Busca

Pressione "Enter"

Cobertura completa Sites de cinema Grupos de discussão Colunistas Os melhores filmes Notas dos filmes Todos os filmes Roteiro de cinema O que está passando no Brasil


DÊ SUA OPINIÃO (OU CALE-SE PARA SEMPRE)

Filme: Tolerância
e Os Cinco Sentidos




De: Fernando Vasconcelos
Caro Gerbase. Faz tempo que não escrevo pra tua coluna, mas é que concordo com o fulano que reclamou dos filmes que você tem analisado ultimamente. É o portal Terra que te cobra comentar sobre filmes mais populares? Eu acho que o perfil de quem te escreve é bem específico: gente que realmente gosta de cinema e não está muito interessado no último filme da Madonna ou no recorde de bilheteria da semana nos EUA. Pra esse público, já existe o UOL e o IG, né? Portanto, não é nada animador enviar comentários sobre bobagens como A Cela, U-571, Todo Mundo Em Pânico ou Regras do Jogo. Pra comentar o quê? Sem preconceito, pois como cinéfilo também assisto a todo tipo de filme. Mas os filmes que provocam troca de opinião interessante não são esses aí não...

Por exemplo, gostaria da tua opinião sobre o novo filme dos irmãos Cohen, que foi recebido com equivocada (na minha opinião!) frieza pela crítica e público. E estou louco pra ver o debate com os leitores sobre o teu filme Tolerância. Ou ainda, levando em conta que tu foi (ou é?) vocalista do Replicantes: tu não vai comentar o Alta Fidelidade? Aqui em Recife ainda não está passando... E como pernambucano, estou curioso pra saber o que tu achou do documentário Rap do Pequeno Príncipe... Tu viu?

Voltamos ao fulano que é cinéfilo, informado e com saudável capacidade crítica para contestar até clássicos intocáveis como Rastros de Ódio, eu discordo completamente dele! (Rastros... está na minha lista dos 10 mais, junto com outros filmes "americanos e reacionários" como A Felicidade Não Se Compra, de Frank Capra). Só a cena final, com o John Wayne enquadrado na penumbra da casa com a paisagem do deserto ao fundo, é uma das mais belas traduções visuais da solidão humana que eu já vi no cinema e vale mais do que a filmografia inteirinha de um Steven Spielberg (esse sim, um reacionário de primeira!)

Pra quem acha o John Ford um velho reaça, o cinema é maior que esses julgamentos. Por exemplo, como não reconhecer a genialidade e vanguarda estética da diretora nazista Leni Riefensthal nos filmes ideologicamente perigosos que ela fez celebrando a superioridade da raça ariana? É dificil, mas temos que admitir que, até entre os nazistas, também viviam (poucos) seres inteligentes!

Deixo aqui bem claro que são leitores e opiniões como as dele que me animam a sentar no computador e participar com animação da tua coluna. Pra terminar, não vi o Endiabrado. Cinema está muito caro pra assistir essas besteiras... Verei quando sair em vídeo (pelo menos, é mais barato!) Por que o cinema americano tem tanta dificuldade em fazer diversão simples e eficiente como o maravilhoso X-MEN? Por que pra cada Matrix a gente tem que agüentar uns 28 Missão Impossível 2?

De: Gerbase
Caro Fernando, já expliquei algumas vezes que tenho total liberdade aqui no Terra para escolher os filmes e depois escrever sobre eles, sem qualquer pressão editorial ou comercial. Gosto disso. Assim, tento manter um certo equilíbrio entre os filmes "de arte" e os "comerciais", notando sempre que estas categorias muitas vezes se interpenetram. Por exemplo: você chama X-Men de maravilhoso e elogia Matrix, mas estes dois títulos não são tremendamente "comerciais"? Tento escolher sem preconceitos, muitas vezes dando um tiro na lua. Não me arrependo. Viva Hollywood, viva o cinema da Macedônia e da Angola (existe?; deveria existir), viva o cinema marginal, experimental, demencial. Viva Coppola e viva Reichembach. Além disso, se eu ficasse apenas nos filmes "cabeça", poderia acontecer mais vezes o que aconteceu nesta semana: nem uma mísera carta comentando o Cinco Sentidos. E aí eu perderia o diálogo com vocês.

De: Simeão
Na seção de respostas do filme A Cela, teve um cara que resolveu falar sobre o Rastros de Ódio, quando disse que não entendia como esse filme poderia ser chamado de "clássico". Se você for responder a ele, pode refletir sobre algumas considerações que eu gostaria de te fazer, pois, se há um filme que pode ser chamado de clássico para mim é Rastros de ódio.

Como você já ressaltou, não dá para usar argumentos ecológicos e politicamente corretos dos dias de hoje para julgar. E mais, se esse filme fosse feito hoje, a abordagem usada seria válida, pois a ação se passa logo após a guerra civil norte-americana (1865), e naquela época, 99% das pessoas eram racistas e preconceituosas, mulher só servia para parir e ninguém dava a mínima para búfalo, jacaré e mico-leão-dourado.

Lá pelas tantas ele pergunta: "Onde andava a discussão de que os invasores matadores e maus eram realmente os brancos americanos e não os pobres e indefesos índios, que apenas estavam defendendo seu território"? Bom, o filme foi feito em 1955, e essa discussão devia estar começando ainda, só tomaria corpo mesmo nos anos 60. Aliás a própria obra do Ford reflete isso. Seus filmes inicialmente mostram a visão predominante da época, com os índios no papel de vilões e bárbaros e os brancos mocinhos, civilizados e desbravadores, passando por um período de transição, até os seus últimos trabalhos (Crepúsculo de uma Raça, 1964) em que ele mostra o que realmente houve, o genocídio de um povo inteiro. Novamente, reflexo de uma mudança de opinião da sociedade americana, nos anos 60.

Retificação histórica: a Klu klux klan é bastante antiga, sendo fundada logo após a guerra civil norte-americana, fruto de uma paranóia racista para proteger a raça branca contra os negros libertos. Ou seja, o filme não foi "inspiração" para a KKK.

O documentário a que ele se refere foi feito pelo diretor Peter Bogdanovich, fã de carteirinha, intitulado "directed by John Ford", e mostrava como ele era um sujeito com uma forte personalidade e até mal-educado. Isso não quer dizer que seus filmes não tinham técnica ou visão definida (muito pelo contrário...), mesma opinião do Steven Spielberg e do George Lucas e vários outros importantes cineastas, que acham que Rastros de Ódio é o melhor filme a que já assistiram. E o Orson Wells, que considerava John Ford o maior cineasta da história.

Sobre o personagem de John Wayne (que era um bom ator, e nesse filme tem sua melhor atuação). Ele é um sujeito solitário, deslocado, que não se sente bem com outros, só fica bem sozinho nos campos, matando búfalos (e a antológica cena final mostra claramente). Ele também é um sulista orgulhoso, e por Ter servido na guerra e perdido, estava ainda mais amargurado e ressentido. Depois que os índios matam sua família e, ultraje maior, levam sua sobrinha para viver como uma índia, o ódio dele transborda.

Ele é o fio condutor de todo o filme, e sim, ele é reacionário e racista, mas um personagem fabuloso, em um grande filme. Ou todo bom personagem tem que ser parecido com Madre Teresa de Calcutá? Acho que se esse cara lesse (ou visse) o Ricardo III, acharia que o Shakespeare era um escritorzinho de quinta categoria. Tem muito mais ainda sobre esse filme. Se você locá-lo, vai perceber.

De: Gerbase
Vou ver Rastros de ódio outra vez e entrar nessa briga, que tá boa. Me aguardem.

De: Carlos Alberto Teixeira Correa
Ôi. Confesso que não percebi a sua participação no Tolerância, mas, como consolo, a da Pipa eu me liguei. Ela está de cabelo loiro curtinho (pq na época tava fazendo teatro) e aparece bem rápido em uma das cenas da festa da Guida no Ocidente. Ah, o filme é ótimo, assim como a trilha. É bom mostrar que às vezes um grande filme nacional pode ser feito sem os protagonistas falarem com chiado ou sotaque nordestino. Filme urbano também pode ser bom. Congratulations.

PS.: ganhei o kit então né?

De: Gerbase
Ganhou. Será entregue em breve.

De: Tiélo do Nascimento
Bom, nem vou te dizer que o filme é ótimo porque tu já deve ter ouvido isto milhares de vezes, te parabenizo por conseguir fazer algo bom e de qualidade com o cinema brasileiro! Fugiu dos padrões chatos que seguem os filmes de longa do Brasil, achei ótimo, fui ver com meus pais, e aquilo até serviu muito de lição ao relacionamento deles, pois anda meio desgastado, saca... Tá vendo, até educativo é o filme!

De: Gerbase
Obrigado, Tiélo. Esse é o tipo de efeito que um cineasta nem sonha em provocar...

De: Ivan Luiz Bento
Cara, estava lendo as mensagens sobre o Tolerância e vi que acabei de ser esculhambado. O "Marinho" que te escreveu é meu sobrinho. Eu dei a dica pra ele sobre o site quando falávamos sobre ti e o filme (que gostei muito). De vez em quando eu te escrevo, acho que não te lembras. O que me intrigou mesmo foi o teu comentário final: "Espero que o seu tio não me despreze por isso daqui por diante". Achei muito engraçado (mesmo), principalmente por ter 37 anos, mas ser considerado meio radical, digamos assim, por não gostar de umas "MPBices" que tem por aí e só ouvir "uma barulheira" (esta é da minha mãe). Exijo uma retratação! Um grande abraço (e muitos risos).

De: Gerbase
Eu me retrato. Barulheira de verdade é com a gente mesmo, que já passou dos 30. As novíssimas gerações são bem mais comportadas. E fecho contigo: com honrosas exceções, as MPBices tradicionais (principalmente as atuais) ficam sempre longe do meu toca-discos.

De: José Ricardo Pinto
Putz, que vacilo o meu...assisti teu filme aqui no Rio de Janeiro na terça feira (21/11) e entrei correndo no site Terra à procura de um espaço de opinião e fui direto ao site do filme... Escrevi meu artigo empolgadaço com o que eu tinha visto, acabou não sendo publicado aqui na coluna... Não vou escrever tudo de novo, mesmo porque emoção não se copia... O resumo é altamente válido... Adorei o filme, cara! Maitê Proença então tá demais... A garota que só se via em novelinhas das sete fazendo papéis babacas se revela uma grande e intensa atriz em tuas mãos. Tu é uma espécie de Kubrick tupiniquim, pois arranca água de pedras (como no caso de Maitê). Como teu filme é um enorme poço de complexidades, não vou ficar aqui analisando cada filigrana da bem elaborada trama do triângulo (o quadrilátero) passional.

Mas rolou uma dúvida no final da história: será que me enganei ou será que tu também fala de uma espécie de incesto virtual? Júlio teclava com Guida (a filha) ou Ana Maria no inicio do filme? Ainda não li as respostas das críticas feitas pelos leitores e acredito que a resposta esteja por ali... Mas, seja qual for a solução, é muito bom entrar num cinema e dar de cara com um baita dum cinemão bem feito, com excelentes interpretações, boa música, e, acima de tudo, falando a nossa língua. Teu filme concorreria na boa ao Oscar de filme estrangeiro e ainda sairia ganhando ou em qualquer festival por aí, pois o tema é universal e muito brasileiro também. Desculpe, tentei ser imparcial, mas não deu pra não deixar de elogiar tua belíssima obra. Valeu mesmo!

De: Gerbase
Essa dúvida sobra a identidade de Sabrina já pintou outras vezes. Creio que, no final do filme, está bem claro que ele está conversando com a Guida, sua filha, que tecla "Sabrina morreu" e aparece logo depois, na casa da vó. Lá no início, no primeiro chat, como o "outro lado" não aparece, cada um pode imaginar o que quiser. Na minha cabeça, as duas estão brincando juntas do outro lado. Mas poderia ser só a Anamaria, que saberia, através da amiga Guida, do apelido de Júlio (Ivanhoé), como ela mesma conta para Júlio durante o aniversário de Guida no bar. Obrigado pelos elogios.

De: Cristiano W. Leal
A tolerância é um atributo... ou seria uma continuidade do conformismo?! Não importa, aliás, acredito que seja esta a intenção de Gerbase ao mostrar-nos Tolerância. Abrem-se as portas para reflexões sobre o tema, e nota-se que não se encerra ao acender das luzes do cinema. Ponto para Gerbase. Montar um filme enraizado na cultura sulista sem descaracterizar-se também demonstra mais uma habilidade do diretor. É bem verdade que Maitê esforça-se, até mesmo diria que supera-se, mas não desponta, não parece fadada para tal missão.

O que incomoda no filme é a duplicidade de objetivos, ou talvez a indefinição de posições, passeando por narrativas, ora dramáticas, ora beirando um intrincado policial. O assunto é denso demais para ser apenas um roteiro bem tramado e tratado com superficialidade ao se tentar explorar reflexões intimistas. Mas aí não está uma falta de predicado para tratar do assunto, acredito eu, mas sim uma ansiedade em mostrar a capacidade do diretor, aquela vontade de mostrar o que se sabe fazer, o mais breve o possível.

O que realmente incomoda no filme é o irrealismo desenhado para o casal protagonista. Não consigo visualizar um casal (moderno, sem dúvida) harmonioso e equilibrado em seu relacionamento, como o filme nos mostra, com arroubos extra-conjugais. Isto denota um ar artificial. Para que se derrubem certas barreiras (sociais?!) se faz necessário uma razão, uma causa; ou até mesmo a ausência, a falta de conteúdo em um relacionamento. De resto, parece-me irreal.

Não posso deixar de citar o roteiro bem amarrado, devidamente planejado para suscitar dúvidas e surpresas. Tolerância é um filme bem estruturado; confuso e indeciso talvez, mas veio para somar. Ponto para Gerbase.

De: Gerbase
Obrigado pelos pontos. Mas não concordo com o "irrealismo desenhado para o casal protagonista". Casais "cansados", homens e mulheres que não se amam mais, mas permanecem juntos por covardia ou por inércia, existem aos milhões. Mas te garanto que também existem alguns milhares de casais que, apesar de felizes com a vida em comum, experimentam sensações semelhantes às que Júlio e Márcia exibem no filme. Por que você acha que um "arroubo extra-conjugal" precisa ter como razão um possível enfraquecimento do casamento? Por que duas pessoas que se amam não podem, por um período específico (ou até por um tempo considerável), amar outras pessoas, fazer sexo com elas, aproveitar a vida no que ela tem de mais profundo e mais agradável? Esta é, exatamente, a discussão principal de Tolerância.

Mas estamos saindo do terreno da ficção e entrando em outro, ainda mais complicado. E, só para não deixar passar a oportunidade, recomendo, com toda força possível, os livros de José Angelo Gaiarsa. O trecho que se segue é de "Poder e prazer; o lado negro da família, do amor e do sexo", da editora Ágora.

"No entanto, é certo que TODOS nós amamos a várias pessoas, não só da família como amigos, crianças, namoradas. Todos vivem o fato mas ninguém quer ou consegue dizer assim: AMO VÁRIAS pessoas AO MESMO TEMPO. Ao dizê-lo a pessoa se sentiria dividida e é isto exatamente que ouvi mil vezes em grupos de terapia.

"Repito: TODOS nós amamos a VÁRIAS pessoas ao mesmo tempo e NÃO CONSEGUIMOS PENSAR NISSO. Claro, logo começam as distinções especiosas, das quais o "é namorado" ou "é apenas amigo" são os versos mais comuns da opereta. Enquanto continuo dizendo que eu não sei o que é meu amor, que ele NÃO TEM definição (social) ninguém fica feliz ao meu lado.

"O sentimento por uma das pessoas - admite-se sem discussão - TEM QUE SER falso ou enganoso. Só pode sobrar - soçobrar o Sr. Marido e a excelentíssima sua esposa Respeitável e Única.

"Por isso, ainda, as escolhas de amores e amizades é sempre difícil - ficando as pessoas anos a fio a se perguntar se "ele me ama - ou não".

"Concebendo qualquer relação como Eterna (nos moldes do casamento) torna-se deveras difícil - para não dizer impossível, escolher quem vai comigo até o fim da linha.

Se fosse só um passeio - geralmente é - seria bem mais fácil."

É isso aí. Tolerância é a história de dois passeios - que poderiam ser apenas isso, pequenos passeios prazerosos pelo bosque da infidelidade - mas que, por força de nossas fraquezas e de nossas covardias eternas, se transformam em jornadas obscuras rumo ao inferno. Até mais.


Tolerância
(Brasil, 2000). De Carlos Gerbase


Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

Índice de colunas.

 

Copyright© 1996 - 2003 Terra Networks, S.A. Todos os direitos reservados. All rights reserved.