|
A Corrente do Bem ALTAS DESCULPAS RAPIDINHO AGORA COM MAIS CALMA Um belo punhado de personagens sofredores: um professor solitário, com o corpo coberto de cicatrizes; uma mulher alcoólatra, abandonada pelo marido violento; um garoto de 10 anos, filho desta mulher, rezando para que o pai não volte tão cedo. Temos também um mendigo viciado, uma velha que vive dentro de um carro em Las Vegas e um jornalista atrás de uma história maluca, a tal "Corrente dos Três Favores", muito parecida com essas bobagens que circulam todos os dias pela Internet, prometendo dinheiro fácil ou a salvação de um pobre coitado no outro lado do planeta. Esse jornalista não é exatamente um sofredor (apesar de ter ser carro arrebentado na primeira cena), e não precisamos sentir pena dele, o que é um alívio, mas, infelizmente, ele também é o personagem mais artificial, fraco e desinteressante do filme. Não passa de um truque narrativo para contar a história com uma pretendida grandiloqüência. E, como A corrente do bem começa e termina com ele, é inevitável que a sua artificialidade contamine o todo da obra. Mimi Leder teria alguma chance se, em vez de, pretensiosamente, propor um painel da boa vontade entre os homens, se concentrasse naquele agudo drama familiar, aproveitando seu elenco talentoso: Kevin Spacey (com um olhar meio bobão, mas ainda convincente), Helen Hunt (meio caricata) e o pequeno Haley Joel Osment (confirmando ser um grande ator). Leder sabe filmar e, nos momentos intimistas da trama, consegue captar emoção e fazer o conflito crescer. Pena que, com seu complexo de Madre Teresa, volte sempre ao plano didático, quase de catecismo, e aí as suas boas intenções, em vez de ajudar aos pobres espectadores, só trazem irritação, como acontecia em Impacto profundo. Vamos agora sair de cima da pedra, já que, como dá pra ver na última frase que escrevi, não foi possível analisar o filme sob um prisma simplesmente formal. Como sempre, o modo de narrar está ligado, por cadeias invisíveis, ao que é narrado. Então, dou um pontapé na pedra e, obviamente, só consigo me ferir e sentir dor no dedão. A pedra estava no meio do caminho e lá vai permanecer por um loooooongo tempo. Confesso que o destino final do garoto me surpreendeu. Eu esperava um final feliz tradicional, e o roteiro conseguiu uma virada bem interessante (e lógica). Se o filme terminasse por ali, teria se redimido parcialmente; entretanto, Mimi Leder caiu na tentação de sempre: o exagero moralista. O último plano, com todas aquelas velas e o clima de "paz na terra aos homens de boa vontade" é uma outra pedra de várias toneladas caindo no meu caminho. Subo também sobre esta e lanço ao vazio as palavras de Nietzsche: "Quem narra alguma coisa, logo deixa perceber se narra porque o fato lhe interessa ou porque quer despertar o interesse mediante a narrativa. Neste caso ele exagera, usa superlativos e faz coisas assim. Então ele geralmente não narra tão bem, porque pensa mais em si do que no assunto." (aforisma 343 de "Humano, demasiado humano", Companhia das Letras, 2000) A Corrente do Bem (EUA, 2000). De Mimi Leder
|
||
Copyright
© 1996-2001 Terra Networks,
S.A. Todos os direitos reservados. All rights reserved.
|