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O Jantar
De Ettore
Scola
RAPIDINHO
Mestre do microcosmo humano,
grande artesão do primeiro plano, defensor entusiasmado do mínimo de cenários
para alcançar o máximo de densidade dramática, Scola continua dando aulas
de cinema "a la carte" para uma geração que vive exclusivamente
de "fast food". Scola, em O Jantar, supera amplamente os resultados
de seu O baile (igualmente minimalista, mas frouxo na narrativa) e constrói
um painel ao mesmo tempo engraçado e comovente de uma humanidade que já
sabe sentar à mesa, mas que ainda não aprendeu a usar corretamente a faca
da razão e o garfo das emoções. O Jantar é um filme para ser degustado
aos poucos, como um bom vinho ou um bourbon sem gelo. Tomadores de cerveja,
por favor, dirijam-se a outras salas.
AGORA COM MAIS CALMA
Eu
não ia dizer, pode parecer indelicadeza, certamente serei mal interpretado,
quem sabe acusado de... Mas vamos lá: O Jantar, antes de mais nada,
é um filme de velhos. Ettore Scola vai fazer 70 anos em maio próximo.
Aos 70 anos, um cara tem que ter muita energia para continuar filmando,
porque um set é um lugar desgastante, muitas vezes chato, quase sempre
sem glamour, quase sempre sem nada de interessante para fazer além de
esperar que a luz fique pronta. E Scola está lá, suando, se incomodando,
para fazer seu trigésimo sexto filme (eu disse TRIGÉSIMO SEXTO!). Pra
que? Será que esse cara, que começou a escrever roteiros com 21 anos,
já não desfrutou de tudo de bom que o cinema pode oferecer? Claro que
não! "Cinema" não existe para um realizador. Existem apenas
filmes. Ou o próximo filme.
Então, nesse momento da sua carreira, em que não há mais nada a provar
(e em que quase todo o mundo do cinema oscila entre a tecnologia máxima
e a idiotia total), Scola pode fazer – como um "gourmet" especializado
em produtos raros e exóticos - um filme sobre os freqüentadores de um
restaurante. Sem medo de desagradar certos paladares, sem medo de temperar
à moda antiga, Scola, com três outros roteiristas, imaginou uma galeria
de personagens e escreveu bons diálogos para quase todos eles. A seguir,
chamou atores e atrizes do primeiro time, incluindo alguns que são, como
o diretor, "velhos": Vittorio Gassmann, Giancarlo Giannini e
Stefania Sandrelli. Todos velhos, enrugados, desgastados. Todos maravilhosos.
Todos dispostos a contar uma história à moda antiga.
O
Jantar foi filmado com simplicidade, quase não tem música e zomba
descaradamente dos "efeitos especiais" do cinema contemporâneo.
O que não significa que o filme não tenha seu rigor formal. Ao lado do
espetacular Bertolucci, Scola parece representar a face menos brilhante
da moeda, mas é porque, ao contrário do colega (e apesar dos dois serem
bastante afinados ideologicamente), Scola é um "velho" clássico,
que já não tem tempo para supérfluos. Vai direto ao ponto, que foi, é,
e sempre será o ser humano.
Cada uma das mesas do restaurante mereceria um parágrafo, mas ficarei
com apenas uma: a de Giannini. Quem lembra do ator mais que intenso, do
vulcão sensual dos filmes Lina Wertmuller? Em O Jantar, ele é um
professor de filosofia que usa ligas para suspender os carpins, despertando
o desejo selvagem de uma jovem aluna. Giannini volta em grande estilo,
usando seus truques de sempre, e diverte-nos como no passado. Sua interpretação
de um suposto imbecil neoliberal (apenas para afugentar a jovem, impetuosa
demais) é das melhores cenas cômicas desse final de século. E das mais
arrasadoras politicamente, à medida em que, pouco depois, ele confessa
para Gassmann que não foi difícil se fazer de imbecil, pois muitas vezes
sente a imbecilidade dominá-lo.
Assim é o cinema desses velhos. Calmo, simples, feito sem pressa. Sem
dúvida nenhuma, o novo sempre vem. Mas quem disse que os melhores velhos
também não vem? Que venham. Que nos ensinem. Que nos emocionem. Que sirvam,
sobre a imaculada tolha branca à nossa frente, um bom prato de massa e
um bom filme. Para a vida ser perfeita, só falta a maravilhosa Fanny Ardant
para sentar ao nosso lado. E olha que ela já tem 50...
O
Jantar (Itália/França, 1998). De Ettore Scola
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Carlos Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A
Gente Ainda Nem Começou e Fausto). Em 2000, lançou
seu terceiro longa-metragem, Tolerância,
com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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