Sempre imaginativo e impressionante, mas às vezes irritante, Intervenção Divina, destaque de hoje na 26ª Mostra BR de Cinema, é um filme feito de momentos memoráveis mais do que de uma narrativa coesa e envolvente. » Leia mais notícias sobre a 26ª Mostra
Coletânea de vinhetas de personagens reunidas em torno da história de um homem e uma mulher palestinos que marcam encontros perto de uma barreira policial israelense, este segundo longa do diretor palestino Elia Suleiman observa a vida sob a ocupação de Israel.
O filme é feito sob medida para festivais ocidentais e programas especiais, onde cinéfilos e membros da "intelligentsia" política vão aprovar seu humor sofisticado e suas referências cinematográficas.
Comparado com dois outros projetos vindos da mesma região e vistos em Cannes este ano, Intervenção Divina pelo menos possui alguma paixão e uma posição política reconhecível, o que o difere do pesadão Kedma, do israelense Amos Gitai, que prefere ficar em cima do muro. Mas perde pontos para Rana's Wedding, do também palestino Hany Abu-Assad.
Na realidade, os três primeiros rolos, ambientados em Nazaré, a cidade natal do diretor, são virtualmente uma versão adaptada para o Oriente Médio do recente Monday Morning, de Otar Iosseliani, com uma sucessão de vinhetas quase mudas que vão compondo um rol de excentricidades.
Um homem vestido de Papai Noel é perseguido num morro por alguns jovens; outro homem aguarda um ônibus que não vem; um terceiro guarda garrafas vazias sobre seu telhado e mais tarde as atira contra a polícia, e ainda outro homem abre seus sacos de lixo e joga o conteúdo no jardim de seu vizinho.
Quando essa abertura começa a cansar, o diretor traz uma surpresa explosiva que conduz a história num rumo mais abertamente político.
O próprio Suleiman faz o papel de E.S., visto pela primeira vez indo a um hospital onde seu pai, que aparece na seção anterior, se recupera de um ataque cardíaco.
Passando do hospital para o posto policial de Al Ram, entre Jerusalém e Ramallah, Suleiman surpreende novamente ao introduzir a namorada de E.S. (a atriz Manal Khader), uma beldade espantosa.
Ela é de Ramallah e ele de Jerusalém, de modo que os dois se encontram num estacionamento ao lado do posto policial e dão as mãos em silêncio enquanto observam o que se passa no posto.
Os encontros do casal não passam de desculpa para o cineasta mostrar uma série de sequências ocorridas em barreiras israelenses, que apresentam os soldados israelenses ou como imbecis ou como valentões dominadores.
O casal de namorados palestinos apenas observa os acontecimentos em silêncio enquanto eles se desenrolam, numa espécie de condenação muda.
Na verdade, o filme é feito no espírito de um moderno longa-metragem mudo. Imagine o francês Jacques Tati falando do problema palestino e você terá entendido a metade desta obra.
Às vezes as idéias de Suleiman funcionam muito bem, como numa cena em que um balão vermelho com o rosto sorridente de Yasser Arafat flutua sobre a paisagem de Jerusalém, caindo exatamente sobre a mais sagrada das mesquitas muçulmanas.