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CARTAS DO REICHENBOMBER - Opus 39

Uma das indagações mais recorrentes entre críticos e cinéfilos de carteirinha diz respeito aos motivos que fazem um diretor comprovadamente talentoso e/ou competente sucumbir à mediocridade de um período histórico e/ou à pressão dos grandes estúdios.

Os casos mais notórios de decadência súbita, curiosamente, são detectados entre os realizadores americanos que despontaram na década de 60, sendo o mais flagrante e inexplicável o de Arthur Penn.

"Bonnie and Clyde", de Arthur Penn

Penn começou com pé direito realizando o notável faroeste psicológico UM DE NÓS MORRERÁ (The Left Handed Gun - 58). Quatro anos depois alça o status de primeira linha com O MILAGRE DE ANA SULLIVAN (The Miracle Worker - 62). Em 1965, assina um drama kafkiano e autoral bastante apreciado na época pelos especialistas, MICKEY ONE. Em 66, dirige a atribulada produção CAÇADA HUMANA (The Chase) com Marlon Brando, Robert Redford e uma plêiade de atores de primeira. Para mim, particularmente, THE CHASE ainda é o seu melhor filme, apesar das dificuldades que teve em dar unidade para uma narrativa incompleta, cujo roteiro não foi integralmente filmado devido às atribulações com o estrelismo do elenco, incluindo abandono de set. Na seqüência, dirige o ainda clássico BONNIE AND CLYDE (Uma Rajada de Balas - 67), o pai de todos os filmes de violência explícita. Em 69, filma o inventário do "love and peace", DEIXE-NOS VIVER (Alice´s Restaurant). O filme seguinte PEQUENO GRANDE HOMEM (Little Big Man - 1970) foi outro merecido sucesso internacional.

Penn parecia ter se tornado o exemplo vivo da viabilidade do cinema como uma arte popular mas inteligente; acessível embora sempre antenada com o seu tempo. A partir da década de 70, houve uma reviravolta em sua carreira, cujas razões são misteriosas. Fez outros filmes, mas parecia ter perdido definitivamente o veio autoral ou desaprendido a contar histórias. Continua trabalhando, ao que parece voltado essencialmente para a televisão.

"O Caminho da Felicidade", um ode radical ao conformismo

Outro caso assombroso é o de John Frankenheimer. Quem assiste hoje filmes idiotas como O ANO DA FÚRIA, A SEMENTE DO DIABO, ATÉ O ÚLTIMO DISPARO e, sobretudo, aquela versão pavorosa da vida de Chico Mendes, com Sônia Braga, Raul Júlia, e o sempre ótimo Edward G. Olmos, cujo título é bom até esquecer, não consegue acreditar que Frankenheimer tenha sido o autor dos inesquecíveis: O HOMEM DE ALCATRAZ (62), o cultuado SOB O DOMÍNIO DO MAL (62), SETE DIAS DE MAIO (64), O SEGUNDO ROSTO (Seconds - 66) e O HOMEM DE KIEV (68).

É curioso notar que outros cineastas da mesma geração, como Robert Mulligan, por exemplo, que não foram tão incensados pela crítica no começo, acabaram realizando uma obra menos pretensiosa e muito mais coerente. No caso de Mulligan, o sucesso popular e o prestígio em Hollywood, só veio a acontecer no meio da carreira, com HOUVE UMA VEZ NO VERÃO (Summer Of 42) e A INOCENTE FACE DO TERROR (The Other), ambos de 72, embora ele já tivesse realizado filmes mais notáveis como FEAR STRIKES OUT (Vencendo O Medo - 57), TO KILL A MOCKINGBIRD (O Sol É Para Todos - 63), BABY, THE RAIN MUST FALL (título deslumbrante, burramente "traduzido" como O GÊNIO DO MAL - 64), INSIDE DAISY CLOVER (À Procura De Um Destino - 66), UP THE DOWN STAIRCASE (Subindo Por Onde Se Desce - 67) e THE PURSUIT OF HAPPINESS (uma ode radical ao inconformismo, lançada no Brasil com o título de O CAMINHO DA FELICIDADE - 70). É verdade que, após o sucesso com os dois filmes citados acima e o fim de sua parceria com o produtor Alan Pakula - que também se tornou diretor de cinema, mas num estilo mais cool e menos arrojado que Mulligan - sua obra caiu em desgraça. Embora tenha produzido e dirigido o filme mais anticomercial de Hollywood, THE NICKEL RIDE (Jogos de Azar - 74) - um drama chumbo grosso e depressivo sobre viciados em jogo, fotografado inteiramente com iluminação vertical onde mal se vê os olhos do atores - encerrou a carreira com uma péssima adaptação ianque de "Dona Flor E Seus Dois Maridos" e o chorumela CLARA´s HEART.

Da brilhante geração 60, um dos poucos que sobreviveram incólumes à década seguinte, foi Franklin Schaffner por ter realizado em 1977, o antológico A ILHA DO ADEUS (Islands In The Stream), uma comovente dramatização dos últimos dias da vida de Ernest Hemingway.

John Frankenheimer parece estar recuperando o prestígio especializando-se em filmes de ação. Mulligan e Schaffner faleceram, mas Penn continua devendo um retorno à altura de CAÇADA HUMANA e BONNIE AND CLYDE.

"Cidade Nua", versão de 1948

Toda esta introdução foi provocada por uma recém descoberta pessoal na estande menos visitada de uma locadora. Trata-se, aparentemente, de um piloto para série de televisão. Na verdade, uma atualização de uma festejada série de tv dos anos 60: CIDADE NUA (Naked City), por sua vez, inspirada no clássico longa metragem de mesmo nome, de Jules Dassin, realizado em 1948 e notório por ser um dos primeiros longas a misturar documentário com ficção.

A frase "There are eight million stories in the naked city. This has been one of them.", que encerrava o filme de Dassin, ficou famosa e era repetida em todos os episódios da ótima série televisiva que durou de 1958 à 1963 e teve como diretores, entre outros, Irvin Kershner, Buzz Kulik, Denis Sander, Boris Sagal, Elliot Silverstein, Jack Smight e Paul Wendkos. Todos estes diretores acabaram dirigindo posteriormente, no mínimo, um longa metragem respeitável. Os atores Paul Burke, James Franciscus e Harry Bellaver estrelavam a série e o belo tema musical de Nélson Riddle, o mesmo autor da música de Rota 66, tornou-se um marco. O produtor visionário Herbert B. Leonard foi para tv americana um equivalente ao nosso inesquecível Túlio de Lemos.

"Cidade Nua", versão de 1998

A Paramount Network Television e a Magum Productions tentaram ressuscitar a série clássica de Leonard em 1998, realizando dois longas metragens pilotos, com os ótimos atores Scott Glenn e Courtney B. Vance (um simpático senhor "moreno escuro", que nada tem haver com a viúva de Curt Korbain) como protagonistas. O primeiro dos longas tem o subtítulo de A KILLER CHRISTMAS, e narra as atribulações dos dois investigadores policiais para encontrar um "serial killer" de gays. A CIC está comercializando o vídeo deste filme no Brasil com o nome de CIDADE NUA 2 - NATAL ASSASSINO. Uma bela surpresa, não só pela competência do roteiro de um tal Christopher Trumbo (seria o filho de Dalton Trumbo?), mas por ressuscitar o diretor Peter Bogdanovitch.

Pois é, esse era um desses casos considerados perdidos. Bogdanovitch, após um início de carreira explosivo e promissor, naufragou na mesmice ou no erro de alvo. Quanto mais tentava fugir das amarras do sistema dos grandes estúdios mais arremessava sua trajetória ao vazio. É estimulante reconhecer que não perdeu, após uma sucessão de fracassos, a antiga habilidade de contar uma história sob uma ótica pessoal e intransferível. Talvez a falta de pretensão da série tenha sido uma dádiva. O que sobressai na tela, ou melhor no vídeo, é uma elegância rara no ato de flagrar momentos intensos, mesmo que aparentemente sem importância para a trama.

Bogdanovitch é uma raridade na indústria americana. Trata-se de um intelectual refinado que ama o cinema como poucos e o conhece a fundo. Pude presenciar num dos festivais de Rotterdam (Holanda) uma palestra de duas horas em que ele dissertou brilhantemente sobre a obra de John Cassavetes. Ao seu lado, a viúva e grande atriz Gena Rowlands, a tudo ouvia sem interferir, emoção estampada no rosto. No final, Bogdanovitch recebeu uma estrondosa salva de palmas e foi ternamente beijado no rosto pela sra. Cassavetes. Em nenhum momento, na recepção após a conferência, Bogdanovitch se mostrou arrogante ou blasé com aqueles que o cumprimentavam. Ao contrário, de todos fazia a questão de saber o nome, de que países eram e, se faziam cinema, se conheciam a obra de Cassavetes. Era como se ele, diante da grandeza de seu grande amigo, não existisse.

Que diferença, meu Deus, à decepção de ter conhecido pessoalmente realizadores americanos malas e/ou entediados como, por exemplo, Joe Dante, que durante uma hora só falou em dólar, dólar, dólar....

Não sei se a nova série de tv vai acontecer ou não, mas recomendo efusivamente aos leitores e amigos que aluguem o vídeo. Não se trata de nada incomum ou extraordinário, mas vale como um curso rápido de direção cinematográfica. E somado ao talento de seus protagonistas, a torcida para que o seriado aconteça é inevitável.

Reações à O ÚLTIMO PORTAL

Concordo em gênero, número e grau com seus comentários a respeito deste grande filme que é O Último Portal. E endosso suas palavras na seqüência da "paulada" na cabeça de Deep. Fiquei pensando com meus botões, logo depois de assistir ao filme, que esta cena era genial pois não é explícita e faz com você imagine o que aconteceu. Grande.

Sou maníaco por filmes de suspense e terror e parabenizo a abertura de seus comentários quando fala de H. P. Lovecraft e Cia. Mais maníaco ainda sou pelos livros que deram origens a filmes famosos como O Exorcista, A Profecia e O Bebê de Rosemary (grandes marcos dos anos 70) e de autores contemporâneos como o genial Francis Paul Wilson (autor de O Fortim , Renascido e Represália - se tiver tempo leia), Mark Frost (A Lista dos Sete e Os Seis Messias), Clive Barker (O Jogo da Perdição) etc., etc... O livro, obviamente, traz mais riquezas de detalhes e mal posso esperar para adquirir "O Clube Dumas" de Arturo Perez-Reverte que deu origem a este filmaço de Roman Polanski. Não chega ao nível do Bebê de Rosemary (É inacreditável a fidelidade de Polanski ao livro de Ira Levin), mas realmente surpreende.

Um abraço de,

Sérgio A. Bauchiglione

Eu gostei muito do filme, mas, também não entendi o porque da personagem "feminina". Você poderia me falar alguma coisa a respeito da tal personagem? Eu entendi que seria a personagem da figura nove, montada no dragão.

Atenciosamente,

Nélson.

Carlão, não sei da crítica internacional, mas estou com você em tudo o que disse sobre "O último portal". Um abraço.

Clovis Kemmerich

Para os fãs de Polanki como eu, lamento.

O Bebê de Rosemary, Busca Frenética, Chinatown, Lua de Fel, A Morte e a Donzela entre outros, criaram uma linha dentro de Hollywood, onde o suspense cresce e desenvolve com o desenrolar da história, onde de repente todos sabem o que esta acontecendo mas mesmo assim entramos na pele da vitima. O bebê.... marcou uma geração e quem não se lembra das suspeitas de Mia Farrow no filme???

Em Lua de Fel ou Chinatown a surpresa no final, a Morte e a Donzela que prende pela simples razão da filosofia contida no filme... Mas em O último ... Polanki escorrega, erra na mão, o suspense se transforma no óbvio e o final deixa a desejar, nem a presença de sua bela esposa consegue salvar o filme, ou a magnifica interpretação de Johnny Deep, na pele de D.Corso.

Numa película que tenta criar uma atmosfera de terror, de Nova York a Europa, entre hotéis luxuosos e ruas escuras, tudo tenta criar um cenário de medo, mas de Terror, apenas uma presença do livro e as citações de Lúcifer, mas numa época de "arrastão", tiros entre torcidas organizadas, skinhead, trombadinhas, crak, Lúcifer se torna apenas um simbolismo de uma época onde havia uma penumbra de mistério para tentar criar o Bem e o Mal..

O filme só não se transforma em um Titanic pela presença de Deep e pela beleza Emanuelle, mas infelizmente tudo é tão obvio e previsível que de thriller pouco tem...

André Eduardo Zanarella Ferreira

Livro usado em "A Dança dos Vampiros"

O filme de Polanski mexeu tanto com a minha cabeça e com a do crítico e cineasta Jairo Ferreira que passamos uma tarde inteira em busca das referências bibliográficas citadas no filme. Visitamos todo os sites dedicados ao estudo aprofundado de ocultismo e outros ismos mais à margem. Devastamos o Index completo da Inquisição e descobrimos algumas curiosidades, incluindo fac-similes de livros raríssimos, inclusive, o que deu origem à A DANÇA DOS VAMPIROS.

Confirmamos que Polanski sempre esteve ligado ao assunto e ao seu lado mais político, tanto que era amigo pessoal de Anton Szandor LaVey, o mentor do moderno satanismo, que aparece em O BEBE DE ROSEMARY fazendo cena de sexo com Mia Farrow, encarnando o seu próprio mestre. Mas, que não se filie o fanatismo imbecil e assassino de Charles Manson às idéias de LaVey, porque são absolutamente antagônicas. Uma visita ao site francês da Igreja da Blasfêmia, dedicado a LaVey, pode surpreender e/ou decepcionar os babões que esperam de sua filosofia a apologia do mal e da sandice.

Sem querer exercer o papel de advogado do próprio, é possível afirmar que Polanski e LaVey defendem essencialmente o livre arbítrio, ou em última instância, o direito à individualidade. São absolutamente contra todos os fascismos autoritários do catolicismo ortodoxo. E mais, os integrantes da seita são caretas por excelência e abominam qualquer tipo de droga.

Pasmem, o primeiro mandamento de LaVey é: "Não tente impor as suas idéias à quem não está interessado em ouví-las.". Qualquer semelhança como o ideário libertário não me parece mera coincidência.

Livro citado em "O Último Portal"

Antes que amigos e bombers façam falsas deduções, vou logo afirmando que não tenho nada a ver com esta igreja ou qualquer outra. De dogmas eu quero distância, mas não me acomodo em não tentar conhecer como pensam os contrários.

Vale dizer que Polanski levou seu filme muito mais à sério do que se pensa, que sabe muito bem do que está falando, embora tenha afirmado que buscou dosar a trama com seu humor peculiar.

Em nossa investida pelos livros citados no filme só não encontramos nada referente ao tal livro co-escrito pelo "outro". Nem no Index da Inquisição é possível encontrar a obra do hipotético autor veneziano. Todos os outros livros foram detectados, e se alguém estiver interessado em conhecer os codinomes de Mefisto pesquisados por Plancy em DICIONÁRIO INFERNAL, visite o site abaixo. Ninguém vai morrer por causa disso.

https://main.amu.edu.pl/~rafalp/HERM/PLANCY/plancy.html

Há um site dedicado à obra de Polanski, com versão em inglês:

https://www.cafeinternet.co.uk/polanski/index2.html

Há uma ótima entrevista de Polanski sobre o filme em questão para o jornal Liberation, em francês, no endereço:

https://www.liberation.com/quotidien/portrait/port990826.html

Quem tiver a vontade e a coragem de conhecer o pensamento de Anton LaVey, vai se surpreender com as suas onze regras essenciais (para os incautos, a advertência - esse site não é nada convencional) no site francês:

https://www3.sympatico.ca/genevive.dumont/psycho.htm

LaVey foi muito ridicularizado em vida. Quando Nick Zeed, do "Cinema Of Transgression" foi entrevistado por um imitador babaca de Jay Leno, num canal de tv americano tipo SS, escandalizou tanto o infeliz que foi comparado por ele, em pleno ar, à Anton LaVey: "Vocês dois são as pessoas mais abomináveis que eu já entrevistei!". Nick Zedd arrematou na lata e, também, ainda no ar: " Vindo de um idiota como você esse é o maior elogio que eu já recebi!".

O entrevistador sensacionalista desconhecia uma das regras mais controversas de LaVey: "Se alguém ridicularizá-lo publicamente, ou as idéias em que você acredita, seja implacável, ataque-o sem piedade!".

Finalmente, só para quebrar o clima, visitem o site humorístico MODERN RIDICULE, que enumera os Top 100 entre "as personalidades mais absurdas do século".

https://www.cam.org/~ntworld/ridicule/

LaVey aparece logo acima de Edgar Allan Poe. O texto sobre Poe é de rolar de rir.


CARLOS REICHENBACH



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