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CARTAS DO REICHENBOMBER - Opus 41
Enfim, Cannes se rendeu ao mais original dos cineastas da atualidade. Depois de adotar a câmera de vídeo digital semi-profissional, a VX-1.000 da Sony, como suporte no transgressivo OS IDIOTAS, Lars Von Trier usou a tecnologia mais avançada do sistema para rodar o musical operário DANCER IN THE DARK, Palma de Ouro 2.000. Depois de trafegar pela estética do mínimo, gastou quase quinze milhões de dólares para experimentar a linguagem do audiovisual apoiado em cem câmeras de alta definição. Von Trier não se repete nunca. Cada filme parece um exercício terminal. Em OS IDIOTAS aboliu a música, no filme premiado faz a canção dialogar com o discurso. É quase inacreditável que esse cidadão, que faz questão de afirmar não possuir nenhum aparelho de tv em sua casa, seja justamente o realizador que melhor tenha filmado experimentalmente para a telinha - quem viu a série televisiva THE KINGDOM não saiu indeferente.
Apesar de ESTORVO de Ruy Guerra não ter ganho nenhum prêmio - na certa, um filme para ser valorizado em seu devido tempo - o bomber se sentiu gratificado. O juri oficial, premiou o filme QUADRO-NEGRO de Samira Makhmalbaf, produção da FÁBRICA (Benetton), co-produtora também do primeiro longa-metragem de Laís Bodanski (em fase de montagem, na Itália) O BICHO DE SETE CABEÇAS, no qual a empresa Dezenove Som e Imagens, do qual sou sócio, tem participação. Em meu nome e no de minha sócia Sara Silveira, parabenizamos Marco Müller (diretor da FÁBRICA), que trouxe o filme de Samira para a França, debaixo do próprio braço, evitando assim ter que submetê-lo ao crivo da censura iraniana. A FÁBRICA repete assim, o mesmo sucesso do último Festival de Veneza, onde sua (acredito eu) primeira produção GUO NIAN HUI JIA (Dezessete Anos) de Zhang Yuan ganhou o prêmio de melhor direção. Nesta trilha, é possível prever um belo trajeto para o filme de Laís Bodanski.
Aqui por estas plagas, dois lançamentos recentes em vídeo, um deles direto para o suporte, chamaram a atenção do escriba. O tão aguardado NEW ROSE HOTEL, do desvairado Abel Ferrara, adaptado de uma história do Pound do cyberpunk, William Gibson, nem chegou às telonas. O sugestivo título de ENIGMA DO PODER, fica somente por aí. Uma decepção imensa. Durante uma hora, Ferrara surpreende, ao retomar a atmosfera e o estilo de Godard em ALPHAVILLE e, sobretudo, do panda dourado ANTECIPATION, genial intervenção do demiurgo no longa em episódios A MAIS VELHA PROFISSÃO DO MUNDO. Como considero ANTECIPATION e LE MÉPRIS, dois dos melhores filmes que vi na vida, mal me contive na cadeira durante a primeira metade de NEW ROSE HOTEL. Lá estão as mesmas cores agressivas, os mesmos cortes abruptos, a mesma dispersão "filosófica" do olhar (que um crítico francês chamou de insights ideológicos), e como se não bastasse, o filme conta ainda com três atores mitológicos: Christopher Walken, William Dafoe, e, é claro, Ásia Argento. De um momento para o outro, o filmaço vira pica-pau. Irritante é o adjetivo mais discreto que se pode dar à inesperada falta de assunto que assola o filme em seu terço final. Pior, Ferrara começa a contar o filme inteiro, quase cena por cena, num flash-back interminável, no intuito de revelar o óbvio ululante. Os detratores de Ferrara irão fazer a festa com este filme inacreditável.
O outro lançamento é o festejado FELICIDADE (Happiness) de Todd Solondz. Um caso típico de transgressão de festim. Realmente, o filme impressiona numa primeira visão. A tal história do exemplar pai de família que se revela aos poucos um pedófilo abominável, lembra, e muito, as traquinagens mais softs de Kevin Spacy em BELEZA AMERICANA, e assim como o filme de Sam Mendes, FELICIDADE também não resiste à ressaca do dia seguinte. Que me perdoem os leitores, mas mostrar esperma pingando ou espirrando na parede, não quer dizer absolutamente nada. Qualquer pornochanchada brasileira da década de setenta era mais subversiva que esse viés "crítico" e insolente que assola o cinema americano atual. Para dizer a verdade, há um certo tom reacionário nestes filmes "moderninhos", que no fundo só contestam a miséria da democracia ianque. No fundo, são obras extremamente moralistas, porque seus disparos só atingem a classe média periférica. De tão suspeita, a contestação avalizada pelos grandes estúdios, sempre acaba sendo contemplada galhardamente pelo sistema. Àqueles que esperam chumbo grosso na boçalidade arrogante da matriz, recomendo qualquer filme, menos afetado e mais rascante, do nada diplomático Jack Hill.
Ainda Polanski Adorei o sistema de classificação, além de bem-humorada, presta um excelente serviço à causa ambientalista, apesar que algum ecólogo renitente possa não gostar do fato de o pica-pau representar filmes irritantes, mas há de se fazer o que? Seu comentário sobre Halle Berry é totalmente pertinente, o filme já está entre os que tenho que assistir, mesmo porque sempre gostei desta menina, que além de linda tem talento proporcional. Quando a vi pela primeira vez foi em um daqueles filmes na linha Duro de Matar (se não me engano, Momento Crítico com o Kurt Russel). Fiquei extasiado, ela tem um carisma imenso e ainda provou ser ótima atriz em Politicamente Incorreto, que deve ter sido o melhor filme dirigido pelo Warren Beatty. Pelo menos o mais corajoso. Espero que ela apareça em mais e melhores filmes, e que não fique relegadas a coadjuvante de luxo. Ela merece bem mais. Bom, sei que já deve ser cansativo ouvir isso, mas não consegui retirar todo o prazer que você retirou de O Último Portal, do Polanski. Não irei discordar da pesquisa realizada para a realização do roteiro e como é tratada de maneira adulta e com certa verossimilhança a questão do demonismo (isso está certo?), mas o que mais me intriga é que o medo, aquele elemento quase concreto em O Inquilino e O Bebê de Rosemary não me pareceu presente. Enquanto estes filmes tratavam do medo que poderiam estar na casa ao lado, presentes em situações corriqueiras, O Último Portal elevou o demônio a algo tão erudito e intelectualizado que o suspense perde-se nas labirínticas bibliotecas que surgem durante o filme. A ironia existe, mas talvez não tão ferina como em Chinatown ou em Lua de Fel ou, mesmo, em A dança dos vampiros. Ali escorria veneno, uma aguçada visão da humanidade, de uma forma geral, sem restrições. Para mim, como está, O Último Portal só mostra a esnobe classe senhorial e seus costumes fúteis sendo destroçados (não que eu não goste disso), mas me parece muito vingança marxista. Não combina com um Polanski que vê a decadência humana independente da classe social. Mas aí já estou em pura viagem metafísica. E o que eu mais me decepcionei foi a falta de sensualidade. Que Emanuelle Seigner é linda, isso já sabemos desde Busca Frenética, mas ali está me faltando um elemento essencial, uma ebulição sexual que só surge no final e de forma muito pouca sensual, é quase gratuita aquela nudez. Não vou negar que a excelência técnica e narrativa de Polanski permite coisas como a cena do ataque na biblioteca, ou a incrível fuga nas escadas na beira do Sena (corrija-me se estiver errado, e devo estar), mas acho pouco provável que estas tantas cenas tragam prazeres a pessoas que não estejam acostumadas a viver da técnica cinematográfica. Talvez o público casual de cinema, espere mesmo bons sustos, ou um clima de terror opressivo. Eu, sinceramente, fico entre duas correntes. Me agrada demais as qualidades do diretor, tanto que em muitas cenas eu me perguntava como foram feitas, mas a emoção não ocorria, aquele momento mágico de entrar na história e viver um universo novo. Se a intenção era nos manter longe do drama (coisa mais brechtiana!), Polanski conseguiu com certeza. Mas isso sei que muitos irão discordar. Está dito. Só para terminar, Magnólia merece um panda. Um abraço de MÁRCIO DUTRA Márcio Dutra escreve uma coluna semanal, aqui mesmo no Terra, que merece ser visitada. Sua análise de MAGNÓLIA, me obriga a assumir a cotação máxima, mesmo sem ter visto, ainda, o filme inteiro (devido à uma confusão de horário, perdi vinte minutos do início). É óbvio que irei rever o filme, porque por duas horas e tanto voltei à ter fé no novo cinema americano. Pode estar certo que ficarei antenado nas suas indicações do endereço: https://www.terra.com.br/cidades/sma/colunas/gosto-008.htm Caro Carlos, Concordo com sua opinião sobre o último Polanski. Fui ver o filme sozinho num cinema pouco visitado do centro da cidade, e isto contribuiu muito para a atmosfera opressiva imposta ao filme pela mão firme do diretor. Só uma coisa, o ator tão merecidamente elogiado em sua crítica e por opiniões de outros internautas vem sendo rebatizado, pelo que vi. Só a título de colaboração o nome da fera é Jonnhy Depp, e não Deep ou Dep. Um abraço do fiel leitor, VALCIR ORTINS O MUNDO DE ANDY Hello, Carlos. Estou escrevendo de novo para você. O filme que vi no domingo foi Man on the Moon (O Mundo de Andy) de Milos Forman. O filme traz como astro Jim Carrey, que, diga-se de passagem, está ótimo. Ele foi perfeito para interpretar Andy Kaufman, o comediante muito louco que passou uns tempos no Saturday Night Live, programa americano que revelou humoristas do porte de Eddie Murphy, Steve Martin, Billy Crystal e outros... Ele era muito maluco... Só pra você. ter uma idéia: Tem uma cena que ele vai se apresentar ao vivo para uma platéia que gosta dele pelo programa que ele fazia na TV(uma sitcom). Ele pega um livro do F.Scott Fitzgerald e diz que em vez de fazer um número de comédia, ele vai ler o livro. A princípio todo mundo ri. Só podia ser mesmo uma piada. Mais aí, ele lê o livro mesmo. Só sobram umas três pessoas, numa platéia de centenas.Ele levou a sua idéia de "pegar" o público às últimas conseqüências. Tem outras pegadinhas muito doidas... Mas o filme também conta o lado sério da vida de Kaufman: de quando ele pega câncer no pulmão aos 35 anos de idade. Grande filme de um cineasta que gosta de falar de estranhos no ninho. Seus filmes Um Estranho no Ninho, O Povo Versus Larry Flynt e Amadeus são ótimos exemplos. Man on the Moon não fica atrás. Ah...e o filme também tem participação da viúva de Kurt Cobain... Um abraço AILTON MONTEIRO PS: Comprei o disco novo da Marisa Monte. Você já viu o site dela? Um arraso... Ailton, escreva sempre. Tenho deixado de assistir muitos filmes preciosos por conta de um outro filme, ainda em gestação. Milos Forman é um diretor de respeito. Sua biografia de Larry Flint é magnífica e dá um baile nestes pretensos contestadores de Armani, tipo Sam Mendes. Forman filma gente escrota com dignidade e sem nenhuma assepsia pedante. A pouca repercussão de O MUNDO DE ANDY só faz crescer a nossa curiosa perplexidade. VILLA-LOBOS Caro Carlos, estava realizando uma pequena pesquisa atrás de dados sobre o filme Villa Lobos, já que tenho que escrever uma crítica sobre ele, e dei com teu texto. Os dados eu obtive - aquela coisa, nome de personagens/atores, duração de filme, etc. Só que depois do teu texto as coisas pioraram. Eu tive a mesma impressão que a tua. Fiquei feliz da vida! Agora, com as escassas 3 horas que tenho para escrever meu texto, vou ter que procurar outros "motes", outro "lead"... Mas continuo feliz da vida. Concordo com tua visão e também saí super agradecido de ter ouvido música das mais bonitas do mundo e ter visto um personagem super legal (concordo, mais o Antônio Fagundes) emergir das telas. Abraços, Vitória/ES ALEXANDRE CURTISS ALVARENGA Fiz questão de publicar esse e-mail do amigo Alexandre, crítico de cinema de A GAZETA do Espírito Santo, porque confirma a má vontade, quase exclusiva, da crítica paulista em relação a este belo e íntegro filme de Zelito Vianna. O que me assusta é que o mesmo tratamento, por antecipação, está sendo dado à ESTORVO de Ruy Guerra. Pior, para falar bem do outro filme presente em Cannes, EU TU E ELES, insistiu-se em apontar a recepção fria dada pela crítica estrangeira ao arriscado e experimental novo filme do autor de OS FUZIS, e especular sobre erro na escolha do representante nativo pelos organizadores do evento. Qualquer neófito em festival sabe dos riscos que corre quem dá a cara para bater. Ruy fora para a arena armado de tolerância. Mas não foram só dedos apontados para baixo que o filme recebeu. A crítica do Le Point, por exemplo, teria dado a Palma de Ouro à Ruy Guerra. A condição de estar ausente da disputa, aparentemente, só favoreceu o filme de Andrucha Waddington. Esperamos, sinceramente, que o filme seja tudo isso que os críticos locais incensaram; mas esse jogo perverso de atirar um filme contra o outro, é insano. O estilo VEJA de analisar filme brasileiro está se tornando contagioso. Saravá ! |
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