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Por Ricardo Cota
O GRANDE LEBOWSKI
Vagabundos de todo o mundo, uni-vos! O Grande Lebowski, dos irmãos Joel e
Ethan Coen, presta um tributo irreverente a essa categoria dos deserdados
do neo-liberalismo e da globalização. Embora seja rodado em plena cidade
de Los Angeles, capital do cinema industrial, trata-se de um filme quase
provinciano, com um assumido sotaque caipira, cristalizado na voz do
narrador Sam Elliot.
Na mesma linha do anterior Fargo, O Grande Lebowski resgata a imagem do
americano comum, aquele que não participa diretamente das ações sociais,
políticas e econômicas do país.
Sujo, maltrapilho, bêbado e drogado, o
desempregado Jeff Lebowski (Jeff Bridges) encarna o herói às avessas, o
capitão anti-América, que luta, em plena crise da Guerra do Golfo, pela
menos nobre das causas: reaver o prejuízo de seu tapete urinado.
A disposição de antagonismos está presente logo na abertura do filme.
Enquanto o narrador descreve a vida besta de Lebowski ("o homem mais
preguiçoso da cidade"), a câmera percorre a terra árida do oeste americano
até desvendar o complexo urbano de L.A. Ali estão as duas Américas: a
interiorana e a mundana. A visão antagônica se aprofunda quando Lebowski
(também conhecido como "the Dude", "almofadinha", em inglês) entra em cena.
Confundido com um magnata, o desempregado-padrão (que paga um litro de
leite com cheque), tem a casa invadida, leva uma surra e ainda por cima vê
seu pobre tapete maldosamente danificado.
Com a displicência dos mais legítimos vagabundos, Jeff entra no castelo do
outro Lebowski (David Huddleston), para cobrar um novo tapete. Descobre
um político paraplégico, rodeado por um bajulador e enamorado de uma atriz
de filme pornô.
A visita rende a Jeff um sermão conservador e o
envolvimento numa trama patética, em que acaba se transformando em
intermediário do seqüestro da amante do magnata.
Entre uma e outra confusão, Lebowski, o vadio, passa o tempo na companhia
de dois amigos, Donny (Steve Buscemi) e Walter Sobchak (John Goodman),
jogando boliche. O primeiro é um inútil total, que entra mudo e sai calado
da trama. Já o segundo é mais outro personagem especial da galeria de
tipos criados pelos diretores de Arizona Nunca Mais.
Numa de suas mais
marcantes interpretações no cinema, John Goodman encarna um caricato
veterano do Vietnã, responsável pelas passagens cômicas do filme. Na
verdade ele simboliza a falência da América, órfã do discurso da violência
como panacéia para as mazelas políticas.
Mesmo com todas as espetadas na multifacetada sociedade norte-americana, O
Grande Lebowski jamais assume um tom pesado de crítica social. Não se
trata de um filme político, mas sim lisérgico. Como o personagem
principal, a narrativa segue seu rumo desgovernado pontuada por porres,
tapinhas e viagens de ácido.
Há sequências memoráveis de alucinação, com
referências aos números musicais geométricos de Busby Berkeley.
A melhor imagem para resumir o inteligente filme dos Coen, talvez seja a da
bola que desliza pela quadra de boliche até atingir, com êxito ou não, o
alvo (há aqui inclusive um plano histórico, que mostra o ponto de vista da
bola na quadra).
O pateta Lebowski, em seus delírios diários, também passa
deslizando pelo caos camuflado que o cerca. A droga é o tapete mágico que
o mantém em constante suspensão numa eterna, e etérea, vadiagem. É o filho
doidão que os americanos escondem e os irmãos Coen trazem à tela sem
reverência, mas com extrema simpatia. Até porque, comparado ao outro
Lebowski, talvez ele não seja tão doido assim.
O Grande Lebowski
(EUA, 1998). De Joel Coen. Produzido por Ethan Coen.
Ricardo
Cota, 33, é crítico de cinema do Jornal do Brasil há oito
anos, com passagens pelas revistas Cinemin, Set, Tabu, Cinema e IstoÉ,
além do jornal O Dia. Foi autor dos cursos Bergman/Woody Allen: Dois
Cineastas Face a Face; Huston/Coppola: Os jogadores; e O Cinema
Cantado, Breve História dos Musicais.
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