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AMOR À FLOR DA PELE
De Wong Kar-Wai
 

De: Reame

Sabe, quando fui ver este filme, já tinha ouvido muitas coisas negativas sobre Kar-Wai e seu estilo. A princípio, não vi nada demais. Pelo contrário, até gostei. Mas, após alguns dias, comecei a sofrer de amnésia. Não lembrava de quase nada de Amor à Flor da Pele! Tirando as poucas boas cenas do filme e aquela cena estranha no final, cujo significado não compreendi, não me lembro de mais nada, exceto a câmera lenta, cigarros, relógios, vestidos, a trilha sonora pra lá de repetitiva e... acho que é só.

Qualquer crítica que leio, mesmo as positivas, só menciona três coisas: a)sinopse da trama, b)os atores, c)movimentos de câmera. Não dá para falar de mais nada mesmo. Quando vc mencionou que Kar-Wai fez um "exercíco estéril de preciosismo estético" tirou as palavras da minha boca. Cara, é isso mesmo! No meu caso, acho que tive sorte, pois, não conhecendo o estilo dele, fiquei bastante atento, e talvez um pouco fascinado, o que explica o porque de não me cansar como em outras porcarias "preciosistas e estéreis" como O Hotel de Um Milhão de Dólares, Neve Sobre Os Cedros e Inverno Quente (esse último é o pior) só para citar alguns. Enfim, concordo com vc, é mais um filme a esquecer. Parabéns pela opinião própria, até logo e até mais.

De: Gerbase

Acho que você exagera um pouco ao chamar O Hotel... de porcaria. O próprio Amor à flor da pele não pode ser chamado de porcaria. São filmes que, pelo menos, tentam sair do lugar comum. Tá certo que também não chegam a lugar algum, mas vamos dar um certo crédito à ousadia. Você vai me lembrar: o inferno está cheio de boas intenções, e eu concordarei rapidamente. E que diabos é Inverno quente? É o pior título de filme de todos os tempos!

De: Celina Hamilton Albornoz

Estou gostando muito de conversar contigo sobre cinema. És surpreendente. Do que é que gostas, afinal? O que é importante para ti em um filme? Quais são teus autores-diretores prediletos? Não precisa dizer, aos poucos vou descobrir, agora que acompanho tuas críticas. Bem, vamos ao Amor à flor da pele. Minhas sensações: nessa safra de filmes ao redor do Oscar, embora acho que este não estava no páreo, foi uma benção assisti-lo. Não pelo tema, já tão manjado e "velho", pois é dos anos 60 o enfoque. Mas porque vi um diretor sabendo usar os recursos do cinema, isto é, contar uma história através da linguagem cinematográfica. E por isso saí do cinema pensando que tinha assistido cinema.

Ele utilizou os recursos para contar a passagem do tempo através das roupas dela - tempo cinematográfico - as luzes, a câmera que revela detalhes que nos contam a história, enfim, para mim o que menos importou foi o conteúdo, mas a forma. Como se ele tivesse realmente fazendo "arte", respeitando essa linguagem que os gringos transformaram em negócio, apenas. Que ele é influenciado pela nouvelle-vague é óbvio, mas isso é uma qualidade, penso eu, pois pelo menos está querendo dar um status, homenagear quem deu qualidade ao métier.

Aí, vem você, a quem respeito por também ser um fazedor de filmes, etc, e desmonta o meu olhar. Você não acha que a repetição no filme, a lentidão que você diz que cansa, não faz parte do clima da história, que é proposital? E por quê não se pode pretender fazer "arte" no cinema? Não achei nenhuma brastemp o filme, mas saí satisfeita porque tive a impressão de que vi cinema. O que hoje é muito difícil, você não acha? Mas para não dizer que discordo quase completamente de teu olhar ao Amor à flor da pele, já não agüentava mais ouvir a música tema! Em prejuízo ao meu comentário, fica o tempo que faz que assisti o filme, uns dois meses, e a lembrança do momento, que foi de surpresa agradável.

De: Gerbase

É saudável pretender fazer "arte" no cinema. Não tenho dúvida alguma que o cinema é uma atividade "artística", além de ser "industrial" ou "artesanal". Só não me peça para julgar um filme apenas pelas suas boas intenções. "Filme de arte", às vezes, não passa de um rótulo idiota para conquistar um público específico. Quer fazer "arte"? Então que seja "boa arte", com emoção, com força, com arrebatamento; ou com sutileza, ironia, crítica. Amor à flor da pele não me emocionou, nem me fez refletir sobre a cultura oriental. Nem me ofereceu qualquer desafio. Se é uma homenagem à nouvelle-vague, é uma homenagem gelada. Você diz que "viu" cinema e que isso é bom. E eu digo que, quando "vemos cinema" antes de "ver o filme", estamos a um pequeno passo da miopia.

De: Alexandre Pierre

Temos um grupo de amigo que todas as quartas-feiras vai ao cinema. Ao sair, numa lanchonete, damos uma nota para o filme, de 1 a 10. Somos bastante amadores nesta parte de dar nota. Gostaríamos de, se possível, ter umas dicas de como avaliar alguns quesitos, tais como: que se deve analisar para alguém ser classificado como bom ator/atriz, fotografia, roteiro, direção, ator/atriz coadjuvante, dentre outros. Gostaríamos de ter sua ajuda, não queremos ser seu concorrente, somente somos amantes da sétima arte e gostaríamos de incrementar a nossa roda de debates após os filmes de quarta feira! Desde já agradecemos sua ajuda!

De: Gerbase

Caros futuros concorrentes, vocês poderiam começar terminando com essa bobagem de dar nota para os filmes. Pior que nota de crítico, só as notas do público, como essas que todos os sites de cinema adoram coletar. Querem escrever sobre cinema? Vejam muitos filmes, discutam, escrevam sobre eles. Também vale a pena ler alguma coisa sobre linguagem e crítica. Recomendações rápidas:

VANOYE, Francis & GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, Papirus, 1994

- ANDREW, J.Didley. As principais teorias do cinema. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989

- COSTA, Antonio. Compreender o cinema. Rio de Janeiro, Globo, 1987

- CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995

- MONACO, James. How to read a film; movies, media, multimedia. New York, Oxford University Press, 2000

P.S. Se vocês acabarem profissionais do ramo, voltarão a dar notas. Portanto, não faz mal continuar treinando às escondidas.

De: Fernando Vasconcelos

Como tu tá ficando grosso, rapaz! Gostava de ler as tuas críticas pela riqueza de informação que elas traziam. Mas ultimamente tu tem falado muita besteira. Falar que a Liv Tyler tá gorda é muito baixo nível. Fala sobre os filmes, que é bem mais útil para quem procura crítica de cinema decente. Independente de ser 'filme de arte', ou outro rótulo qualquer, o filme do Kar-wai é uma bela obra, que com delicadeza, apuro visual e dois excelentes atores, consegue criar um universo sensual muito particular para contar (muito bem contado) o pequeno romance entre os dois anônimos e rejeitados amantes na Hong Kong dos 60.

Tudo aquilo já foi feito antes? Bem, acho então que o Kar-wai fez melhor. Quanto à repetição (de músicas, imagens em slow-motion, fumaça de cigarro), no meu modesto conhecimento técnico de cinema, tudo está perfeitamente em harmonia com o roteiro circular e melancólico. E todo o requinte visual do figurino faz uma sutil observação sobre a influência ocidental em Hong Kong. Não acho o filme estiloso. Ele tem estilo, de verdade. E estética pela estética, Amor à Flor da Pele é um oásis visual no meio de tanta vulgaridade que anda sendo exibida pelas telas dos multiplexes da vida.

De: Gerbase

O texto do Fernando terminava com uma paulada no Tolerância, que era apontado como um antípoda do Amor à flor da pele (absoluta verdade, o que, para mim, é um elogio). Cortei, porque o filme já foi suficientemente analisado por aqui. E cortarei o que vier daqui pra frente, sejam pauladas, sejam elogios. Parodiando o bom, velho e cada vez mais engraçado FHC, "esqueçam o que eu filmei". E não se fala mais nisso.

Em relação ao Kar-wai: nada contra os escritores que querem "escrever bem". E nada contra os cineastas que querem "filmar bem". Mas eles não têm uma história para contar? Eles não tem uma narrativa para administrar? Então que o desejo de filmar ou escrever "bem" esteja a serviço da história, e não vice-versa. Do contrário, fica aquela masturbação estética que só leva a um lugar: a chatice.

De: Lucas Sant'Anna

Não estou te escrevendo para falar de a Corrente do Bem já que (felizmente?) saiu de cartaz, mas para concordar com a opinião emitida por Jefferson Karnall, quando disse que o cinema brasileiro é o melhor cinema produzido no mundo atualmente. Como a década de 50 para o cinema italiano ou a de 60 para o francês, estamos assistindo neste final/começo de milênio uma verdadeira revolução na cinematografia mundial, e ela começa no jardim da nossa casa.

(Filmes brasileiros) estão conseguindo o que o cinema atual está buscando desde que aqueles loiros lá do hemisfério norte criaram o tal de dogma 95: uma virada no esquema cinematográfico mundial. O que os dinamarqueses esqueceram é que para revolucionar o cinema é preciso fazê-lo com cinema, e não falo isso por eles usarem o vídeo digital como suporte, mas por sua narrativa e estética se aproximarem mais do vídeo-documentário. O cinema brasileiro atual consegue ser novo, diverso, universal e acima de tudo comunicativo. (...) Atualmente no Brasil, temos vistos filmes bem escritos, bem dirigidos, bem interpretados que mostram como é possível construir uma cinematografia baseada na diversidade. Tenho até medo de usar tal palavra devido ao seu corrente mau uso, mas é verdade. (...) O Brasil é enorme e só agora parece que podemos mostrar para o público que há mais aqui do que nos mostram algumas novelas. Aqui se faz cinema e do bom, para todos os gostos, tamanhos e modelos. Aqui se faz um cinema novo que, ao contrário do anterior, tem mais do que uma idéia na cabeça.

De: Gerbase

O texto do Lucas era um pouco maior e dava exemplos de filmes brasileiros recentes. Um dos citados era Tolerância. Conforme o que acabo de escrever ali em cima, acho que o filme já foi suficientemente discutido neste espaço, e optei por cortar os exemplos. Mas é muito encorajador sentir que o cinema nacional cresce no conceito dos brasileiros e que a bandeira de diversidade estética e geográfica começa a ser empunhada pelo público.

De: Dea.gui

Fiz a besteira de ler a sua crítica do filme "Dr.T etc"! Que decepção! Nem vi o filme e nem vou ver, pois percebi que deve ser uma droga. Mas estou revoltada com seu comentário sobre a Liv Tyler! Quem disse que uma mulher gorda não pode ser "uma mulher atraente, bonita, desejável, confiante em si mesma"? Isso não é nem machismo, é um preconceito horrível! Vc decididamente caiu no meu conceito. Conheço gordas muito sexys, aliás, mais sexys que essas magrelas cheias de ossos que são tão idolatradas no mundo da moda e agora invadem o mundo dos filmes. A Maitê Proença era 1000 vezes mais bonita quando fez Dona Beija, com saudáveis quilinhos a mais. E alguém acha sexy a Calista "Ally McBeal"? Sou mulher, nem gorda, nem magra, ("normal", para vc), mas acho mais fácil ver algo atraente numa gordinha do que numa magricela. Ser gorda(o) não faz do ser humano um ser diferente dos demais.

De: Gerbase

Concordo. Ser gordo não faz um ser humano ser diferente dos demais. Há bilhões de obesos saudáveis no mundo. Os muito obesos (e os muito magros), é claro, estão doentes. Mas este, tenho quase certeza, não é o caso de Liv Tyler. Minha observação, vou dizer mais uma vez, é de alguém que viu surgir, em Beleza roubada, uma nova estrela do cinema, linda, talentosa e com uma personalidade forte. Me apaixonei (semanticamente) por ela. Ela fez comigo o que fazem as grandes estrelas desde os tempos do cinema mundo: proporcionar uma breve visão do céu. O paraíso existe. Está ali na tela. Cinema é mentira. Me engana que eu gosto. Então, quando vi a Liv com aqueles braços fortes, tão comuns e saudáveis, senti saudade daquela outra Liv, a mentira, a ficção, minha Liv diegética, perfeita, intocável pela gordura. É só isso.

De: Bruno Machado

Só queria agradecer ao Reame pela força virtual aí que deu... O link não aparece mesmo, e o preguiçoso é você, Gerbase, que nem se deu ao trabalho de olhar antes de falar!

De: Gerbase

O preguiçoso (eu) pede desculpas outra vez.

De: Ítalo Modesto Dutra

Concordo contigo quando dizes que o diretor fica "enrolando" e brincando de fazer cinema e não conta logo a história. Só que essa brincadeira e a qualidade dos atores que ali estão dão conta do recado. Talvez eu esteja simplesmente cansado de que alguém fique contando histórias pra mim. Talvez a minha opção seja ver cinema bem feito (e isso o cara faz muito bem) e recriar, na minha própria visão, as histórias com os elementos que um filme oferece. Talvez eu queria um pouco mais de trabalho.

Confesso que me diverti ouvindo mil vezes o Nat King Cole cantando as mesmas duas músicas e olhando aquele corpão da Maggie Cheung desfilar com trezentos mil vestidos diferentes. Até mesmo a música "bonitinha" se repetindo não me encheu. Que história sobre um grande amor reprimido eu posso esperar ser contada? É tudo chato, enfadonho e nós (platéia) achando que os personagens deveriam ter feito isso ou aquilo e que, enfim, o final trágico, melancólico ou feliz estava ali pra resolver a nossa vontade de ver alguma coisa resolvida. Antes um espetáculo visual como o que o Wong Kar-wai criou do que uma história de amor mal resolvido (mesmo que bem contada).

De: Gerbase

Eu também adoro filmes que me dão trabalho. Tentei trabalhar no filme de Kar-wai. Tentei ver o que estava atrás da história. Tentei fazer minha própria história. Tentei de tudo para ver no filme o "espetáculo visual" a que você se refere. Não consegui. Talvez eu pareça muito careta para muitos leitores, exigindo sempre "histórias", mas garanto que meu conceito de "história" é bem amplo. Eu me emociono, por exemplo, com as histórias dos filmes de Eric Rohmer e admito que ali não acontece nada, ou acontece muito menos que em Amor à flor da pele. Mas sabe o que Rohmer faz? Ele assume que nada acontece, em vez de ficar mudando de figurino de cinco em cinco minutos. Amor à flor da pele é filme para publicitário rico e entediado que sonha em fazer cinema.

De: Mariana Rodrigues

Pela primeira vez não consegui apenas ler a sua coluna e ficar quieta. Assisti ao filme Amor a flor da pele duas vezes, o que já mostra que não fiquei cansada em nenhum momento. Bom, não concordo com você em várias as coisas que escreveu, pode ser pelo simples fato da diferença de idade, tenho 22. Não vivi os anos 60, nem por isso não tenho curiosidade de saber o que foi feito na época, para falar a verdade, tenho muito interesse. Mas, vamos ao filme, eu, não tendo essas referências, foi uma novidade maravilhosa ter assistido ao filme, pra mim o fato dele acender o cigarro, ela de trocar de roupa e aquela música ser tocada repetidamente, são características que deixaram o filme mais interessante. A história de não aparecer os respectivos companheiros é algo que deu mais espaço para aquela relação do casal principal que nunca acontece. O que poderia ser mais criativo, aquele amor realmente à flor da pele, mas que para muitos a idéia dos dois não acabarem juntos não chega nem a passar pela cabeça... isto pra mim é cinema, isto é arte!

De: Gerbas

Tudo bem, isto pode ser cinema, isto pode ser arte. Mas trocar de roupa e acender cigarros não é arte. Alguém aí notou que, por mais que gente discuta esse filme, continuamos falando dos cigarros acesos e dos figurinos trocados? Que ninguém analisou os personagens, seus dramas íntimos, seus sonhos, seus medos? Isto pode até ser arte, mas é arte sobre roupas e cigarros. Tô fora dessa.

De: SH (Keli)

Enquanto não-cinéfila, gostaria de fazer algumas observações. Gosto se discute, sim, e você tem todo o direito de expressar o seu, mas penso que o papel do crítico deva, também, ser o de incentivar um público cinematográfico ocasional para que cada vez mais ele conheça um cinema que vai além e na contramão da produção de enlatados (alguns até bastante digeríveis, sim). Não vou nem discutir aqui a beleza pictórica flagrante de Amor à Flor da Pele (que obviamente não chega aos pés de um Akira Kurosawa, que além de excelente diretor tinha o mérito de ser, também, um artista plástico), e sua narrativa implícita, que exige um olhar onírico e destituído de (pre)conceitos ao cinema/arte.

Tomo por minhas as palavras de Hauser, quando ele diz que o problema da apreciação da arte (incluindo aqui o cinema) não consiste em confiná-la ao horizonte atual das grandes massas, mas em ampliar o horizonte das massas tanto quanto possível. Se por um lado Kar-wai chega a "irritar" alguns espectadores (e ele conseguiu fazer isso com você) através de uma narrativa arrastada como um bolero, por outro penso ser importante destacar mais as qualidades do filme, enquanto produção cinematográfica, mesmo que você não tenha gostado da história que você não viu, porque ela estava ali, inclusive foi contada para uma árvore/parede(?) ao final pelo protagonista, numa cena desesperadamente linda e poética.

Cinema é uma coisa incrível mesmo, mágica, e se entramos naquela sala em outra batida, ou seja, an passant, apressados ou preocupados com o que vamos fazer ou deixar de fazer, não há interatividade. Há filmes que tem o poder de prender o espectador de tal forma que quando ele vê, já está mergulhado na trama, há outros (mais difíceis, talvez) em que o espectador tem que estar com a mente e o coração abertos e se deixar seduzir. Repito, vc tem o direito total e absoluto de não gostar de determinada produção, mas saber reconhecer (você fez isso de uma forma bastante econômica e tímida) e apontar mais qualidades do que as que foram citadas "rapidinho". Quer você goste ou não, você é um formador de opinião, e da forma como foi colocado, você desestimula o espectador não acostumado a esse estilo de cinema ao finalizar com: "Tenho mais o que fazer". Não estou cobrando um didatismo bobo e infrutífero, mas uma preocupação que vai além. "O caminho para uma apreciação autêntica da arte passa pela educação. Não a simplificação violenta da arte, mas o treinamento da capacidade de julgamento estético é o meio pelo qual se pode impedir a constante monopolização da arte por uma pequena minoria". (História Social da Arte e da Literatura - A Era do Cinema/ Arnold Hauser).

Algumas breves observações sobre o troca-troca de figurino da protagonista. Há algumas possíveis leituras: ao trocar freneticamente de roupa, a protagonista tenta trocar algo que está incomodando em sua vida e que ela, por imposição social ou covardia, não consegue mudar na prática. Sempre altiva e elegante (o que foi observado pela vizinha mais velha), ela mantém, através do figurino, pelo menos algo sob controle, já que o seu casamento vai de mal a pior. Tenho a impressão, e não a certeza, de que o par de chinelos rosa que a protagonista coloca é o da mulher de seu amigo/amante, quando ela fica "presa" no quarto dele, uma forma simbólica de tomar o lugar da esposa oficial, afinal, o chinelo era da outra. E se foi apenas uma atitude voyerista de Kar-wai, por si só, já é digna de ser observada.

Uma outra leitura possível, ainda no que se refere ao figurino mutante: mais do que um exercício histérico do diretor, seria uma preocupação em retratar um hábito da década, quando os modelos mudavam tão depressa quanto um piscar de olhos; quando as mulheres, praticamente iniciando a sua inserção no mercado de trabalho, tinham mais tempo para variar de figurino a cada dia. No auge dos 60 havia uma corrida frenética para comprar o último look, característico de uma tendência de transição do período. Assim como a mudança no mundo inteiro era conseqüência de uma incerteza geral quanto ao futuro e um desejo de se rebelar, individual e coletivamente. Não podemos deixar de observar, então, que temos como cenário, uma Hong Kong não muito diferente do resto do planeta, e que passava por momentos politicamente imprecisos, já que a Revolução Cultural chinesa estimulava a China a retomá-la da Inglaterra. (...)

De: Gerbase

Eu gostei tanto do seu texto que resolvi interpretar o pedido de não-publicação das "observações" como relativo apenas aos último parágrafo, que foi cortado. Você tem toda razão quando nota o caráter inevitavelmente didático da crítica (cinematográfica, musical, literária, etc.). Hauser está absolutamente certo. Fico irritado quando leio certo tipo de crítica irresponsável, que destrói filmes em meio parágrafo, sem dar qualquer justificativa, mas temo que também já tenha cometido esse tipo de atrocidade. Às vezes é muito tentador. E às vezes o filme merece a atrocidade.

Quando comecei a escrever sobre cinema aqui no Terra, minha idéia era fazer textos com muita opinião e quase nenhuma informação, porque achava (e ainda acho) que "notícias" sobre filmes, nestes dias de internet, desabam sobre a cabeça das pessoas. Se alguém quer saber quais foram os filmes anteriores do diretor, ou a atual namorada do protagonista, que faça uma pesquisa rápida no IMDB ou no próprio Terra. Eu ficaria com a minha opinião "pura" sobre a obra. É claro que eu descobri rapidamente que isso não existe, que a tradição e os cânones têm um peso decisivo sobre nossa maneira de ver um filme e, principalmente, que eu precisava dialogar com a História. O estruturalismo radical da década de 60 foi importante, mas está morto. Viva os novos estruturalismos, as novas teorias, as novas maneiras de pensar a crítica.

Voltando ao nosso pão com banha, não retiro uma palavra do que escrevi sobre o filme Amor à flor da pele. Mas, depois de ler suas observações, posso, sem dúvida alguma, compreender melhor as intenções do autor. Kar-wai dedicou tanto esforço aos figurinos da protagonista porque estes representariam o seu esforço para ser respeitada no trabalho e desejada pelo amante. E ainda temos a troca do chinelo cor de rosa. Tá certo. Caiu a ficha. Contudo, tem uma coisa que sempre me incomoda nesses símbolos "cult": parece que eles foram colocados pela mão do diretor. Ficam artificiais. Quando o símbolo (intensa troca de figurinos) fica num pedestal mais alto que a história (relação da personagem com seu chefe e com seu amante), é inevitável que artificialismo contamine a narrativa. É só isso. E até mais.

Amor à Flor da Pele (França/ Hong Kong, 2000). De Wong Kar-Wai

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