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RAPIDINHO:
AGORA COM MAIS CALMA
Uma
das acusações mais comuns ao cinema brasileiro é que ele tem sacanagem
demais. É uma pergunta recorrente em qualquer debate: porque o sexo é
tão importante em nossos filmes? E as respostas têm sido variadas. Alguns
cineastas dizem que isso não é verdade. Outros admitem a presença marcante
do sexo, mas logo a comparam com a violência tradicional dos filmes americanos
modernos. E, entre o sexo e a violência, dizem que o primeiro é muito
mais saudável. Uns poucos afirmam que isso é apenas uma imagem deixada
pelo tempo das pornochanchadas cariocas e da boca do lixo paulista, quando
a produção realmente era grande, mas que agora vivemos uma outra época.
Eu diria que todos eles tem alguma razão, mas a razão fundamental não
costuma aparecer: o sexo é um tema fundamental na vida das pessoas de
verdade, e, portanto, deve ocupar um bom espaço também nas vidas das pessoas
de mentira criadas pelo cinema.
O palavra "sexista", que ainda não consta da minha edição do Aurélio, está na moda. Ela é o carimbo da vez a ser colocado sobre qualquer atitude ou obra de arte que trate do sexo com uma importância (ou um espaço, ou uma explicitude) acima dos padrões considerados razoáveis pelo carimbador. Interessante como ela substituiu a palavra "machista", talvez por atingir a todos os sexos (os quatro tradicionais e suas instigantes variações deste final de século). Ser sexista é falar a palavra "bunda", apesar das bundas crescerem como xuxu na serra em todos os programas de TV. Ser sexista é chamar uma mulher de "gostosa" na propaganda de cachaça, apesar de todas as gostosas seminuas usadas nas propagandas de cerveja parecerem dispostas a ouvir coisas muito mais provocantes. Ser sexista é um homem chamar outro homem de "quitute", uma mulher chamar outra mulher de "lasanha" e, principalmente, um cineasta filmar uma relação sexual sem as elipses clássicas: câmara vai pra janela, câmara vai pro lustre, câmara vai pra tonga da mironga do cabuletê (mas não fecha no cabuletê, e muito menos na prochaska). Para um cineasta honesto (interessado no cinema como fábrica de idéias, e não como fábrica de sabonetes), ser sexista ou não ser sexista é, antes de tudo, uma decorrência de sua formação cultural. Existem maravilhosos diretores sexistas, que adoram mostrar o corpo humano, e fantásticos diretores não-sexistas, que nunca filmaram mais de dez centímetros de pele. Existem filmes de todos os tipos, inclusive de sexo explícito. Então por que o cinema brasileiro não pode ter a sua cota de sexo na tela? Por que não podemos ser um pouco (ou bastante, dependendo do filme) sexistas? Lanço aqui um manifesto pela libertação do cinema brasileiro de uma nova onda moralista, que certamente está relacionada com a estrutura de financiamento da Lei do Audovisual. Tem produtor se perguntando: "O que a esposa do nosso patrocinador vai pensar desse beijo, meu Deus?". Defenderei até a morte a presença do sexo em "Bocage, o triunfo do amor", que, segundo matéria aqui do ZAZ, deixou os espectadores de Festival de Gramado "chocados com a grande quantidade de nus masculinos e femininos." Eu estava na sessão e vi muita gente sair durante o filme, mas o comentário mais comum era de que o filme era chato e arrastado, e não que era imoral ou sexista. Djalma Limongi Bastista, cineasta esteticamente honesto, fez o filme com a nudez necessária - nem mais, nem menos. Eu ficaria chocadíssimo se Limongi filmasse Bocage sem uma "grande quantidade de nus masculinos e femininos". Só um tarado, um pervertido, um cidadão moral ou mentalmente desequilibrado poderia imaginar a vida de Bocage no cinema sem muito sexo. É triste ver a confusão que se estabeleceu (também por culpa de uma imprensa moralista) entre os méritos cinematográficos deste filme (e de tantos outros) e a eventual presença de sexo na história. "Bocage, o triunfo do amor" não agrada à maioria das pessoas porque tenta fazer poesia. Ao abdicar da prosa narrativa, Limongi abdica de muitos espectadores. Ele sabia disso e mesmo assim foi em frente. Acho que o seu grande engano foi não dar ao filme mais humor, mais sacanagem, mais humanidade, que são os grandes méritos de "Decameron" e "Contos de Cantenburry", de Pasolini, que certamente foram inspiração para o seu "Bocage". O cinema brasileiro não pode abdicar do sexo, nem pode deixar-se subjugar por critérios moralistas, não-cinematográficos, na definição de seus temas e de suas estéticas. "Central do Brasil" é modelo? Claro, porque é um bom filme e fez 1 milhão de espectadores. Mas ele não pode ser o único modelo. Fazer apenas filmes politicamente corretos e sexualmente conservadores é ótimo para os queridos patrocinadores e investidores, que não querem associar seus nomes a obras "perigosas", mas pode ser péssimo para um cinema que está lutando para redescobrir sua identidade. E que os sexistas do cinema e de todas as artes sobrevivam, porque sem eles a vida fica extremamente tediosa. Bocage, O Triunfo do Amor, Brasil/Portugal, 1997. 84min. De Djalma Limongi Batista. Com Victor Wagner, Francisco Farinelli, Vietia Rocha, Linneu Dias, Eugénia Melo e Castro e Cristina Marinho. Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".
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