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DÊ
SUA OPINIÃO (OU CALE-SE PARA SEMPRE)
Filme: Billy Elliot
De: Cássio Pereira
Ultimamente, por estar estudando e trabalhando com cinema, me angustia o vício de ficar decupando todo filme que assisto, involuntariamente. Poucos são os filmes capazes de desarmar-me, fazendo meu lado espectador sobrepor a meu lado pretenso-diretor. Durante a projeção, Billy Elliot nocauteou o pretenso-diretor e magicamente voltei a ser o espectador inocente de cinco anos atrás. Fiquei alegre, depois triste, torci, chorei. Em meio a tanta coisa ruim nos multiplex da vida, um filme como Billy Elliot vem para justificar o ritual do ir ao cinema e o porquê do fazer cinema. Em entrevista na TV, Cacá Diegues confessou que ele faz cinema para ser amado. Quando ele disse isso, tudo ficou muito claro para mim (acho que vou economizar uns trocados da terapia). O roteirista, o diretor e toda a equipe de Billy Elliot merecem ser amados por nos ter proporcionado esta estória contada em filme. Billy Elliot é cinema verdadeiro. Talvez uma rara experiência do sublime.
De: Gerbase
É. Esse nocaute sempre acontece quando o filme é poderoso. Por mais que a gente domine, teoricamente, os segredos e os truques do cinema, um bom filme nos reconduz à condição de crianças deslumbradas. Queremos ver a planta do roteiro, os arames trançados da narrativa, o concreto da estrutura dramática, mas, de repente, estamos vendo homens e mulheres mais reais e verdadeiros que nós mesmos, envolvidos numa história emocionante. É o sublime eternizado em imagens em movimento com som sincronizado. É o cinema. Maravilhosamente falso e absolutamente verdadeiro.
De: Flávia Aix
Hi.. Ei, o que aconteceu? Finalmente vc gostou de algum filme? Mas assim nao tem graça, pq ai eu nao tenho o que "discutir" com vc, ja que partilhamos da mesma opinião de que o filme eh mto bom. Mas me diga uma coisa: por que saiu de cartaz tão rapido? Nao teve muito sucesso? Ei, e parabéns, nao sei como vc conseguiu responder tao calmamente ao e-mail do Koblitz! Eu ja teria xingado ele de tudo quanto eh nome!
De: Gerbase
Aqui em Porto Alegre ainda está em cartaz, em um cinema apenas, mas com excelente resposta de público. Sabe qual é o problema? Ele tem apenas um elenco talentoso, homogêneo e adequado, em vez de um "grande nome", capaz de atrair ao "grande público". Que coisa mais jeca, não? Quanto ao Koblitz, continua a polêmica. Lê lá em baixo.
De: Alexandre
Primeiramente, deixo aqui um "mea culpa" pela sugestão-cobrança de outro dia, quanto aos filmes não hollywoodianos. É que só fui ler o histórico de colunas depois de mandar a mensagem e aí vi os filmes que você citou na sua resposta (foi com grande prazer que li a resenha sobre "O Jantar", uma das obras mais maravilhosas com que já tive contato).
Quanto ao "Billy Elliot", achei um filmaço, principalmente pela trilha sonora, como você salientou. Ao ler o seu comentário, entretanto, me peguei pensando acerca do exercício da crítica de cinema. É o seguinte: você fala do conflito entre a sensibilidade latente de Billy e a grosseria enraizada de seu pai e seu irmão como o matiz de um grande roteiro. Desse conflito resulta a transformação de cada um dos três personagens – sobretudo o do pai. Assim, você se centrou numa esfera mais restrita, mais pessoal trazida pelo filme. Por outro lado, o crítico da sacrossanta "Folha de S.Paulo" (cujos comentários geralmente são sensatos, na minha opinião) marretou o filme sem dó, partindo justamente desse conflito (sensibilidade x grosseria) para afirmar que o roteiro quis tão somente retratar, de forma preconceituosa, o proletariado como uma classe condenada à rudeza e à cegueira cultural, de forma geral, e ao preconceito contra jovens do sexo masculino que tenham uma sensibilidade mais apurada, no caso do filme, em particular.
Ou seja: numa região povoada por um bando de mineiros broncos, a existência de um garoto que se dedica ao balé clássico é apenas uma exceção que confirma a regra. Segundo ele, o filme é injusto e mentiroso ao traçar os trabalhadores como seres irremediavelmente fechados a qualquer forma de expressão artística. A mudança de visão do pai de Billy não teria sido suficiente para um perfil diverso, uma vez que ela teria sido "repentina" demais, não sendo, por isso, convincente. Enfim, o filme seria apenas uma forma de reviver o tempo em que a Margareth Thatcher "quebrou a espinha do sindicalismo inglês".
Tudo bem, é uma opinião. O problema é que neste caso ficou claro que as idéias do crítico quanto à política e sociedade contaminaram demais sua abordagem. Notava-se em seu texto uma certa raiva pelo filme e pela estória nele desenvolvida. Daí me pergunto: isso é algo inevitável? É óbvio que qualquer objeto de observação estará impregnado pelos conceitos anteriores do observador, mas qual é o limite para isso (se é que há algum) em se tratando da crítica de cinema? Existe alguma isenção possível?
De: Gerbase
Questão complicada e deliciosa. Existem limites para a leitura de um "texto" (seja ele verbal ou audiovisual). Eco escreveu um excelente livro específico sobre isso, "Os limites da interpretação". Mas dentro dos limites, que são bastante amplos, cada crítico vê a obra de um jeito. Não li a crítica da Folha de S.Paulo, mas, pela sua descrição, me parece que aconteceu um erro clássico na análise de um filme: pedir que ele seja uma coisa que não é. Billy Elliot não é um filme explicitamente político, nem tem como objetivo analisar a era Tatcher. Billy Elliot é um filme intimista sobre um garoto que está decidindo o que vai ser na vida e sobre como, nestas decisões, as relações familiares são fundamentais. A mulher mais importante em quadro (ou fora dele) não é Tatcher, nem a professora de balé, nem a garota que oferece uma visão de seu órgãos sexual. A mulher mais importante é a mãe ausente. Ver a brutalidade do pai e do irmão como um preconceito, como uma visão redutora da sensibilidade da classe proletária, é, isto sim, uma visão redutora do filme. A transformação do pai não é repentina demais. Ele já tinha discutido com o filho mais velho sobre a radicalização do conflito (a cena do martelo). Ele já tinha demonstrado que amava, e muito, o filho caçula. Faltava um momento decisivo (Billy dançando) para derrubar sua fachada de machão. A história não tem apenas lentas progressões lógicas. Tem, e aqui é o caso, terremotos inesperados, cujas causas são igualmente lógicas, mas estão debaixo do solo. Como você pode ver, não há crítica isenta. Eu acabo de escrever contra uma crítica que nem li, apenas porque preciso defender um filme de que gostei muito. Isso, sim, beira a irracionalidade.
De: Alethe
Gostei muito de sua critica, ou melhor, de seu jeito de criticar... É a primeira vez que entro na "seção cinema" do Terra, a primeira vez que leio uma critica sua, e posso dizer - assim - que foi gostoso! Ainda mais porque foi sobre Billy Elliot. Que filme lindo! Quanta emoção! (Deve ser um porre ler estas mensagens piegas das suas criticas, mas sou assim mesmo - melosa! exagerada! dramática! - ... e adoro falar) Bom, sei que não disse quase nada... ou tudo, mas deu pra você entender, né?!
De: Gerbase
Espero que você continue lendo. Verá que nem sempre encontrará textos tão positivos. Mas tento ser sincero. Quando não gosto do filme, detono mesmo. E, às vezes, como você, é impossível não ser passional.
De: Bruno Machado
Só pra você não se sentir muito só, te digo que também caí no conto do vigário do pai da lombriguinha paltrow.... meu veredicto: não me arrependi. O filme é de um amadorismo tão grande, os diálogos são tão constrangedores, o roteiro sofrível, as atuações tão desastrosas que não tem como não passar mal de rir. É um filme estúpido que não ofende na sua estupidez, diferente de um Gladiador, por exemplo... já ouvi falar que o que é ruim demais também atrai? É por aí... No mais é esperar o grande Paul Thomas Anderson nos surpreender de novo. Ah, só mais outra coisa... como Gladiador não ganhou oscar de melhor diretor, nem de melhor roteiro, só de melhor filme, isso quer dizer que o filme caiu no mundo de pára-quedas?
De: Gerbase
Sim. Pena que o pára-quedas abriu.
De: Onyxmr
Vi este filme em uma pré-estréia, sozinho, meio na fossa por ter terminado uma relação de três anos, e saí do cinema emocionado, rindo sozinho (pra não chorar na frente dos outros). Como é bom derramar lágrimas sinceras, se deixar emocionar por uma história bem contada, interpretada e sem armadilhas. Concordo contigo - ao contrário de muitos críticos - sobre a ausência de clichês no filme. Segue realmente uma narrativa linear, mas de uma forma sincera e original. Além disso, é um filme que mistura emoção e humor em doses exatas. Vi poucos filmes com esta coragem de contar a história de um garoto que assume sua sensibilidade num ambiente tão hostil. Os filmes ingleses, diga-se de passagem, tem esse mérito. Outro filme inglês corajoso neste aspecto é "Beautiful Thing", que alías guarda muitas semelhanças com Billy Elliot em sua história e na forma em que desenvolve a narrativa. Para mim, são pequenas obras-primas. Concordo contigo que o final seria até dispensável e é realmente uma injustiça não vermos o Billy "original" na cena final. Depois de passarmos quase duas horas de filme cúmplices do garoto Billy, estranhamos aquele "Billy" adulto no último suspiro do filme. Mas quer saber de uma coisa: "fuck off!". O filme é extraordinário de qq forma!
De: Gerbase
Emoção e humor são mesmo ingredientes difíceis de mixar. Este é um dos grandes méritos do filme: misturar cenas engraçadas, e até bem movimentadas (como as da greve), com momentos intimistas.
De: Rodrigo Guerra
Gostaria de chamar-lhe a atenção para o fato de que eu, e muitos além de mim, utilizam as críticas com guia de referencia para a próxima sessão de cinema. Desta maneira, POR FAVOR, evite contar detalhes principalmente do final dos filmes. Corta completamente o tesão. Não vou conseguir assistir Billy Elliot com o mesmo entusiasmo por que você me fez o favor de contar o final feliz do filme. Me ajude, Cara! No mais as críticas continuam ótimas.
Só para constar, é horrível ver um filme como GLADIADOR ganhar o Oscar. Aquele moral "Rambo" de "eu não mato por que quero e sim por que sou obrigado" é ridícula, hipócrita e a cara de hollywood.
De: Gerbase
Desculpe. Mas, no caso, era um final depois do final. E não se trata de um filme policial ou de suspense, com uma grande revelação, que amarra toda a trama. Creio que, em dramas intimistas como este Billy Elliot, o entusiasmo do espectador não depende quase nada do final.
De: Ademar Junior
Concordo plenamente com você. "Billy Elliot" já é um dos melhores filmes do ano. E esse garoto - Jamie Bell - é muito bom. Garry Lewis - o pai - e Jean Heywood - a avó - também estão fantásticos. Ele defende tão bem seu personagem que - em nenhum momento - pensei que o pai fosse entender os sonhos do filho. Sua transformação é - sem dúvida - o ponto alto do filme. E Heywood faz uma avó tão gracinha, engraçada na sua caduquice e encantadora na sua lucidez, que é impossível não se apaixonar por aquela velhinha. Apropriada também a escolha do "Cisne Negro" para o balé de estréia do Billy. Afinal, ele descobrira bem cedo que não era um patinho feio.
De: Daniel Kasai
Lendo sua coluna sobre o filme "Billy Elliot" não pude deixar de concordar com praticamente tudo o que foi escrito. Apenas duas observações:
1- Acho que o garoto Jamie Bell deveria ter recebido maior destaque, pois sua atuação é realmente impressionante e é ele quem segura a maior parte do filme.
2- Não acho que venha a ser um dos melhores filmes do ano, e tento explicar por quê.
O roteiro à primeira vista é bem interessante. Uma história relativamente simples se mostra bastante envolvente; não há como não se emocionar com a história do pequeno Billy. Minha crítica no entanto, é sobre como se desenrola esse conflito, do filho com o pai, da criança com o adulto, da liberdade de expressão com os conceitos enraizados. No filme, a mudança de atitude do pai é repentina, imediata, quase inexplicável. Uma pequena amostra do potencial do filho numa noite qualquer seria suficiente para esmagar uma vida inteira de estereótipos sexuais e ainda sepultar a tradição de vê-lo usando as luvas do avô? Não há amor paterno que resista a um choque tão abrupto de valores. Nesse ponto, o filme já declara o seu final. A idéia inicial, tão original e encantadora, se desfaz aqui, de maneira simplória. Na minha opinião poderia ser muito melhor aproveitada se ilustrasse a luta de Billy e o processo de aceitação (ou não) do pai e do irmão. O que acontece depois que os três se entendem é bastante previsível e menos importante.
Um último comentário. A professora de dança, interpretada por Julie Walters, teve sua importância diminuída no final, não? Fiquei sem entender a intenção do diretor/roterista. Talvez por uma ponta de orgulho ou ressentimento (afinal ela havia feito o teste muitos anos antes e não havia passado/ ela poderia ter levado Billy, mas o pai quis fazê-lo), mas não parecia ser característico seu. Ou ela poderia já estar com seu dever cumprido e só isso já fosse suficiente...
De: Gerbase
Vocês têm razão: não dei o destaque merecido para um grande ator. Esse Jamie Bell é uma revelação fantástica. Mas todo o elenco, sem exceções, é maravilhoso. Nesses casos, quase sempre, o grande responsável é o diretor, que escolheu bem, ensaiou muito e, na hora de filmar, extraiu tudo que os atores tinham para oferecer. Em relação à professora de dança: ela cumpriu o seu papel, dando força para Billy num momento delicado. Mas só seria protagonista da história se houvesse um conflito insuperável entre Billy e seu pai. Como este resolve mudar e apoiar Billy, é inevitável que ela seja eclipsada.
De: José Ricardo
Com certeza, Billy Elliot é um pequeno grande filme. Despretensioso, mas muito objetivo o filme emociona e faz pensar no velho mote de que "os sonhos podem se tornar realidade" de uma maneira adulta, sem ser piegas, como é comum no cinema americano. O personagem título é de uma firmeza inabalável em suas atitudes, mas ao mesmo tempo demonstra consciência e muito carinho por todos que estão a sua volta. No entanto discordo de sua apreciação, Gerbase, quando diz que Billy é um garoto heterossexual. O filme é bem sutil em mostrar este dilema, talvez por não querer entrar no óbvio demais. Há uma cena específica, onde a garotinha (filha da professora) pergunta se ele quer ver a "periquita dela" e Billy responde: "eu acho que não". Para mim, esta é uma dica de que Billy não tinha preferência por mulheres, mas este fato não era relevante para a proposta do filme que é de enaltecer as relações humanas, as escolhas e opções na vida. O fato de Billy ser ou não ser homossexual não importa. Toda sua trajetória é reconhecida pelos que estão a sua volta (pai brucutu, irmão militante, professora infeliz, amiguinho afetado, e até a avó doente) e consequentemente transformada pela possibilidade de acreditar em suas capacidades. O choro do pai no final do filme é de apertar a garganta e ficamos felizes pela arte do cinema nos fazer acreditar que podemos encontrar um Billy Elliot dentro de nós.
P.S. Quanto a tradução também concordo. Um lixo, Mas o pior que já vi foi em Portugal. Num filme de guerra do Vietnã o personagem principal grita: FUCK YOU, MAN e traduziram como: NÃO PERTURBES, Ó, PÁ. ...É dose!
De: Gerbase
Nessa questão de hetero ou homossexual, estou cada vez mais convencido que os rótulos são insuficientes, para não dizer que são inúteis. E o mais importante: esses rótulos não são sérios, nem cientifica, nem sociologicamante. São construções históricas, que, o mais das vezes, servem para estigmatizar e criar preconceito. Se Billy diz que quer ver a pererece é "hetero"? Se diz que não, é "homo"? Por quê? Talvez ele simplesmente não esteja com vontade de decidir qualquer coisa sobre as suas preferências sexuais naquele momento. Se ele fosse "mais homo que hetero", certamente teria aceito o assédio de seu amigo. Mas ele se mantém distante da questão. Recusa o rótulo. Billy talvez tenha uma sexualidade complexa, o que não é pouco comum.
De: Luís Henrique
Só agora li a crítica à traffic. E tenho alguns comentários. Cara, que bobagem essa de usar Morin para fazer a crítica do filme? Complexidade, auto-eco-organização, princípio hologramático, anéis retroativo e recursivo? Sempre me perguntei: afinal, para que serve isso? Você me ajudou a identificar mais um lugar onde estes conceitos não são úteis: a crítica a um filme. Muitos "moderninhos" entre os leitores parecem ter adorado o Morin. Em termos de papo empolado e inútil, ele me parece quase insuperável. Sugiro que você leia "Os estabelecidos e os outsiders", de Nobert Elias, e talvez ganhe melhor munição teórica para a próxima vez. De todo modo, prefiro quando entra em ação o Gerbase cinéfilo, deixando de lado o filósofo.
Acho que o Soderbergh não leu Morin. Felizmente. Traffic é bom e nunca quis saber de complexidade e outros bichos. Tentar escapar de algum modo do maniqueísmo óbvio e abordar um tema a partir de vários aspectos da problemática não me parece dever nada à noção de complexidade do Morin. Mesmo pq, na minha opinião, não vi a intenção de traçar um quadro "complexo" da questão do tráfico de drogas. O diferencial do filme é a montagem e não os elementos envolvidos na história. E esta montagem, como entendi o filme, vai de encontro a uma fútil tentativa de estabelecer "complexidade". Ela revela justamente como somos incapazes de moldar nossa atuação a partir de uma visão "complexa".
Quando agimos, estamos claro respondendo a estímulos sociais mais amplos, que nos tocam de maneira específica, mas também a uma lógica/racionalidade e a interesses bem individuais. E, por favor, não interprete como individualistas. Creio que Soderbergh quis dizer justamente que, ainda que interligadas num nível mais abstrato, cada uma das histórias tem sua lógica própria, sua racionalidade particular, seu sentido muito específico e contextual. Colocar todos estes elementos num mesmo fio narrativo seria, assim, uma "totalização" exterior (depois de vivida) da realidade. Se para governos, agências multilaterais e "complexos" tem sentido esta totalidade, para os indivíduos e suas ações, o sentido é muito mais imediato e limitado. Não estão faltando pedaços em traffic. Não estão faltando interrelações em traffic.
Quanto ao filme em si, achei a fotografia muito bem articulada com a estratégia do filme. Percebemos a montagem do filme de modo sensorial. E, assim como P. T. Anderson, em magnólia (que, para mim, pode ser analisado da mesma perspectiva que traffic), Soderbergh avança no que eu posso chamar de montagem multilinear. E não são os únicos. Há, mesmo, uma tendência aqui. As histórias começam e terminam (bem, ou pelo menos estabelecem um sentido do processo, já que estes filmes parecem nos falar de histórias contínuas, que não se acabam porque a vida ainda não acabou), como recomenda num sei quem em Alice..., mas a gente tem a oportunidade de acompanhar várias histórias ao mesmo tempo.
Finalmente, um problema ético: o todo só é maior que a soma das partes para aqueles que não são partes do todo. Para quem faz parte deste todo, o que importa mesmo é seu encaminhamento parcial do processo. E isso se dá mesmo, na prática, de modo meio inconsciente do todo.
De: Gerbase
Este é um belo debate. O fato da maioria das práticas individuais serem inconscientes (concordo com você, e acho que Morin também concordaria), não implica numa inviabilização da leitura consciente do todo. Traffic (também concordo com você) tenta dar sentido para cada uma das histórias, só que elas são muitas e (aqui discordo de você), individualmente, pouco significam. Por isso usei Morin. Para tentar resumir o que penso do filme a partir de um pensador que já trabalhou bastante com a complexidade do mundo contemporâneo. Você escreve que "em termos de papo empolado e inútil, ele me parece quase insuperável." Não sei que obras de Morin você leu, mas, sinceramente, chamá-lo de "empolado" é um injustiça. Empolados são Lacan e Derrida. Às vezes, também o Foucault. Empolados e muito importantes. Os textos de Morin, pelo contrário, costumam ser simples e perfeitamente compreensíveis para um leitor não-acadêmico. E ele está distante anos-luz dos moderninhos de plantão. Vou atrás de Nobert Elias. Só não me chama de filósofo, por favor.
De: Fernando Nonohay
Gostei muito da tua crítica e concordo contigo no que diz respeito à tradução de filmes brasileiros. Apesar de ter visto Billy Elliot aqui na Inglaterra, obviamente sem legenda, consigo imaginar os inúmeros erros de tradução que foram cometidos na versão brasileira. Porém não pude deixar de notar um erro também no teu texto. "Fuck off" é escrito com dois efes ("off" é um advérbio de tempo/lugar), e não com um efe só ("of" é uma preposição). Esta expressão é usada quando você quer que uma pessoa vá embora, te deixe sozinho. É uma expressão um tanto difícil de ser traduzida, pois "vá embora!", ou "não enche!" como foi usado no filme, apesar de significarem a mesma coisa que a expressão original, não são tão ofensivas, pois não são formadas por nenhum palavrão (como "Fuck" em "Fuck off"). Talvez o que mais se aproximasse do significado e conotação do original seria "vá à merda!".
De: Gerbase
Tá certo, Fernando. Esqueci um "f". Meu inglês é amador, até nos palavrões.
De: Fabricio Kichalowsky
É sempre um prazer ler tua coluna, mesmo que a gente nem sempre concorde nas opiniões. É o caso do Crouching Tiger, Hidden Dragon, por exemplo. Mas não é sobre ele que quero falar. Acabei de ler tua crítica sobre o Billy Elliot, que pude assistir anteontem. Concordamos absolutamente: é uma pequena obra-prima.
De cara o que mais me chamou a atenção foi a direção. Simples, sem maneirismos e ao mesmo tempo tão bela qto a atuação de Jamie Bell. Que espanto! O modo como ele dança e expressa seus sentimentos, seja num olhar ou mesmo na excepcional cena frente a frente com seu pai é de emocionar qquer um.
A seqüência de abertura é das mais belas que vi, mas discordo contigo sobre o final: achei muito legal terminar o filme com Billy já "homem feito" (como diria minha vó), naquele salto. Com certeza, está entre os melhores filmes do ano (pena que a Academia não pense assim).
De: Gerbase
Não acho ruim o final. Acho apenas que, num filme tão bem estruturado, que consegue lidar com altas doses de emoção sem ser piegas, o Billy "homem feito" é uma concessão dispensável ao público, que já teve sua dose suficiente de catarse com a vitória de Billy no teste.
De: Ivan Luiz Bento
Gerba, também achei muito bom o Billy Elliot, além do que aquela sonzeira me fez relembrar velhos tempos, sem saudosismo. Quanto às legendas, é um caso sério mesmo. Às vezes quase conseguem enterrar uma boa cena. Lembrei da menina falando pra ele "Se você quiser eu mostro a minha perereca." Perereca é de chorar.
De: Gerbase
Essa tradução eu até achei razoável. Na verdade, não lembro que palavra a menina falou em inglês. Claro, se foi "pussy", ou algo parecido, tá errado. Nas traduções, a perereca da vizinha sempre tá presa na gaiola.
De: André Alves
Realmente "Billy Eliot" é um filme brilhante. Consegue ser sensível sem ser piegas. É hábil para contar a velha estória da superação dos desafios e busca dos nossos sonhos através de perspectivas novas e variadas. E, além disso, a partir desta trilha simples, é capaz de enriquecer-se agregando sentimentos e conflitos que são universais.
Méritos também para o trabalho de seleção e direção artística do garoto (não sei seu nome...). Ouvi que ele não sabia nada de dança quando foi escolhido, mas o rapaz parece um dançarino nato. Admirável. O pai também faz um trabalho tocante e aquela menininha, filha da bailarina, é hilária.
Foi engraçado ler na Veja a crítica taxando o filme de melodrama sentimentalóide, projetado milimetricamente para fazer chorar. Tudo bem, nada contra a diversidade de opiniões... Mas como desconsiderar a diversidade e riqueza dos temas envolvidos no filme? Típico do pior tipo de imprensa: simplista, reducionista e dona-da-verdade.
Agora um pedido - eu sei que você já citou várias vezes, mas daria pra repetir o nome daquele livro sobre técnicas para escrever roteiros? Juro que anoto desta vez...
De: Gerbase
Não leio as críticas da Veja porque esta revista, que já teve bons momentos na história do jornalismo brasileiro, hoje não tem credibilidade suficiente para criticar um sabonete. Sugestões de livros sobre roteiro em língua portuguesa: Manual do Roteiro, de Syd Field; O Roteiro de Cinema, de Michel Chion; Teoria e Prática do Roteiro, de David Howard e Edward Mabley.
De: Luiz Simeao
"Uma pequena obra-prima" é um pouco de exagero, não acha? Um bom filme, um pouco acima da média, só (o que já é um grande feito atualmente). Eu gostaria de comentar é que a trama que (supostamente) seria secundária, como um pano de fundo, que é a greve dos mineiros e a relação do pai com o filho mais velho me parece muito melhor, com mais tensão e dramaticidade do que o a trama "principal". Desde o começo todo mundo sabia o que ia acontecer: garoto descobre o balé, apesar das dificuldades segue praticando e no final é aprovado para a escola e vence como bailarino. Acho que a trama "secundária" daria um filme bem melhor do que esse.
De: Gerbase
Não concordo. Em Billy Elliot, a trama secundária está exatamente no seu lugar. É um pano de fundo, uma contextualização da trama principal, um conjunto de ações que não "explica" o que está acontecendo em primeiro plano, mas lança luzes interessantes sobre a história de Billy e sua família. Não há tensão na greve, os patrões não aparecem, o conflito nem se esboça. A grande cena do pai de Billy furando a greve é cuidadosamente preparada por todas aquelas imagens dos ônibus sendo atacados. Mas é uma cena da vida íntima, privada, e não da vida pública. O roteiro, na minha opinião, é muito sábio nesse aspecto. Deixa as relações dialéticas entre a era Tatcher e o drama familiar claramente esboçadas, e cabe ao público refletir sobre elas. Sem didatismos ou ideologismos (o que talvez fosse inevitável num filme sobre a greve), o diretor também está falando de repressão política.
De: Andre Augusto Lux
Acabei de ler sua resposta aos comentários do tal de Koblitz. Você vai me desculpar, colega, mas acho que você realmente perde o controle quando alguém fala mal de um filme seu. Acho que é perfeitamente compreensível que você tenha carinho especial por eles, afinal saíram de "dentro" de você, o que justifica uma abordagem passional do tema. Mas na minha opinião você exagera, confunde as coisas e, desculpe a franqueza, perde totalmente sua razão ao tentar sempre ridicularizar ou desmerecer o autor da crítica - especialmente você que freqüentemente é tão duro (ofensivo até) e nem sempre coerente com colegas realizadores nacionais e estrangeiros.
Fui vitima desse seu estranho comportamento intolerante duas vezes ao apontar as falhas que infelizmente acabaram derrubando o seu Tolerância - uma ao não publicar meus comentários em sua coluna (sua justificativa de falta de espaço me pareceu risível, já que não deixou de publicar as imensas missivas elogiosas, mas não sentiu-se rogado ao pinçar algumas de minhas palavras e usar em seu ataque à censura sofrida pelo filme em manifesto publicado na net) e no episódio das "roupas intimas" da minha mãe...
Claro que você vai dizer que escreve o que quer, que a coluna é sua, que você não está nem aí para o que eu ou outra pessoa pense de você, que lê quem quer, blá, blá, blá... Concordo plenamente: é direito seu. Mas que passa aquele amargo gosto de recalque típico, isso passa. Mais uma vez, peço desculpas pela sinceridade.
Bom, o jeito agora é esperar a sua resposta que fatalmente vai tentar ridicularizar-me ou, pior, deturpar minhas palavras. :-/
De: Gerbase
É duro ser chamado de recalcado e intolerante, quando estou aqui, toda semana, tentando dialogar sobre cinema. Mas vamos lá, caro André. Eu edito as cartas, sempre editei, continuarei a editar, como é prática comum na imprensa. Tento manter o essencial, mas nem sempre isso é possível, especialmente em mensagens longas. Às vezes, longas demais. Se a minha coluna tem cinco ou seis parágrafos, creio que as réplicas, quase sempre, deveriam cabem em dois ou três. Já em relação ao tom que utilizo, penso que ele depende muito do que vem do outro lado.
Koblitz não fez uma análise do filme. Ele atacou minha maneira de ver o mundo e, principalmente, fez um juízo sobre o meu caráter. Como dialogar com ele nos campos da estética e da política se ele coloca o jogo em outro patamar? Não tento "ridicularizar" meus leitores. Se fizesse isso, já teria perdido todos eles, há muito tempo. Estou tentando, inclusive, sem muito sucesso, separar o cineasta e o crítico. Mas é inevitável que o atrito aconteça, que as opiniões sejam divergentes, que os argumentos sejam defendidos com bravura (e até com certa grossura). Acho divertido. Acho até que este é um diferencial deste espaço em relação à tradição crítica do cinema brasileiro.
Agora, quer ver um exemplo do que considero uma verdadeira sacanagem? Na minha resposta à sua carta sobre Corpo Fechado escrevi o seguinte: "Eu, se fosse você, dava uma olhada no armário da sua mãe, atrás de umas roupas azuis e vermelhas. Se ela disser que é fantasia pro carnaval que se aproxima, faça de conta que acredita. Mães têm sempre razão, principalmente as que não estão nas histórias-em-quadrinhos." Era uma piadinha besta, reconheço, mas praticamente impossível de ser classificada como ofensiva. Só que você (o filho) a considerou ofensiva. Acontece. Eu não tenho controle sobre isso. Mas agora você acaba de escrever: "o episódio das roupas íntimas da minha mãe..." Quem falou em roupas íntimas? Eu ou você? Esse adjetivo "íntimas" é uma verdadeira deturpação do que escrevi. Provavelmente inconsciente, tudo bem, acontece. Se eu às vezes "perco o controle" deve ser por motivos semelhantes. Somos todos humanos.
De: Koblitz
(...) Eu resolvi pegar no seu pé só pra ver se eu conseguiria incomodar você, te tirar do sério, ou te fazer dar uma resposta ruim (eu acho as suas respostas às críticas muito boas.) Eu acho que consegui, na minha opinião, essa sua resposta foi mesmo muito ruim, acho que a minha carta grosseira dava margem a uma resposta mais inteligente, sei lá. Mas confesso que esse exercício de argumentação é muito maneiro!
Bom, não vou mais te incomodar e peço desculpas por ter baixado o nível da sua coluna. Não precisa publicar (hehe como se você fosse me dar esse cartaz todo) a minha resposta, mas se quiser me responder (pode ser grosso também se quiser, mas eu sei que, ao contrário de mim, você não precisa ser grosso para sustentar o seu ponto de vista.) Eu ia ficar contente de continuar a discutir com você. (...)
De: Gerbase
A mensagem do Koblitz era bem maior. Ele respondia minha resposta da semana passada frase por frase, e até que algumas das suas tréplicas eram boas, o que me exigiria muito trabalho para as quatréplicas. Mas a preguiça foi maior que a vontade de continuar o bate-boca. Acho que esses debates mais prolongados têm sentido quando: (a) envolvem assuntos que interessem à maioria dos leitores (o que não era o caso, pois poucos viram o curta em questão); (b) não envolvem questões pessoais (e esta era, desde a sua origem, pessoal demais). Assim, vamos declarar a partida empatada? E vamos continuar discutindo, Koblitz. Estou à disposição.
De: Reame
Peço desculpas se acabei sendo agressivo e/ou me expressei mal. Não tive essa intenção. Quando menciono "sub-tramas", tenho perfeita consciência de que são partes funcionando num todo, sem uma trama principal, de maneira semelhante a filmes de Altman. O problema é que todas essas "partes" (que sustentam o todo) não funcionaram para mim, pois só vi clichês, furos, etc... com honrosas exceções. Mas se funcionaram para vc, tudo bem.
Quando menciono que o filme é "desnecessariamente complicado", não estava sugerindo que a proposta do filme, de tentar organizar vários personagens, organizações, etc... estava errada, mas que tudo isso não foi bem organizado o suficiente para mim, pois tive dificuldades em acompanhar e entender a trama. Mas se vc conseguiu, melhor para vc.
Concluindo, Gerbase, vou continuar lendo suas críticas. E uma das muitas razões para isso são as divertidas respostas suas para pessoas como esse tal de Koblitz. Aliás, o cara tava uma fera contigo, por causa do seu curta! Acho que a discussão sobre censura vai ser muito interessante... Até logo e até mais.
De: Gerbase
Quem falou que você foi agressivo? Eu só estava dialogando com uma das expressões que você usou. Também não precisamos ficar o tempo todo temendo ofensas de parte à parte. Filmes são filmes. Estão aí para gerar idéias e colocá-las em confronto. Quanto à discussão sobre a censura, que eu venho anunciando há algum tempo, tenho uma proposta: escrevam sobre o que tem acontecido nos últimos tempos, principalmente em relação aos critérios de classificação de idade. Semana passada, aqui mesmo no Terra, li que um juiz carioca decidiu baixar a censura do Traffic, que era de 18 anos, para 16 anos. Eu não sabia que isso era possível. De quem partiu essa iniciativa? Mas não vamos ficar apenas na área oficial. Percebi, algumas semanas atrás, um interessante movimento das salas de cinema e até da imprensa para esconder a classificação de alguns filmes. Estou falando de Lendas Urbanas 2, que eu sabia ser proibido para menores de 18 anos, mas era quase impossível achar essa informação nas salas. Outra coisa: como anda o controle de entrada de menores nas salas? Lembro que, em novembro do ano passado, vários espectadores com 16 e 17 anos foram barrados quando queriam ver Tolerância. Mesmo acompanhados dos pais! E agora, onde estão os guardiões da moral e dos bons costumes? Espero as mensagens na semana que vem. E até mais.
Carlos Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A
Gente Ainda Nem Começou e "Fausto"). Em
2000, lançou seu terceiro longa-metragem,
Tolerância,
com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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