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Roman Polanski fala de seu passado no gueto

Quinta, 06 de março de 2003, 18h33

Quando fala da violência retratada em ''O Pianista'', seu filme mais recente e que concorre a sete estatuetas do Oscar, o cineasta franco-polonês Roman Polanski é preciso: ``A violência que se vê na tela é exatamente a que se praticava naquela época, nem mais, nem menos. Eu a presenciei''.

Afirmações como essa, apesar do seu alto teor dramático e franqueza, foram ditas com muita serenidade pelo diretor em uma concorrida conferência de imprensa concedida no ano passado, numa tenda armada em plena praia de Copacabana no Festival Rio BR 2002. O filme terá sua estréia nacional nesta sexta-feira.

Quando ele começou a desfiar suas memórias pessoais de sobrevivente do gueto de Cracóvia, que serviram de pano de fundo para a filmagem da história do pianista polonês Wladyslaw Szpilman, a platéia de jornalistas se calou e respirou fundo.

Ele confessou que são reais as cenas fortes do filme: uma jovem que chama o irmão pela janela para testemunhar a construção de um muro que isola o gueto judeu do resto da cidade, um homem judeu sendo esbofeteado por um nazista (coisa que aconteceu com seu próprio pai) e uma mulher que é morta a tiros simplesmente porque fez uma pergunta.

Tudo isso faz parte das memórias do menino Roman, que viveu no gueto entre os 9 e os 11 anos, quando finalmente fugiu para se salvar dos campos de extermínio, como Auschwitz, onde morreram sua mãe e sua irmã.

No filme, há uma pequena diferença: o gueto retratado é o de Varsóvia, já que foi dali que o pianista retratado escapou.


ROMAN NO GUETO

Indagado sobre quem realmente salvou sua vida depois da última e decisiva fuga do gueto (ele recorda ter voltado atrás diversas vezes, para não ficar longe da família), Polanski responde simplesmente: ``Muitos''.

Entretanto, Polanski pondera que, se pensar bem, quem foi decisivo mesmo para salvá-lo foi um jovem guarda polonês, de aproximadamente 20 anos, que, vestido com o uniforme nazista, vigiava aquela que era chamada de ``área de abate'' -- uma praça onde os judeus aguardavam a chegada dos trens de deportação, jogados no chão, sem comer nem beber, às vezes por dias inteiros.

Polanski lembra que tinha voltado atrás de uma de suas fugas por saudade do pai quando caiu ali, encontrando um menino órfão que conhecia, Stefan, de 4 anos, que havia sido informalmente adotado por seu próprio pai -- que não encontrou.

Percebendo que, se ficasse ali, não teria saída, Polanski recorda ter pedido ao soldado para sair e procurar comida -- uma desculpa obviamente esfarrapada, que não enganaria o soldado sobre sua real intenção de escapar.

O diretor lembra que o soldado o olhou e, contra sua expectativa, concordou. Polanski pegou Stefan pela mão e começou a correr. O soldado então gritou: ``Não corra!''. E depois, mais baixo, lhe disse que caminhasse normalmente.

Hoje, Polanski admite: ``Se alguém salvou fisicamente minha vida, foi esse jovem guarda polonês''.

ROTEIRO EM PROCESSO

Invocar essas memórias pessoais para escrever o roteiro sobre a biografia de Szpilman foi, segundo o diretor, ``o mais doloroso'' de todo o processo da produção de ``O Pianista''.

Já encenar a história no set de filmagem, onde os cenários, os figurinos, as armas e todos os recursos eram, obviamente, fictícios, foi mais suave do que entrar em contato com suas lembranças.

Sem renegar nada do que fez antes, Polanski diz, a respeito de sua carreira: ``Fiz todo tipo de filmes. Mas sinto às vezes que tudo o que fiz antes foi uma espécie de ensaio para este aqui.''

E, apesar de toda a carga pessoal invocada em ``O Pianista'', ele faz questão de destacar que é a vida de Szpilman, e não a sua, que é contada nele. ``Usei minhas memórias e material da época, mas jamais quis fazer a minha biografia'', esclarece.

Indagado sobre ``A Vida é Bela'', de Roberto Benigni, ele declara que gosta muito desse trabalho.

``Acho muito corajoso fazer uma comédia sobre esse assunto. Através do humor, ele conseguiu mostrar o absurdo daquela situação. O conceito de aniquilamento de uma raça é, aliás, tão absurdo que pode muito bem prestar-se a uma comédia'', afirma.

Falando do esmagador predomínio do cinema norte-americano no mundo atual, Polanski lamenta que haja um certo desaparecimento da diversidade e completa: "há menos grandes restaurantes, mais fast-food. Assim, idiomas, dialetos e raças originais vão desaparecendo".

Reuters

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