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MIFUNE
Quais são os parâmatros que nós usamos para separar a sanidade da insanidade?
O que nós
queremos dizer quando dizemos que alguém não regula bem, é ruim da cabeça?
Em
Mifune, o dinamarquês Soren Krag-Jacobsen trata desta temática de uma forma
madura e
poética.
O filme inicia de uma maneira brilhante, algo como "a pior trepada da
história do cinema",
propositalmente.
Kresten acaba de casar-se e está deitado na cama, olhando
para o teto,
enquanto a noiva pula e grita em cima dele, com o seu colar de pérolas ainda
no lugar.
Na manhã seguinte ele é chamado para o seu passado porque seu pai faleceu.
Ele vai para
o campo sozinho, pois não quer que a esposa conheça a família, e encontra o
corpo do pai
estendido sobre a mesa de jantar.
Escondido embaixo da mesa está Rud, o seu
irmão que
"não regula bem", bebendo uma cerveja. Mais tarde nós ficamos sabendo que a
mãe deles
se suicidou de uma maneira trágica, se enforcando em uma árvore sem deixar
bilhete nem
nada.
Kresten, recém casado, tem que cuidar de Rud, e é aí que a história
começa a ficar
ainda mais interessante. Somado a estes dois personagens já complexos,
junta-se Liva,
uma ex-prostituta, orfã, que quer mudar de vida.
Ela responde um anúncio de
jornal para
trabalhar de governanta na casa de campo de Kresten e Rud. Para dar mais
textura a este
grupo já complexo, o irmão adolecente de Liva, que não estava indo bem na
escola, vai
passar um tempo com eles.
A partir daí verdadeiros conflitos passam a existir.
Liva e Kresten se
apaixonam mas ela
tenta ir embora várias vezes e acaba sempre voltando. O irmão de Liva, que
era um
adolecente cruel e rebelde se vê forçado a encarar a sua realidade de orfão,
e que isto é o
que a vida lhe oferece, e ele tem que fazer partido disto ao invés de
continuar quebrando
os pratos.
Rud, entre outras coisas, mostra que os seres humanos têm limites,
e que os
traumas que ele passou lhe deu uma certa configuração diferente das outras
pessoas. But
he's OK!, apenas bem mais sensível.
A história tem uma grande carga psicológica. Liva não estava satisfeita com
sua vida de
prostituta, e ela conseguiu construir algo melhor para ela. Kresten não estava
feliz com o
seu casamento desde o começo, mas ele conseguiu construir algo melhor para
si.
O irmão
de Liva não estava satisfeito rodando e aprontando na escola, e ele viu que
ao invés de
somente se rebelar, é necessário elaborar as crises, sofrer por elas. E Rud,
que é "ruim da
cabeça" é um personagem central em fazer com que todos os outros se dêm conta
de suas
próprias limitações e identidades.
O filme é todo filmado usando luz natural
e filtros, com
câmera na mão. Isto dá uma coesão à obra, onde a técnica e a
história sendo
contada estão em harmonia.
Na cena final eu me lembrei de "Down By Law", onde Benigni dança com Nicoleta
Brasci, enquanto Tom Waitts e John Lurie assistem uma bela história de amor
"live".
Em
Mifune, Liva e Kresten dançam ao som de uma orquestra formada pelos amigos de
Rud,
enquanto os irmãos assistem. É um filme profundo. E belo.
Mifune, Dinamarca (1998). De Søren Kragh-Jacobsen. Com Iben Hjejle, Jesper Asholt ,Anders
W. Berthelsen
Bárbara
Kruchin
é artista
plástica e aficcionada por cinema. Ela é brasileira, mas mora em
Nova York desde 1991, onde cursou a School of Visual Arts.
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