentes e trabalho de câmera estacionário podem ficar horrorizados, mas Gaspar Noé está no controle de cada quadro do filme.
Irreversível começa com os créditos finais, praticamente impossíveis de ler porque todas letras N, R e E vêm invertidas. Noé, que escreveu, dirigiu e editou o filme, além de operar a câmera que mergulha e se eleva a todo momento, quer que saibamos que a história começa no fim de uma noite infernal e "avança" para o início da noite.
O longa-metragem é composto de cerca de uma dúzia de tomadas longas, intensas e brilhantemente coreografadas, cada uma das quais avança "do começo ao fim". Mas esses blocos são encadeados em ordem cronológica inversa.
Depois que um homem numa sala sórdida afirma que "o tempo destrói tudo", a câmara mergulha para a rua, à noite, onde um homem atordoado, com o braço quebrado, chamado Marcus (Cassel) está sendo carregado para fora de um clube de sadomasoquismo gay chamado Rectum (Reto), numa maca. Ele é seguido por outro homem ainda mais atordoado, Pierre (Albert Dupontel), que é algemado e xingado pela polícia.
A sequência seguinte mostra Pierre e Marcus entrando no clube. Nervoso e colérico, Marcus aborda os clientes do clube, que gemem e grunhem, enquanto a câmera o acompanha passando por uma sequência interminável de pequenos compartimentos que lembram masmorras. Marcus pergunta às pessoas se viram determinado homem, e está claro que busca vingança. Mas um clube de sadomasoquismo não é o lugar mais indicado para se irritar a clientela, e as coisas degeneram de maneira chocante.
Continuando a progressão invertida, Pierre e Marcus são vistos buscando as informações que os levarão ao Rectum. A causa justificada da fúria de Marcus, sua relação com Pierre e as relações de ambos com a belíssima Alex (Monica Belucci) se tornam cada vez mais claros depois que Alex entra numa passagem subterrânea para pedestres, 43 minutos depois de iniciado o filme.
A seguir, Noé faz com essas passagens subterrâneas o que Psicose fez com os chuveiros. Bellucci e a pessoa com quem ela dá de cara têm atuações contundentes, numa cena horrendamente convincente, filmada numa única tomada na qual a câmera finalmente é colocada sobre um tripé.
O trabalho de câmera é fluido, o som é perfeito. Motivados pelo desafio das tomadas longas, os atores - que improvisaram a maior parte de seu trabalho, a partir de um roteiro de apenas 4 páginas - são fantásticos, especialmente Bellucci. O impacto cumulativo é tecnicamente espantoso e emocionalmente devastador.
Para saber os horários de exibição deste filme vá ao site da Mostra: https://www.mostra.org