MV Bill, o rapper da Cidade de Deus, criticou o trabalho do diretor Fernando Meirelles em sua coluna nova coluna no site Viva Favela. O músico diz que o longa-metragem Cidade de Deus aumentou o estigma contra os moradores da comunidade que serviu de cenário para a produção. "O filme não trouxe nada de bom para a favela. Ele explorara as imagens das crianças. Estereotiparam como ficção e venderam como verdade". disse. Ainda na sua coluna, Bill convoca a imprensa para discutir o assunto no dia 6 de fevereiro. "Vou colocar todo mundo na bola. O mundo inteiro vai saber que esse filme não trouxe nada de bom para a favela, nem benefício social, nem moral, nenhum benefício humano", garantiu. "Não queremos dinheiro. Queremos apenas respeito. Eles, os donos do Cidade de Deus, têm o apoio da mídia", completou.
Hermano Vianna, que ajuda extra-oficialmente o ministro da Cultura Gilbergo Gil e é citado no texto de MV Bill por ter visitado Cidade de Deus no final de semana passado, também resolveu se envolver e enviou uma mensagem à imprensa sobre o assunto. Confira a íntegra:
MV Bill acaba de publicar sua nova coluna no site Viva Favela. Meu nome é citado no texto. Como meu telefone já disparou com pedidos de entrevistas, acho melhor responder a todos com esta nota para imprensa, explicando o que fui fazer na Cidade de Deus na última noite de sábado.
Estou, sem cargo oficial, ajudando o ministro Gilberto Gil a elaborar novos projetos de política cultural. Tenho tido conversas com várias pessoas, vinculadas a vários setores da cultura brasileira, buscando estabelecer parcerias com o Ministério. Uma das áreas culturais diante da qual o Ministério pretende ter atenção especial é o hip hop, fenômeno que tem cada vez maior penetração em todo o Brasil, sobretudo nas regiões mais carentes e "periféricas". Para conversar sobre isso, marquei uma reunião com Celso Athayde, organizador do Prêmio Hutus, o mais importante evento anual da cultura hip hop nacional.
A reunião aconteceu no final da tarde de sábado, na sede do Prêmio Hutus, em Madureira. No final da nossa reunião, Celso pediu que eu lesse o rascunho do texto que MV Bill - de quem Celso é empresário - tinha lhe mandado naquele dia, que era uma versão diferente das declarações publicadas na coluna de hoje (o texto foi escrito de madrugada, depois de uma batida policial que houve na sexta-feira na Cidade de Deus). Fiquei imediatamente muito preocupado com o que li. Tinha certeza que ninguém - nem a comunidade da Cidade de Deus, nem os produtores do filme Cidade de Deus, nem o MV Bill, nem a cultura brasileira - nada tinha a ganhar com a situação que o texto anunciava.
Comecei a discutir o texto com Celso, ponto por ponto. Como sou amigo de pessoas das produtoras O2 (incluindo o próprio Fernando Meirelles), da VídeoFilmes, da Globo Filmes, e de várias outras pessoas ligadas ao filme (começando por Paulo Lins), eu perguntava se os dois lados (filme e comunidade) já haviam esgotado outras formas de negociação antes de se instaurar o confronto.
Celso me convidou para conversar com o MV Bill na Cidade de Deus. Não vejo nada de excepcional em ter aceito o convite. Não acho que, na situação que vivemos, "favelas" sejam lugares mais perigosos que o "asfalto" (como não acho que um baile funk seja uma festa mais perigosa do que aquelas realizadas em boates da zona sul). Freqüentar as favelas é para mim uma forma de combater o apartheid social que ameaça paralizar a cidade.
Chegando lá, e conversando com pessoas que encontrei por acaso nas ruas e nos bares, pude perceber que as palavras do texto de MV Bill refletiam bem a opinião da comunidade. Mas percebi também que ninguém queria o confronto. Sugeri ao Celso que me desse um tempo para conversar com o pessoal do filme, para colocar os dois lados em contato antes que todos saíssem perdendo.
Liguei para o secretário de segurança Luiz Eduardo Soares, que também conhece bem tanto o MV Bill quanto pessoas da produção do filme (e com quem também tenho tido várias reuniões sobre um projeto cultural comum do Ministério da Cultura e da Secretaria de Segurança, que tem a ver com inclusão digital e social - justamente o assunto que também interessa ao MV Bill - através da criação de estúdios em comunidades de baixa renda, onde jovens dessas comunidades possam se profissionalizar no uso do computador para produzir música, web e televisão), e combinamos juntar nossos esforços mediadores. Liguei para pessoas envolvidas com a produção do filme explicando o que estava acontecendo, e troquei números de telefones entre os vários interessados.
Continuo trabalhando para que esse problema (nunca me imaginei envolvido com ele, mas a vida mais uma vez me pegou de surpresa, e, até por um dever de cidadão, não podia deixar as coisas como estavam e voltar para casa tranqüilo, afinal Cidade de Deus é também a minha cidade) seja resolvido da melhor maneira possível.
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