Livre do ônus de uma equipe de cinegrafistas e toda a parafernália necessária para se fazer um filme em 35 mm, o cineasta iraniano Abbas Kiarostami dá um salto em termos técnicos e narrativos em seu 12o longa-metragem, Dez, uma das principais atrações de sábado na 26ª Mostra BR de Cinema, em São Paulo. » Leia mais notícias sobre a 26ª Mostra
Usando uma pequena câmera de vídeo digital fixa ao painel de um carro e apenas duas posições de câmera - close-up da motorista e close-up do passageiro -, Kiarostami cria um mundo emocional inteiramente convincente em torno do qual uma jovem divorciada iraniana enfrenta suas ansiedades.
São dez brilhantes momentos com os quais almas femininas do mundo todo vão se identificar.
Este filme corajoso e instintivo reduz todos os elementos cinematográficos ao mínimo neste "one-man show" que o próprio diretor escreveu, produziu, filmou e editou, seguindo o modelo do documentário ABC Africa, feito no ano passado em vídeo digital, com uma economia de meios que certamente será estudada e imitada especialmente em países emergentes.
Em alguns momentos divertidos, em outros comoventes, mas sempre interessantes, Dez está muito distante do minimalismo estático que se faz passar por vanguardista, oferecendo um novo modelo de cinema que mergulha profundamente no comportamento e nas preocupações humanas.
Sua natureza radical poderá afastar alguns espectadores e o diálogo constante vai testar habilidade deles de ler legendas.
Kiarostami nunca foi notado por seus personagens femininos, que, na maioria de seus filmes, ficam em segundo plano. Desta vez, porém, cinco atrizes não-profissionais estão no centro das atenções, lugar que conservam apenas com seus diálogos e expressões faciais.
A mais complexa e fascinante é a personagem principal (Mania Akbari), apresentada conversando com seu filho Amin (Amin Maher) enquanto o leva de carro à natação.
A câmera passa 15 minutos fixa no rosto do menino enquanto ele discute com sua mãe, que não é vista. Ele não consegue perdoá-la por ter se divorciado de seu pai e casado novamente com um homem que ele trata como estranho.
É a primeira e mais longa de dez cenas, claramente indicadas com números. Na próxima cena longa, a jovem mãe é mostrada na direção, conversando com uma parente sobre a hostilidade de Amin. Ela é bela e está na moda, usa óculos de sol e maquiagem e sente enorme necessidade de falar.
Ela dirige pelas ruas de Teerã, dando carona a mulheres. Em uma cena, ela dá carona a uma velha senhora que está a caminho do mausoléu onde irá rezar. Em outra, numa saída ousada à noite, dá carona a uma prostituta e faz perguntas a ela sobre homens, sexo e amor.
Aos poucos, vai ficando claro que ela procura desesperadamente paz de espírito numa sociedade que rotineiramente pisa sobre os direitos da mulher, onde os homens são infiéis e o amor é transitório e ilusório.
A satisfação das necessidades sexuais é um enigma que está ligado à questão mais ampla de se todas as relações entre homens e mulheres se baseiam no comércio.
Quando o filme chega ao fim, ela parece ter encontrado a paz interior que tanto procura, talvez por ter aprendido a se amar e viver por ela mesma, não apenas em função dos homens em sua vida.