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Limite Vertical

De
Martin Campbell




 

RAPIDINHO
Não é exatamente um filme sobre os desafios do alpinismo. Se fosse, a grande questão não seria "dá pra subir até lá em cima, ficar mais rico e mais famoso, sem morrer?", e sim "pra que subir, se posso morrer?". Não é, nem de longe, uma reflexão sobre os limites impostos pela natureza, tão bela e tão perigosa. Se fosse, não haveria um conflito tão óbvio entre os alpinistas "do bem" e os "do mal". A natureza é igual para todos. Limite vertical é, desde o seu início, uma história de ação e aventura, que relaciona o fantasma da morte com coisas tradicionalmente emocionantes como o amor de um pai pelos seus filhos, de irmãos entre si, de maridos por suas esposas. Martin Campbell, o diretor, consegue dar calor humano às peripécias nos cumes gelados, e assim, em ritmo sempre acelerado, diverte, emociona e cria bons momentos de suspense. E, mesmo mantendo-se abnegadamente na tradição narrativa do herói em luta contra si (o drama do passado, quando perdeu o pai), contra a natureza (o K2) e contra um vilão (o milionário boçal), Limite vertical consegue pintar um retrato convincente do bando heterogêneo de malucos que escalam aquela montanha infernal. É um filme divertido, informativo e emocionante. Pra mim, tá mais que bom.


AGORA COM MAIS CALMA
O K2 existe de verdade. É a montanha mais perigosa do mundo. Mais perigosa que o Everest, que tem mais fama porque é mais alta. Mas o K2 não é o personagem principal. Ele é apenas um cenário. Kurosawa talvez conseguisse transformá-lo em personagem de ficção. A National Geographic provavelmente já fez isso com um documentário. Mas, para Martin Campbell, o K2 e o alpinismo foram bons motes para falar de decisões clássicas, aquelas que tem apenas duas opções, e ambas são terríveis. No início de Limite vertical, o herói é obrigado a escolher, numa situação-limite, entre duas vidas certas (a sua e a de sua irmã) contra três vidas incertas (pois o peso do pai, último na corda, talvez faça todos caírem para a morte). Ele faz a sua escolha e aí quebra o equilíbrio da família, afastando-se da irmã e do próprio alpinismo. O resto do filme será sua jornada em busca do equilíbrio perdido.

Roteiro previsível, em três atos, com todas as viradas possíveis (o milionário que se revela um bandido; a nitro salvadora que se revela um perigo; os dois malucos que se revelam sujeitos de moral; o alpinista legendário que se revela um vingador). Mas quem disse que basta criar as peças e movimentá-las num plano ideal? Se fosse fácil assim, até Stallone teria conseguido ir além da primeira cena (boa!) de Risco Total. Martin Campbell revela talento narrativo, mostra que sabe escolher e orientar seu elenco, e tem noção de "timing" nas cenas de suspense. A descida do helicóptero é um bom exemplo. É claro que ninguém morreria naquela hora (ainda muito cedo no filme), mas a cena é tão bem decupada, a câmara é tão convincente e o ritmo da montagem é tão preciso, que todos os espectadores ficam na ponta da cadeira. Inclusive os que, no final, dirão que o filme é bobo.

Mas não é tão bobo assim. Nosso herói é um sujeito que, a princípio, não quer mais subir nem escada rolante. Quer ser fotógrafo. Nosso vilão, a princípio, é um sujeito suficientemente sensato para deixar a liderança da escalada para alguém mais experiente, um profissional do ramo. Nossa heroína, a princípio, está atrás de uma egoísta glória pessoal. E todos eles têm surpresas a apresentar. No capítulo decisões clássicas, há, inclusive, uma bela seqüência sobre as distorções que um raciocínio lógico e científico pode sofrer nas mãos de um cara mal-intencionado. A tática do milionário para enfrentar o desastre dos três alpinistas, que caem numa fenda gelada, é a mais adequada. Se a morte de um deles é certa, porque gastar recursos com ele? O problema é que esse discurso só é fácil porque "eu" não sou "ele".

É mais ou menos como falar da globalização. "É inevitável! É a marcha da história! A empresa mais competitiva vence, o país mais atrasado (quem mandou ser atrasado?) perde." Parece não haver julgamento moral envolvido. Parece que não há culpados. Mas o pretenso discurso impessoal da história vai incidir sobre pessoas, que, em sua maioria, não são competitivas, nem estão em países adiantados. Elas são como o alpinista agonizante, que não tem nada a oferecer à pequena comunidade de desesperados. O que fazer? Não seria melhor acabar logo com uma vida inútil? Que tal uma eutanásia continental sobre a África? Ficção-científica? Que nada. Ela começou faz tempo.

Claro, estou levando Limite vertical a alturas interpretativas nunca sonhadas pelo seu realizador, mas eu tenho esse direito e, mais do que isso, o filme me dá essa brecha. É uma pena que salvar os não-competitivos esteja, aparentemente, fora de qualquer roteiro possível no mundo real. E é claro que os vilões de verdade nunca se exporiam a um perigo verdadeiro como o K2. Eles não são tão idiotas e megalomaníacos. Eles preferem ir ao cinema e ver Limite vertical com projeção perfeita e som DTS. Ou ficar em casa, quentinhos, em seus "home-theaters", esperando sair o DVD. Nesses dias perigosos, em que os inúteis ainda estão vivos, até a escada rolante que leva ao cinema do shopping pode ser uma escalada mortal.

Limite Vertical (EUA, 2000). De Martin Campbell


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A Gente Ainda Nem Começou e Fausto). Em 2000, lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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