RAPIDINHO
Serei honesto. E impiedoso. Quase Famosos é divertido e bem feito. Tem um bom elenco e alguns momentos de exceção (na verdade, lembro de apenas um: as confissões dentro do avião). Também é um filme simpático, daqueles que a gente fica torcendo para que dê certo, porque a narrativa tem um certo frescor visual, uma certa agilidade, que a aproxima da estética do cinema independente. Contudo, Quase famosos, como "filme de rock" - ou como filme que tenta fotografar uma época do rock norte-americano - é um filme careta até a medula. Querem uma prova definitiva? Basta olhar nos créditos. Um dos "consultores técnicos" (os caras que dizem como são as coisas no mundo real) foi Peter Framptom. Peter Framptom! Assim não dá. O diretor Cameron Crowe conviveu com Led Zeppelin mas contratou Peter Framptom como consultor. Até o picareta do Oliver Stone foi mais fundo - e com mais coragem autoral - em The Doors. E, perto de Quase Famosos, Velvet Goldmine (que também tem seus defeitos) é a definitiva obra-prima sobre o mundo do rock.
AGORA COM MAIS CALMA
Tudo bem, digamos que Framptom foi uma exigência do estúdio. Admitamos também que Quase famosos é um relato autobiográfico de seu diretor e que o mundo do rock é visto sob o ponto de vista de um garoto de 15 anos vigiado à distância pela mãe. E vamos mais longe: é melhor ver Quase famosos como a iniciação deste garoto talentoso e precoce no mundo dos adultos do que como um filme de rock. Estou sendo honesto. Mas piedoso demais. O garoto precoce poderia fazer pelo menos uma - uma única, umazinha - pergunta decente em suas tentativas de entrevista. Todas as que faz são de um repórter normal, ou seja, um pouco acima da absoluta debilidade mental. O astro do rock poderia dizer uma - apenas uma - frase que significasse alguma coisa. Eles não eram tão burros assim, garanto. E as músicas da Stillwater poderiam ter um - simplesmente umzinho - momento de brilho, que justificasse aquelas multidões nos shows. Que bandinha ruim...
Mas, voltando à estrutura dramática do filme, temos um triângulo. O guitarrista, o garoto repórter e a fã, Penny Lane. O garoto se apaixona por Penny Lane, mas ela ama o guitarrista (que é o maior ídolo do garoto), que a trata como "groupie", isto é, uma entre várias possibilidades de sexo hoje à noite. O garoto, interpretado pelo estreante Patrick Fugit, fica num dilema: deve simplesmente narrar os fatos e não se envolver emocionalmente com eles, ou deve lutar pelo seus sentimentos? É um bom conflito, que poderia crescer muito nos momentos finais do filme. Contudo, não emociona, porque Fugit é personagem absolutamente simpático do início ao fim, um adolescente bonzinho e incapaz de pensar maldades. Crowe certamente não gasta dinheiro em psicanálise: sua auto-imagem do passado é de um cara incorruptível, que não tem curiosidade sobre drogas, é romanticamente estuprado por três garotas lindas e sente-se culpado na manhã seguinte. Alguém tem dúvida de que ele terá direito a um final feliz?
Não sei o que o Billy Crudup pretendia com seu personagem, o guitarrista, um cara bonito, talentoso, meio egocêntrico, mas ainda sensível e bem intencionado. Seu conflito com o resto da banda poderia render cenas mais intensas que a festinha lisérgica e a reconciliação no ônibus. Quem conhece minimamento o mundo do rock (dos Estados Unidos ou de São Bernardo do Campo) sabe que, quase sempre, este tipo de confronto de vaidades deixa seqüelas por muito tempo. Parece que, em vez de vermos o conflito pelos olhos do repórter adolescente, todos os personagens se transformam em adolescentes e crianças, vivendo num mundo de soluções mágicas. Além disso, o personagem de Crudup não tem carisma, tão necessário para um rock-star quanto um revólver para um xerife.
Kate Hudson tem sido chamada de revelação pela crítica. Revelação de quê? Ela fica o filme inteiro fazendo caras e bocas e, nos momentos decisivos, seu personagem não tem qualquer densidade. Culpa, é claro, também do roteiro, que não dá interioridade a ninguém. Crowe fez um filme de rock para ser visto sem medo pelas famílias de classe-média americanas, que têm direito, inclusive, a se identificar com a personagem de Frances McDormand. Faltou em Quase famosos o mesmo que falta nas músicas insípidas do Stillwater: o espírito transgressivo, saudavelmente destrutivo, irracional e dionisíaco do bom e velho rock´n´roll de todas as épocas.
Quase Famosos (EUA, 2000). De Cameron Crowe
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