O terceiro longa-metragem de Jia Zhang-ke, Prazeres Desconhecidos, traz novas evidências do estilo visual singular do diretor e de sua vocação de cronista do futuro incerto e da ausência de visão dos jovens na China. O filme será exibido em São Paulo nesta quarta-feira, na 26ª Mostra BR de Cinema. » Saiba tudo sobre a 26ª Mostra
Estruturado de maneira frouxa, como um mosaico, semelhante a seu aclamado Plataforma (2000), Prazeres Desconhecidos parece, sob vários aspectos, ser quase uma continuação do filme anterior.
Enquanto a ação de Plataforma se dava em 1979-80, Prazeres Desconhecidos transcorre em 2001, mais uma vez numa cidade do interior e mais uma vez girando em torno de quatro personagens principais.
Mas Jia traça uma diferença marcante em relação a Plataforma no estilo de filmar: desta vez, usou vídeo digital para permitir um movimento de câmera constante e fluido dentro de tomadas extensas, em lugar do visual principalmente estático, composto da produção de 2000.
Dois rapazes desempregados, Xiao Ji (Wu Qiong) e Bin Bin (Zhao Wei Wei), andam pela cidade de motocicleta e frequentam o centro comunitário local.
Sem motivação ou perspectiva de emprego - além do desejo de sua mãe de que entre para o Exército para formar seu caráter -, Bin Bin se sente cada vez mais distanciado de sua namorada, a estudiosa Yuan Yuan (Zhou Qing Feng), que pretende estudar comércio internacional na Universidade de Pequim.
Dedicado a curtir os prazeres da vida, Xiao Ji paquera a bela mas indiferente Qiao Qiao (a atriz Zhao Tao, de Plataforma), que dança em shows promocionais para uma empresa de bebidas e namora seu ex-professor de ginástica, hoje agiota.
Apesar de apanhar dos empregados do agiota por tentar roubar sua namorada, Xiao Ji persiste. Mas quando Qiao Qiao rompe com seu namorado e deixa Xiao Ji se aproximar, sua baixa auto-estima impede o surgimento de qualquer coisa significativa entre eles.
Ao longo do filme, de maneira casual, vêem-se noticiários de TV que destacam acontecimentos reais da época, tais como o bombardeio de uma fábrica têxtil, a entrada da China na Organização Mundial do Comércio e a colisão entre um avião militar norte-americano e um chinês. Mas essas referências não passam de fragmentos, não chegando a conferir um subtexto político à história.
A construção de uma rodovia ligando a cidade a Pequim indica o desejo da população das províncias de ter ligações com a capital, enquanto o entusiasmo gerado pela escolha de Pequim para sediar as Olimpíadas de 2008 é indicativo do esforço para fazer a China ingressar na comunidade mundial.
Variações sobre esses temas foram expressas com mais sutileza em Plataforma, assim como a idéia da cultura tradicional sendo sufocada por influências ocidentais, transmitida em Prazeres Desconhecidos por coisas como ópera chinesa lado a lado com clubes de dança, sem falar em jingles comerciais e baladas pop na televisão.