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ARMAGEDDON
A reengenharia da morte

RAPIDINHO

A terra vai acabar (de novo). Nosso algoz é um asteróide (de novo). Estamos na mão de um grupo de heróis idiotas (de novo). Enquanto eles lutam lá em cima, seus parentes e amigos sofrem e choram aqui em baixo (de novo). Alguns milhares de humanos que têm azar de ser apenas figurantes morrem no meio do filme (de novo). Um ou dois dos protagonistas têm a sorte de morrer no fim, para salvar a humanidade e assim permitir que Hollywood continue cometendo esses desastres (de novo, e para todo o sempre, até que a terra acabe, de novo, mas agora de verdade, Amém).

AGORA COM MAIS CALMA

Li que o diretor Michael Bay tinha conseguido fazer de Armageddon um filme mais divertido que o sonolento Impacto Fulminante, que já fulminei aqui no ZAZ. Realmente é mais divertido. Meio por cento mais divertido. Os efeitos também são meio por cento melhores. Os táxis que voam voam um pouco mais alto. As explosões explodem um pouco mais bonito. Os atores atuam um pouco menos desastradamente. Mas, no final das contas (e olha que é duro chegar no final das contas, ou seja, do filme) o que é meio por cento a mais de qualidade num parque de diversões em que o brinquedo mais emocionante é um carrossel de cavalinhos desbotados?


Liv Tyler: bomba de chocolate

Assim como em Impacto Profundo, o problema não está no elenco. Bruce Willis já deu mostras de ser um ator razoável. Steve Buscemi é um grande ator. Liv Tyler é uma atriz limitada, mas de uma sensualidade explosiva. Ela é, digamos, uma bomba de chocolate perdida numa salada de rúcula. O problema de Armageddon, além do fato de ter sido feito, é que foi mal feito.

Eu sei que, a exemplo do que fizeram em relação ao meu comentário de Impacto Profundo, alguns leitores do ZAZ dirão que não posso menosprezar os milhões de dólares gastos nos efeitos especiais e os milhões de espectadores do filme no mundo inteiro. Pois bem, vou repetir, desta vez com maiúsculas: eu DESPREZO os milhões de dólares gastos nessas explosões sem graça; e NÃO DESPREZO os espectadores (até porque estou entre eles). Simplesmente afirmo que vimos (de novo) um filme ruim, chato, americanófilo e que defende a indústria de armamentos.

Numa das cenas de Armageddon, o personagem de Steve Buscemi, já no asteróide, senta em cima de uma bomba atômica e lembra explicitamente do Dr.Fantástico, de Stanley Kubrick. E ainda completa: "Gosto de sentir esse poder no meio das pernas". Citação imbecil, mentirosa e mal-intencionada.

A obra-prima de Kubrick é um filme anti-guerra, anti-violência, em que um militar maluco resolve detonar a terceira guerra mundial. A bobagem-prima de Michael Bay, na cena que anuncia a partida da equipe de salvadores, diz, entre outras coisas, que eles usarão as mais modernas tecnologias que a humanidade conhece, INCLUSIVE AQUELAS QUE FORAM DESENVOLVIDAS NAS GUERRAS MAIS RECENTES.

E aí, caros amigos do ZAZ, cai a máscara do filme "de aventura", do filme "para divertir", do filme "produto sem compromissos da indústria audiovisual" e vemos a verdadeira face de Armageddon: um filme que esconde, entre seus milhões de efeitos especiais, os interesses da indústria da morte.

Milhares de seres humanos morrem de verdade, todos os anos, vítimas de armas moderníssimas. Armas que, segundo Armageddon, um dia vão nos salvar de um asteróide. Hollywood continua a nos enrolar, como sempre enrolou, nos ameaçando com todo o tipo de mortes ficionais, enquanto a morte real continua dando lucros fantásticos para seus fabricantes. Este parece ser nosso destino: a globalização audiovisual em nome da reengenharia da morte. Quem viver, infelizmente, verá. E quem morrer não morrerá por culpa de um asteróide.

Armageddon (Armageddon, EUA, 1998, 150min). De Michael Bay. Com Bruce Willis, Billy Bob Thornton, Liv Tyler, Ben Affleck, Will Patton , Steve Buscemi e outros.

Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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