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Entre as Pernas
De Manuel Gómez Pereira
RAPIDINHO
Não gosto de filmes em que faltam peripécias (de qualquer tipo), ou em que faltam personagens, ou em que faltam desafios para o espectador. São filmes rasos demais, ou fáceis demais, ou chatos demais. Por outro lado, também há filmes com peripécias e personagens demais, ou com tantos desafios para o espectador que este cansa na metade do caminho. Este é o caso de Entre as Pernas, um filme ousado, muito bem dirigido e interpretado, mas que exagera na tentativa de "fazer cinema" a cada cinco minutos.
AGORA COM MAIS CALMA
Além dos exageros narrativos, creio que Entre as Pernas também fica meio indefinido quanto ao realismo de sua ação. O começo do filme é um bom exemplo: homem chega em casa acompanhado de uma trilha de suspense, bem carregada, abre a porta e... surge sua filha correndo para abraçá-lo. Este parece ser um indicativo de uma narrativa que vai brincar com o gênero policial, desmontando a sua estética "made in USA". Mas, pouco depois, temos uma cena muito forte e sensual que envolve o homem, sua filha e a babá, prometendo um filme que vai fundo na questão erótica. Corta para uma sessão de "sexólatras anônimos" e descobrimos que o nosso homem é o "conselheiro" da turma, o que aponta para um filme sobre os exageros da conduta sexual, sobre a angústia de não dominar os sentidos. Entretanto, menos de dez minutos depois, descobrimos que esse homem não é personagem da história. São três "viradas" temáticas seguidas, o que pode parecer divertido (e é), mas acaba cansando, porque as "viradas" não param de acontecer o filme inteiro.
Os dois personagens principais - interpretados por Victoria Abril e Javier Bardem - interagem com um batalhão de coadjuvantes, alguns fundamentais para a trama (como a "mulher" que grava as conversas de Bardem) e outros absolutamente dispensáveis (como o policial que mata a mulher e o motorista de táxi). Pior: estes coadjuvantes só aparecem na trama quando o roteiro precisa deles, funcionando como muletas narrativas. No romance que deu origem ao roteiro, aposto que cumpriam tarefas mais nobres do que essa. Também aposto que os roteiristas teriam um resultado melhor se economizassem personagens e "viradas" em favor de uma maior concentração dramática.
Apesar de tudo, Entre as pernas é divertido. Lá pelo meio do filme, achei que o desastre seria completo, pois muita coisa ficara para trás sem uma boa explicação. Contudo, no final, dá pra atar quase todas as pontas (pelo menos por quem prestou total atenção aos detalhes). Não se trata de um filme muito original. Mistura Traídos pelo desejo (certo!), Los Angeles, cidade proibida (beleza!) e Nove semanas e meia de amor (arggghh!), numa salada franco-espanhola de gosto forte, mas que não causa indigestão. Sem discutir seriamente coisa alguma (nem a estética do filme policial, nem o erotismo da vida cotidiana, nem os desvios sexuais), não podemos dizer que Entre as pernas ficou a poucos passos de ser um bom filme. Digamos que andou demais, ou correu demais, quando seria melhor parar um pouco e perguntar: o que mesmo é importante dizer nesta cena?
Entre as Pernas (Espanha/França, 1999). De Manuel Gómez Pereira
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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