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GAROTAS SELVAGENS

RAPIDINHO:

Um orientador educacional vivido por Matt Dilon (dá pra acreditar?) é acusado de estupro por uma jovem e rica estudante. Logo aparece um jovem e pobre estudante, que conta uma história bem parecida. O orientador, desorientado, alegando inocência, vai a julgamento. No meio do julgamento... Bom, aí eu tenho que parar de contar, porque esta é a primeira "virada" do roteiro de "Garotas Selvagens", filme de John McNaughton que brinca de esconde-esconde com o espectador. O problema é que dá pra ver onde ele se esconde e chegar no ferrolho bem antes do roteiro se "revirar" pela enésima vez.

AGORA COM MAIS CALMA

Os livros sobre roteiro costumam ensinar que existem duas grandes estratégias para se escrever uma história para cinema: começar pelo enredo ou começar pelos personagens. Quem começa pelo enredo pensa, prioritariamente, na estrutura narrativa do filme, como os episódios se sucedem, como a ansiedade do espectador é guiada, como as informações vão sendo cuidadosamente apresentadas. Quem começa pelos personagens tem o compromisso de moldar convincentemente os protagonistas, antes de qualquer história, de modo que esta acaba se transformando numa conseqüência natural daqueles. Complicado? Claro. Principalmente porque não existem personagens sem história, e não existem histórias sem personagens. Estes mesmos livros sobre roteiro geralmente associam os filmes "guiados pelos personagens" com o cinema europeu, enquanto os "guiados pelo enredo" são tipicamente americanos. Trata-se de uma simplificação grosseira, mas tem lá sua lógica.

Todos nós já vimos dezenas de filmes europeus que nos deixaram, ao final da sessão, a sensação de termos conhecido pessoas de verdade. E todos nós já vimos centenas de filmes americanos que, ao final da sessão, nos deixaram a impressão de não termos visto pessoa alguma na tela (as pessoas provavelmente estavam atrás das explosões). "Garotas selvagens" é uma superdose de cinema americano guiado pelo enredo até a medula.

Se você procurar personagens no filme, vai encontrar mais ou menos o seguinte:
1) um orientador educacional boa-pinta, que transa com as mães de suas alunas (mas não com as próprias);
2) uma estudante linda, careta e riquíssima, cujo pai cometeu suicídio por razões desconhecidas (para o público; não para ela). Ela quer transar com o orientador educacional para suprir sua carência da figura paterna;
3) uma estudante linda, loucona e pobríssima, cuja família cria crodocilos e quer vingar-se do orientador educacional porque este a deixou ir para a prisão. Ela não quer transar com os crododilos; quem transa com os bichos é o irmão dela;
4) um policial burro (depois muito esperto) e zeloso de seus deveres (depois zeloso de sua conta bancária) que quer proteger a estudante riquíssima, mas acaba descobrindo que...

Chega! Se você analisar personagens em "Garotas selvagens" descobrirá que seus caráteres, suas preferências sexuais e suas biografias dependem apenas de uma coisa: das necessidades do roteirista desorientar o público a cada "virada" da história. O resultado dessa manipulação absurda é um filme sem alma, em que o roteiro "grita" a cada cena, afirmando sua esperteza narrativa e espantando qualquer possibilidade de identificação do espectador com o que está na tela. "Garotas selvagens" é um filme tão descartável quanto um fósforo usado, cujo único momento emocionante é a transa a três de Matt Dilon, Denise Richards e Neve Campbell.

E atenção: as duas meninas são tão sensuais quanto um banana caramelada flambada com conhaque de primeira (até que aquele fósforo serviu pra alguma coisa...). Será que contei demais? Acho que não. Antes e depois da transa (e até depois da palavra "The end" aparecer na tela), a história dá tantas "viradas" que você provavelmente vai estar tonto e esquecer completamente o que acabou de ler. As "Garotas Selvagens" deveriam ser colocadas num zoológico, em seu estado natural, de modo que pudéssemos apreciá-las - lindas, doces e maravilhosas - com todo o conforto, atrás das grades, sendo lentamente flambadas por um orientador educacional e um crocodilo tarado.

Garotas Selvagens (Wild Things, EUA, 1998). De John McNaughton. Com Kevin Bacon, Matt Dillon, Neve Campbell, Theresa Russell e outros.

Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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