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Regras do Jogo

De
William Friedklin





RAPIDINHO
Hoje, aqui no espaço "Rapidinho", escrevo apenas para os que ainda não viram o filme. E serei bem objetivo: vale a pena apenas para os grandes apreciadores de filmes de guerra e de filmes de julgamento. Regras do Jogo tenta ser um pouco dos dois, com mais erros do que acertos, apesar da costumeira competência de Friedkin e do talento dos atores Samuel Jackson e Tommy Lee Jones. Esse trio consegue, em alguns momentos, tirar toda a água possível de um roteiro que é uma pedra de tão ruim. A história... Deixa pra lá. Quem gosta de ver soldados atacando e advogados defendendo pode se divertir. Mas é bom deixar a consciência em casa.

AGORA COM MAIS CALMA
E agora escrevo para os que já viram, porque é impossível comentar o filme sem contar algumas coisas fundamentais da história, incluindo o final. E começo com os letreiros, depois do final, aquelas poucas linhas que acabaram com toda a minha paciência. Lembrando: o Samuel Jackson é condenado pela acusação mais leve e inocentado pelas outras duas (sem uma explicação mais convincente para este fato); trata-se, contudo, de uma "injustiça", porque a multidão estava armada e havia uma fita de vídeo (destruída pelo Departamento de Defesa) mostrando isso. Finalzinho ruim, mas pelo menos sobrava alguma "denúncia" (leve, quase pedindo desculpas) da proverbial hipocrisia norte-americana. E então vemos aqueles letreiros, mostrando que, mais tarde, a justiça foi feita, e o coronelzão recebeu todas as honras militares ao se aposentar. Tô me lixando se o roteiro é baseado em fatos reais. Se é, preferia uma distorçãozinha básica para evitar o tom nacionalista estúpido que encerra o filme.

Não estou pedindo que Friedkin seja um Coppola ou um Kubrick, cineastas que têm a coragem suficiente para tratar os exércitos com a virulência irônica que merecem. O Vietnã de Friedkin é um Vietnã moral, com sentido, e não o inferno psicodélico e sem sentido de Apocalypse Now e Nascido para matar. Cada um faz o retrato que quiser, mas o retrato mostrado por Regras do jogo abusa da nossa inteligência. Teremos que engolir eternamente esse louvor à força militar, esse cântico ao poder, essa insana gratidão a quem mata em nome da paz? Não estou falando de cinema, sei disso, mas às vezes um filme não merece ser tratado como um filme.

As três maiores barbaridades de Regras do jogo são:

a) a cena em que Samuel Jackson, colocando em perigo a vida do embaixador e de sua família e prorrogando a permanência de suas tropas em zona de conflito, vai retirar a bandeira americana do mastro. Depois de uma insanidade "patriótica" desse calibre, cometida por uma soldado bem treinado, como condenar os fundamentalistas do Yemen? Esses loucos se merecem. É até compreensível que se matem uns aos outros.

b) o modo como o filme narra o principal acontecimento da história, a fuzilaria dos mariners contra os manifestantes. Tudo bem, era preciso esconder o que estava acontecendo, mas não precisava espalhar tantas pistas falsas. E o pior: antes da metade do filme, mostrar as imagens da tal fita, inocentando antecipadamente o acusado. Pra quê? Seria muito melhor se o espectador ficasse o tempo todo desconfiando do Jackson. O problema é que Hollywood não admite ambivalências.

c) e o supremo horror: a troca de continências entre o Jackson e o coronel vietnamita, lá no final. O que significa aquilo? Que duas nações tão diferentes são capazes de gerar seres tão igualmente idiotas? Claro que não. Significa que a "moral" de um soldado, de qualquer soldado, está acima da moral de um cidadão comum, de suas leis e de suas vida. É uma cena digna dos piores momentos de Spielberg, com o agravante de que não é precedida por aquelas imagens com a marca de qualidade de Spielberg.

Regras do jogo é um filme detestável. Não acrescenta nada ao universo cinematográfico dos filmes de guerra e de julgamento, não consegue articular uma trama minimamente instigante e tenta enganar o espectador mostrando os "terrores da guerra", para logo depois fazer a apologia mais descarada do militarismo e da força. Não peço que esqueçam Regras do jogo. É melhor lembrar bem dele, para não repetir as mesmas barbaridades. E a "paisanada" que se cuide. Para eles, nós não valemos nada.

Regras do Jogo (EUA, 2000). De William Friedkin


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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