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AGORA COM MAIS CALMA Não estou pedindo que Friedkin seja um Coppola ou um Kubrick, cineastas que têm a coragem suficiente para tratar os exércitos com a virulência irônica que merecem. O Vietnã de Friedkin é um Vietnã moral, com sentido, e não o inferno psicodélico e sem sentido de Apocalypse Now e Nascido para matar. Cada um faz o retrato que quiser, mas o retrato mostrado por Regras do jogo abusa da nossa inteligência. Teremos que engolir eternamente esse louvor à força militar, esse cântico ao poder, essa insana gratidão a quem mata em nome da paz? Não estou falando de cinema, sei disso, mas às vezes um filme não merece ser tratado como um filme. As três maiores barbaridades de Regras do jogo são: a) a cena em que Samuel Jackson, colocando em perigo a vida do embaixador e de sua família e prorrogando a permanência de suas tropas em zona de conflito, vai retirar a bandeira americana do mastro. Depois de uma insanidade "patriótica" desse calibre, cometida por uma soldado bem treinado, como condenar os fundamentalistas do Yemen? Esses loucos se merecem. É até compreensível que se matem uns aos outros. b) o modo como o filme narra o principal acontecimento da história, a fuzilaria dos mariners contra os manifestantes. Tudo bem, era preciso esconder o que estava acontecendo, mas não precisava espalhar tantas pistas falsas. E o pior: antes da metade do filme, mostrar as imagens da tal fita, inocentando antecipadamente o acusado. Pra quê? Seria muito melhor se o espectador ficasse o tempo todo desconfiando do Jackson. O problema é que Hollywood não admite ambivalências. c) e o supremo horror: a troca de continências entre o Jackson e o coronel vietnamita, lá no final. O que significa aquilo? Que duas nações tão diferentes são capazes de gerar seres tão igualmente idiotas? Claro que não. Significa que a "moral" de um soldado, de qualquer soldado, está acima da moral de um cidadão comum, de suas leis e de suas vida. É uma cena digna dos piores momentos de Spielberg, com o agravante de que não é precedida por aquelas imagens com a marca de qualidade de Spielberg. Regras do jogo é um filme detestável. Não acrescenta nada ao universo cinematográfico dos filmes de guerra e de julgamento, não consegue articular uma trama minimamente instigante e tenta enganar o espectador mostrando os "terrores da guerra", para logo depois fazer a apologia mais descarada do militarismo e da força. Não peço que esqueçam Regras do jogo. É melhor lembrar bem dele, para não repetir as mesmas barbaridades. E a "paisanada" que se cuide. Para eles, nós não valemos nada. Regras do Jogo (EUA, 2000). De William Friedkin
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