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CARTAS DO REICHENBOMBER - Opus 42


Agora é definitivo. O negativo cinematográfico e as pesadas câmeras 35 milímetros estão começando a ser aposentadas. Aparentemente, todos os problemas do sistema digital, com relação à qualidade na captação de imagens e sua manipulação no acabamento final, começam a ser resolvidos com uma revolução denominada "Digital 24P High Definition". Quem quiser conhecer esse novo sistema de cinematografia digital deve ficar de olho no clipe do U2, "The Ground Beneath Her Feet", canção que faz parte do novo longa metragem de Wim Wenders, O HOTEL DE UM MILHÃO DE DÓLARES. Ao que consta, o filme não é lá grande coisa. Wenders parece ter se abraçado com a Sony. Após ter filmado BUENA VISTA SOCIAL CLUB, equipado de duas ou três DV Camcorders DCR-VX 1.000 (a mesma empunhada por Lars Von Trier em OS IDIOTAS), custo médio de US $ 4.100 em Nova Iorque, experimentou o novo sistema para filmar o grupo de seu amigo Bono Vox.

Para se ter idéia de como o sistema está tomando conta rapidamente da produção mundial, basta saber que a Panavision, uma das líderes mundiais no suporte e no design de câmeras, lentes e assessórios da comunidade cinematográfica e televisiva, acaba de adquirir cem camcorders HDW-F900 da 24P, num investimento inicial de US 18 milhões. A Panavision vai modificar as camcorders para poder acoplar suas novas lentes Primo Digital. A intenção é trabalhar em conjunto com a Sony para o desenvolvimento do sistema 24P, em todas as etapas da realização de filmes.

Wenders filmou O HOTEL DE UM MILHÃO DE DÓLARES em Super 35 mm, mas a qualidade do digital usado no clipe foi elogiadíssima por Robby Müller, antigo parceiro de Wenders e que tem sido o diretor de fotografia que mais tem testado os novos sistemas.

Asia Argento filmando certo

Müller foi o responsável pelas imagens da recente Palma de Ouro, DANCER IN THE DARK, de Lars Von Trier, totalmente rodado no sistema digital, com câmeras DVCAM DXC-D30WSP, adaptadas para o quadro cinemascope. Em uma das seqüências musicais, chegou-se a utilizar cem câmeras do mesmo modelo, já que o diretor queria cobrir todos os ângulos possíveis de cenas coreografadas, tendo em vista a inexperiência, como atriz, da cantora islandesa Björk.

Ainda em Cannes, foi apresentado no mercado de filmes, o longa-metragem de estréia da atual musa do cinema europeu, a nossa conhecida Asia Argento, SCARLET DIVA. Produção de Dario e Cláudio, respectivamente pai e tio da petutinha dark. O curta-metragem lançado em Locarno 99, e já comentado aqui na coluna, fazia prever um talento nato para o gótico (aliás incorporado socialmente pela própria, já que, na ocasião, subiu no palco para apresentar seu filme totalmente maquiada de branco e os lábios pintados com batom escuro) e/ou mórbido. SCARLET DIVA, que narra o calvário de uma estrela de cinema, interpretada pela própria diretora, submersa na futilidade, nas drogas e no desamor, deve seguir mesma a linha "maldita". O maior interesse do filme parece residir justamente na captação das imagens, feitas com duas Betacam Digitais Camcorders DVW-790WSP e uma DSR-PD100P DVCAM.

"Le Vertige", de Marcel L, Herbier

A opção por esse equipamento foi determinado pela quantidade de locações exigidas: Roma, Amsterdam, Paris, Los Angeles e Suíça. Em pouquíssimas cenas foi utilizada iluminação artificial, à ponto de um único eletricista ter acompanhado o filme todo. Outra vantagem adicional, foi a possibilidade de repetir as cenas inúmeras vezes, já a diretora e roteirista é, inclusive, a atriz principal. O produtor Cláudio Argento reclama apenas do custo, ainda muito alto, da transferência do material editado para o negativo 35 milímetros, no sistema Kodak Cineon, mas acredita que com o volume cada vez maior de filmes que estão sendo kinescopiados (de tape para negativo), o custo se torne gradativamente irrisório.

"Vendemiere", de Louis Feuillade

Pode ser complicado para um neófito decorar todas estas novas siglas técnicas, mas é importante estar acompanhando toda a evolução da captação digital para não se perder mais tempo e oportunidade. O futuro é DV. Vale a pena pensar duas vezes antes de comprar aquela camcorder que está à preço de banana no magazine ou no shopping center da esquina. Com um pouco mais de curiosidade, paciência e, lógico, dinheiro, é possível ter nas mãos seu futuro aparato de filmagem.

"Les Vampires", de Louis Feuillade

Do moderno ao clássico, aqui vai uma sugestão e tanto. Quem quiser conhecer melhor os primórdios do cinema francês deve visitar o site Les Indépendents Du 1er Siècle. Embora ainda em construção, o endereço permite o acesso à bio-filmografias de cineastas como Marcel L’ Herbier, Louis Feuillade, Emille Cohl, Max Linder, Emile Reynaud, Marcel Pagnol, Julien Duvivier e vários outros. O material visual é belíssimo e as informações preciosas. Pelas fotos anexadas é difícil não concordar com as teorias recentes à respeito da deformação cromática e pictórica das novas gerações.

https://www.lips.org/

Esta semana não tem cotações eco-cinéfilas porque minha ida ao cinema se restringiu a testemunhar o impacto junto à platéia jovem do Espaço Unibanco, com o filme CRONICAMENTE INVIÁVEL, de Sérgio Bianchi.

Trata-se de uma saraivada de cuspe para todos os lados. Uma metranca desvairada que dispara indignação à esmo. Tem quem ache o melhor filme nacional dos últimos anos. Tem quem ache o filme mais irracionalista e fútil que Casseta e Planeta. Eu não acho nada ... ainda! Como disse um ensaísta dominical, existem filmes que precisam ser decantados: CRONICAMENTE INVIÁVEL é um deles. Num primeiro momento, o filme fascina e assusta. Na seqüência, irrita pelo excesso de retórica e por uma chantagem terrorista de inconformismo. De qualquer maneira, surpreende por ser tão fiel ao seu autor, pelo desfecho sublime e pela montagem cúmplice, moderna e criativa, de Paulo Sacramento. Outro aspecto notável é o impressionante rendimento que Sérgio Bianchi extrai de seus atores e figurantes. Há uma seqüência em especial, que me deixou de cabelo em pé e dois amigos presentes revoltados. Na cena, dois policiais revistam, sem nenhum tato, cinco pivetes numa rua central do Rio De Janeiro. O que na tela mais parece uma cafajestada à Gualtiero Jacopetti (que armou uma "caçada humana" com mercenários em AFRICA ADEUS), foi totalmente encenada com meninos que vieram dos cursos de teatro do grupo Nós do Morro, do Vidigal, uma favela carioca localizada entre o Leblon e São Conrado, conforme a própria diretora de produção do filme. Essa informação se torna necessária já que alguns espectadores saem da sala imaginando um certo "cinema verdade". Como a prática não é absolutamente inédita, fica aqui registrado o esclarecimento.

CRONICAMENTE INVIÁVEL é um filme obrigatório; mesmo que se odeie, é impossível sair no meio.

Aos leitores cariocas, a dica imperdível da semana é o V FESTIVAL DO CINEMA UNIVERSITÁRIO, que se inicia, em Niterói, no dia 01 de Junho. Para conhecer a programação e se inteirar da homenagem que será prestada, merecidamente, ao cineasta Maurice Cappovila, visitem a elogiada home page do evento:

www.festivaluniversitario.cjb.net

V FESTIVAL BRASILEIRO DE CINEMA UNIVERSITÁRIO

O Festival de Cinema Universitário chega à sua 5ª edição com o dever cumprido: tornou-se ponto de referência para milhares de estudantes ligados ao audiovisual, que passaram a ter nele um espaço para exibição e discussão da produção. Produzido pelos alunos de cinema da Universidade Federal Fluminense, desde 1995, o festival é um espaço aberto aos jovens realizadores, funcionando como circuito alternativo para os curtas em película (o mercado é dominado pelas produções de alto custo) e para os vídeos (geralmente exercícios que não encontram repercussão externa).

Contando com o patrocínio da Prefeitura de Niterói e da Kodak, serão exibidos no Festival mais de 200 títulos divididos em quatro mostras (competitiva de curtas, informativa de vídeos, escolas internacionais e homenagem), além de sessões especiais e duas pré-estréias. O Festival acontece de 1º a 11 de junho, com sede no cine Estação Icaraí, em Niterói, e exibições ainda no Cinema da Estácio de Sá e no Estação Botafogo 3.

Importante: AS SESSÕES SÃO GRATUITAS.

Correspondência Ao Bomber

Lendo uma das suas últimas cartas - sempre incisivas - sobre o destino melancólico de cineastas americanos outrora importantes, principalmente o caso de Arthur Penn, fiquei com vontade de compartilhar algumas idéias.

Arthur tem feito alguns filmes para a TV cabo, mas sua carreira TV fim mesmo com o nostálgico Amigos Para Sempre, no comecinho da década de 80. Tempos atrás, assisti um documentário produzido por Richard Corliss sobre Penn, que parecia muito feliz como diretor do Actor's Studio. Mas, de alguma maneira incompreensível, ele deixou no caminho uma obra que merecia ser continuada. É triste, mas Penn desistiu e fugiu de Hollywood. Ele deve ter lá suas razões.

Há muito que estava querendo escrever para você. Mas por mil razões, sérias e banais, fui deixando o tempo passar e nada. Tive oportunidades ótimas como a enquete dos filmes perturbadores e ignóbeis. Além de falar sobre Penn, encontrei um gancho para lhe escrever. Na verdade, é uma informação de interesse muito grande para quem tem em Samuel Fuller como um dos luminares da história do cinema. O canal Cinemax está prometendo duas jóias da Fuller para junho: A Lei dos Marginais (Underworld USA) e O Quimono Escarlate (The Crimson Kimon). Depois daquela mostra do Telecine 5, estes dois filmes continuam a manter a chama de Fuller.

Gostaria de compartilhar com você e seus leitores, a existência do site Kinema:

https://www.kinema.com.br

Sua opinião sobre ele seria muito importante. Eu o mantenho com a ajuda de alguns amigos e jornalistas que também escolheram o cinema como uma espécie de religião.

Grande abraço,

Ernesto Barros - Editor do site Kinema

O site Kinema é um dos endereços mais oportunos para quem se interessa em pensar o cinema. Compartilho de sua opinião em destacar A LEI DOS MARGINAIS e O QUIMONO ESCARLATE, que ao lado dos soberbos O BEIJO AMARGO (Naked Kiss) e PAIXÕES QUE ALUCINAM (Shock Corridor) estão entre os melhores da filmografia fulleriana. Basta lembrar, que embora contemporâneos, os desfechos de UNDERWORLD USA e ACOSSADO (La Bout De Soufle) de Jean-Luc Godard são idênticos, à ponto de não se saber quem "roubou" de quem ou se foi uma espantosa sintonia criativa.

No mais, Ernesto, não se esqueça de conferir CIDADE NUA 2, o belo e discreto retorno com baixo orçamento, de Peter Bogdanovitch.

Foi ótimo ler sua crítica do "Felicidade". É exatamente o que eu pensava. Na verdade, gostei do filme - mas, depois de ver o filme do Bianchi, esse sim um símbolo de independência e insolência críticas, aí percebi que, para ser subversivo, o buraco é mais embaixo...

Abraços,

Ronaldo Bressane - Revista Trip

Holas, Reichenbach

Só para avisar que o link para a página do Márcio Dutra comentando Magnólia está errado.

O correto é:

https://www.terra.com.br/cidades/sma/colunas/gosto-008.html

Ok, no mais, tudo está 10.

Parabéns.

Rodrigo Sensever

Caro Reichenbach,

não gostei muito de sua decisão de dar um tempo no cinema e ver vídeos obscuros em casa. O legal é compartilhar de suas opiniões sobre o que está mais ao alcance do público geral. Tudo bem que é sempre bom ver tesouros ocultos em locadoras ou na televisão paga, mas nada como uma sala de cinema.

Acho que Gladiador não lhe fará mal, como Magnólia, afinal se trata de um superprodução de 100 milhões de dólares. Algo impossível para os padrões brasileiros. Por falar em filmes brasileiros, o que você achou da repercussão do longa Eu, Tu e Eles no festival de Cannes? Legal, não é?

Voltando a Gladiador, o filme é extraordinário, nos transporta para o ano 180 a.C., no final da era de áries, quando os homens eram mais violentos e corajosos do que os de hoje. Naquele tempo, valores como coragem estavam mais em voga. As pessoas eram mais cruéis e o que hoje a gente considera esporte violento como box ou futebol americano, naquele tempo eram bem mais. Imagine só entregar gladiadores num palco visto por centenas de pessoas ávidas por sangue sabendo que só um sobreviverá. Às vezes colocavam animais, como tigres e leões, só pra ver no que ia dar. (Essa era superviolenta teve o seu final com a morte de Jesus, quando foi instituída a era de Peixes, e valores como humildade e espiritualidade surgiram em todo o mundo.)

No filme, Russel Crowe é um general do Império Romano que é escolhido pelo próprio Imperador para ser o seu sucessor. O filho do imperador, interpretado por Joaquin Phoenix, sabendo disso, decide matar o próprio pai e assumir o trono. Manda matar então o general Maximus (Crowe). Ele foge, é capturado por um vendedor de escravos, e se transforma num gladiador. O melhor de todos.

Há seqüências de encher os olhos como o início, quando os romanos invadem a Germânia, numa floresta devastada. Há outras ótimas seqüencias de luta entre gladiadores.

Gladiador, na minha opinião, já está entre os 10 melhores de 2000.

Um abraço

Ailton Monteiro - Fortaleza

Aos amigos leitores, um esclarecimento. Os endereços apontados nos e-mails, eu apenas copio e anexo no meu processador de texto (no caso, e por hábito, no WordPerfect). Como não foi a única reclamação de leitor, referente à impossibilidade de acessar a página do colega Márcio Dutra, fica aqui a ratificação.

Quanto ao comentário do bomber Aílton, de Fortaleza, referente aos vídeos que tenho assistido, afirmo que de obscuros eles não tem nada. Ainda hoje, pude rever EUROPA 51, do sempre magistral Roberto Rosselini, o que compensa, e muito, uma jornada pouco memorável aos bons cinemas de São Paulo.

Numa das minhas últimas empreitadas a uma das privilegiadas salas Dolby Stereo SR dos shoppings locais, tive que dividir a atenção entre o filme na tela e a conversa de uma senhora de sotaque europeu, que falava em alto e bom tom com sua amiga (ou amante, sei lá) através de um telefone celular. Foram vinte minutos (eu disse, vinte minutos!) de tagarelice chic do tipo: "Hoje não estava a fim de bridge!". Baixou o Massaranduba no Bomber, e após um entrevero nada cordial, a madame saiu do recinto sob os apupos do resto da platéia. Nem lembro mais qual era o nome do filme, pois a minha paciência já tinha ido para o vinagre.

Ainda bem que, chegando em casa, consegui detectar a tempo, num canal a cabo, um filme abominado pelos críticos de plantão: THE BLUE BROTHERS 2.000. Grande John Landis, o mais talentoso dos artesãos de Hollywood. Pude enfim, canalizar toda a minha fúria cinéfila (e de cidadão) para os detratores do cinema da diversão. Aos críticos, as batatas. Se o filme é cabeça, eles chiam. Se o filme é quente, livre, delicioso, filmado com tesão e amor ao blues, e ainda com as azeitonas na empada de Aretha Franklin, James Brown e B. B. King, eles ficam "miguelando" estrelinhas ...

Para encerrar esta missiva, vai aí a provocação: uma zebrona gorda e bem listrada para Landis e seu saudável escarcéu ... Shake, baby, shake!


CARLOS REICHENBACH


Comentários, desgostos, bombas e coquetéis podem ser enviados para: reichenbach@terra.com.br

Visite a home page do cineasta: https://members.xoom.com/creichenbach


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