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RAPIDINHO AGORA COM MAIS CALMA Cinema não é história em quadrinhos. São universos diferentes. Quando cruzamos de um para o outro - numa adaptação, por exemplo – geralmente é melhor respeitar essa diferença e trabalhar para superá-la, criando uma nova obra, que conserva a essência do original, mas é narrada com as armas do veículo em que agora está circunscrita. Em nome da fidelidade cega, grandes porcarias já foram feitas. O roteiro de Corpo Fechado procura elevar essa lei à enésima potência e, apesar de não ser a adaptação de uma obra específica, pretende ser uma adaptação de um gênero para outro. Engenhoso. Esperto, até. Mas, ao contrário de O sexto sentido, que tinha um enredo forte e emocionante, a nova obra de Shyamalan fica restrita à engenhosidade conceitual, e mesmo nisso não é tão sólida assim. Vejamos. A grande questão de quase todo o filme é: por quê esse cara nunca se fere e nunca fica doente? Mais do que isso: por quê "eu" (já que tudo é contado pelo ponto de vista de Willis) nunca me firo ou fico doente? Uma bela questão para um adolescente resolver, ao se dar conta que nunca pegou um resfriado ou uma gonorréia. Mas, cá entre nós, não é uma questão verossímil para um cara de 40 anos, que, inclusive, já teve várias provas de que é "anormal". O desastre no trem é apenas mais uma. A investigação deveria ter iniciado há 25 anos. Não vale dizer que o personagem de Willis é meio burro, ou meio desligado. Para estar realmente em dúvida sobre a sua excepcionalidade, teria que ser débil mental. A certa altura, Shyamalan dá a entender que o próprio Willis resolveu esconder sua força, para preservar seu casamento (a esposa não "agüentaria" viver com um jogador de futebol indestrutível). E aí, quem sabe, escondeu a verdade de si mesmo. Muito freudiano pro meu gosto. Falando sério: o problema básico de Corpo fechado é que o conflito existencial não se sustenta jamais. O personagem de Samuel L. Jackson é mais legal. Um cara tremendamente frágil, que ama os super-heróis dos quadrinhos. Seu conflito de verdade é escondido até o final do filme. Pensamos que ele sofre porque é frágil (e tantos seres humanos são...), mas, na verdade, ele sofre porque não sabe quem é. Interessante, ainda mais para um personagem negro. Teríamos, mais uma vez, e sempre contando com uma enorme boa vontade semiótica, uma reflexão sobre a identidade das minorias e os excluídos. Shyamalan parece indeciso entre uma narrativa de suspense (em que precisa enganar o espectador com truques narrativos, garantindo a diversão) e um jogo de espelhos com os seus fantasmas culturais (em que precisa ser honesto consigo mesmo e com o público, buscando a expressão artística). Essa indecisão sempre cobra seu preço. Temos, depois da revelação final, um filme que divertiu pouco e refletiu menos ainda. Corpo Fechado (EUA, 2000). De M. Night Shyalalan
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