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Náufrago

De
Robert Zemeckis




 

RAPIDINHO
Qual é a graça de contar uma velha história, uma história que todos conhecem, uma história que já foi escrita e filmada um milhão de vezes? Contar um pouco – ou muito – diferente. Contar acrescentando, reduzindo, distorcendo, atualizando, transformando parte do – ou todo – o enredo. Brincando com os personagens, ou simplesmente embaralhando as cartas com alguma criatividade. Jogando limpo, ou jogando sujo. Mas jogando. O que dizer, então, de Náufrago? É simples: Zemeckis e seu roteirista não jogaram. Pegaram a história de Robinson Crusoé e adicionaram – nada sutilmente – um gigantesco "merchandising" de uma multinacional transportadora de mercadorias. Zemeckis, abandonando a emoção do ato criador pela esperteza típica de uma Hollywood viciada em drogas anti-psicodélicas, naufraga como autor. Com direito a bote salva-vidas, considerando sua admirável folha de serviços prestados ao bom cinema.

AGORA COM MAIS CALMA
A competência narrativa do diretor é inegável. Náufrago é um espetáculo agradável, contanto que não se espere demais, nem se fique lembrando da primeira e memorável leitura da obra de Daniel Defoe. A queda do avião é realista e assustadora, as cenas nas ondas do mar são poderosas, os cenários naturais fazem a gente ter vontade de encontrar aquela praia no litortal de Santa Catarina. Sem os argentinos, por perto, é claro.

Mas onde está o toque pessoal de Zemeckis? Onde o roteiro faz mais do que a lição de casa? Tô procurando até agora. Wilson? Sinto muito. Além de ter gosto de "merchandising" requentado (lembram do "Calvin" em De volta para o futuro?), os diálogos de Chuck com a bola são todos aborrecidos. Sexta-feira (não é a treze, adolescentes de plantão) era personagem muito mais interessante, pois havia um desafio lingüístico e um choque cultural. O drama sentimental de Chuck – eu amo essa mulher/fiquei muito tempo longe dela/agora ela tem marido e filha -, que alimenta o primeiro e o terceiro atos do filme, é raso, insosso, sonolento. O que irrita em Náufrago é a sua absoluta inapetência para arriscar, botar algum tempero na receita, surpreender.

Tom Hanks... Tá legal. É Tom Hanks. Mais gordo, com mais algumas rugas, correto como sempre. Mas sua atuação também nada acrescenta à carreira. O que deveria ser um "tour-de-force" de um ator oscarizado não passa de um desfile de caretas e algumas acrobacias. Se fosse Renato Aragão, daria pra elogiar os momentos de introspecção e desespero.

Quando Revelação estreou, li que era um filme menor, rodado por Zemeckis nos intervalos (ou durante a pré-produção), desta obra ousada chamada Náufrago. Aí está uma prova de que fazer cinema tem suas surpresas. Revelação também é uma história velha, muito conhecida, mas a direção consegue revigorá-la, enquanto o projeto ambicioso fracassa em sua mesmice. "Mas teve muito mais bilheteria!", dirão os fãs desse Crusoé recauchutado. É verdade, mas, se o termo de comparação é somente este, eu diria que Náufrago, na categoria de filmes de desastre, leva um banho absoluto do grudento Titanic.

Ah... Titanic é setimentalóide, romanticóide e tem aquela trilha insuportável de transatlântico dos chiques e famosos, enquanto a ilha de Náufrago nem trilha musical tem. Mas, no terreno da apelação baixa, o que dizer das cenas com a baleia em Náufrago? Santo Greenpeace, Batman! A baleia olhou maternalmente para o barbudo Hanks, apiedou-se dele e depois acordou-o no momento crucial com seu Lorenzetti De Luxo (olha o meu "merchandising" aí, gente!). Nem Rin Tin Tin, no auge das escaramuças do Forte Apache, alcançou tamanho grau de devoção. E ele usava a língua, o que, apesar de mais nojento, é bem mais verossímil. Isso sem falar na linda garota que Chuck, bom e triste menino, encontra depois de ter entregue a encomenda. A Celine Dion poderia entrar a mil nos créditos finais.

De qualquer maneira, estamos em férias (em praias não tão paradisíacas), no cinema ao lado está passando A bruxa de Blair (de quem nem o próprio diretor gosta) e o calor é grande. Então naufraguemos nesse filme modorrento, torcendo para que aquela baleia não venha nos encher o saco com seu esguicho, prejudicando a aplicação do filtro solar. Aliás, como é que o Zemeckis não pensou nisso? Repelente de insetos, filtro solar, pranchas de surf...

Náufrafo (EUA, 2000). De Robert Zemeckis


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A Gente Ainda Nem Começou e Fausto). Em 2000, lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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