Convidado de honra da 26ª Mostra BR de Cinema, que o homenageia com uma retrospectiva de sua obra, o cineasta russo Aleksandr Sokúrov lamentou neste final de semana, em uma entrevista coletiva em São Paulo, que neste momento, em seu país, poucos se interessem pela arte. "A Rússia está muito ocupada com política, poder e guerras", lastimou. » Saiba tudo sobre a 26ª Mostra
Um dos maiores nomes do cinema russo em atividade, Sokúrov ainda enfrenta problemas para a circulação de seu trabalho em sua própria terra. Tanto que a Rússia ainda não viu o último filme do diretor, Arca Russa, apesar de a obra ter participado da competição oficial do Festival de Cannes, em maio passado, e sido exibida em vários países, inclusive em São Paulo durante a Mostra, com boa recepção.
Agora, o obstáculo não está mais na censura, que tanto incomodou o diretor durante o regime soviético, e sim no próprio interesse de um público restrito em seu trabalho, onde se destacam também filmes sobre grandes figuras históricas, como Moloch - Eva Braun e Adolf Hitler na Intimidade e Taurus, que retrata o final da vida do líder russo Vladimir Lênin.
O diretor localiza seu público numa esfera bastante limitada, embora reconheça que não saiba o número exato de espectadores que seus filmes atraem. "Não sei. Deve ser o número de que precisamos. Acho que sou um homem feliz porque meus filmes são vistos pelas pessoas que precisam vê-los", afirmou, em entrevista coletiva concedida no domingo pela manhã no Hotel Crowne Plaza.
Mesmo assim, Sokúrov não reclama da repercussão de suas obras na Rússia. "Gosto de saber que os professores, os médicos e os funcionários de museus gostam de meus filmes", acrescenta.
O cineasta não esconde, porém, sua decepção com a própria arte: "Fico desapontado porque o cinema se transformou hoje de uma arte num produto visual. Junto com a sua cria, que é a televisão, os cineastas estão destruindo toda a sua esfera humanística e cultural. A comunidade cinematográfica cada vez mais se torna uma espécie de máfia, um grupo ao qual não sinto prazer de pertencer."
Ele não negou que considere a literatura, a música e a pintura tipos de artes maiores do que o cinema. Entretanto, isto não significa que esteja prestes a deixar a profissão.
"Minha profissão é o cinema, nela me formei e portanto seria difícil deixá-la. Mas sinto muita vontade de fazê-lo", admitiu.
Nada indica que ele esteja mesmo disposto a parar. Tanto que mencionou seu novo filme, Pai e Filho, filmado em Lisboa e cuja montagem começa em breve, e um novo projeto, sobre o imperador japonês Hiroito, que inicia a seguir.
Falando desse ritmo incessante de trabalho, frisou: "Não tenho o direito de parar. Estou numa guerra. Há quem se esforce para que eu deixe o cinema, mas pessoas como eu não podem nem devem parar. Senão, tudo ficará nas mãos de pessoas ruins".
Autor do símbolo da 26a Mostra BR este ano, uma árvore ao vento, Sokúrov demonstrou que também tem senso de humor.
"Mandei ao meu amigo Leon (Cakoff, diretor da Mostra) apenas uma árvore solitária. Ele a transformou numa floresta", comentou, sorrindo.
Mas não reclamou da ampliação de seu desenho, que vem sendo utilizado no cartaz da Mostra e na vinheta que abre todas as suas sessões. "Minha árvore solitária devia ser triste demais para um país tão alegre e cheio de sol. Vocês são pessoas otimistas e cheias de energia. As pessoas do Hemisfério Norte são como eu, mais solitárias, como a árvore", finalizou.