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O Tigre e o Dragão
De
Ang Lee




 

RAPIDINHO
Filme de aventura, belamente fotografado, com lutas marciais que mais parecem um espetáculo de balé, O tigre e o dragão é uma festa para os olhos. Contudo, chamá-lo de obra-prima é um exagero evidente. Não há, neste filme de Ang Lee, qualquer elemento cinematográfico capaz de diferenciá-lo de uma série de outras realizações do gênero. Talvez seja mais bonito e melhor interpretado que os muitos kung-fus da vida, mas, mesmo nas incríveis cenas de combate sobre as árvores, é tão rasteiro quanto todos eles. Ang Lee, que já nos proporcionou obras de qualidade muito superior, como Tempestade de Gelo e Razão e Sensibilidade, parece ter ficado tão fascinado com os desafios técnicos e plásticos que esqueceu o principal: mesmo num filme de aventuras, é preciso contar uma boa história, com personagens humanos e conflitos emocionantes.

AGORA COM MAIS CALMA
Essa trama clássica de mestre-aprendiz, de tão usada, revirada e reaproveitada, inclusive fora do gênero aventura, sempre carrega o perigo de transformar-se em clichê. As séries Kung-Fu, na TV, e Karatê Kid, no cinema, estabeleceram no imaginário ocidental uma visão bastante concreta, embora muito simplificada, do que seria uma "filosofia" oriental ligada à arte de dar porrada nos outros. Assim como o cowboy nos filmes de bang-bang tem direito de atirar e matar, porque as mortes que provoca são "éticas" (índios bons são índios mortos), os grandes guerreiros orientais têm direito de trucidar - com muito mais sofisticação, diga-se de passagem – os malvados que se atravessam em seu caminho, porque eles são "do mal". O mestre é sempre um velho cowboy, ou velho samurai, ou coisa que o valha, que ensina a matar com ética, mas gasta muito mais tempo com revólveres, espadas e golpes mortais que estudando tratados de Filosofia e Moral.

Em O tigre e o dragão, acompanhamos o lendário Li Mu Bai, que teve seu mestre assassinado por uma guerreira peçonhenta, decidindo, depois de uma longa meditação, que seus tempos de morticínio acabaram. Ele entrega sua preciosa espada para um antigo protetor, mas esta é roubada por uma figura misteriosa, cheia de poderes, que, sabe-se logo depois, tem como mestre a guerreira peçonhenta. É o suficiente para Li Mu Bai voltar ao batente e declarar que vai vingar-se. Sangue lavando sangue. E toda a meditação sobre a violência serviu pra quê? Só vou acreditar em lutadores pacifistas quando o herói for praticante de tai-chi-chuan. A história de O tigre e o dragão poderia ser transferida para o universo das academias de jiu-jitsu sem muitos problemas éticos.

Também não vejo diferença essencial entre a violência pós-moderna - tão condenada - de Matrix e a pancadaria retrô – tão elogiada - de O tigre e o dragão. Ambos são filmes juvenis, que usam tecnologia de ponta para montar seqüências de impressionante verossimilhança, mesmo que as ações sejam de uma absurdo completo. Ambos conseguem fugir de uma representação gratuita, comercialóide, quase fascista, da violência, que tem sido a marca registrada de Ridley Scott. Mas o filme de Ang Lee não escapa das simplificações de sempre: no limite, o herói vence pela força. E, quando é derrotado, morre no estrito cumprimento de seu dever. Não há escapatória. Não há alternativa humanista. Há, isto sim, um tratamento mais delicado, mais intimista, do concurso de porrada.

Não estou dizendo que a violência deve ser banida do cinema. Muitas vezes, a vida é violenta. Há obras-primas do cinema que contêm banhos de sangue; há filmes de boxe em que o herói apanha até virar um bife mal-passado (O touro indomável, por exemplo); há filmes de guerra em que o bandido vira queijo suíço (Nascido para matar, por exemplo). Mas são cenas violentas que refletem sobre a violência, que nos fazem pensar nela, que nos encostam na parede e gritam: esses caras são loucos! Em O tigre e o dragão, a violência é bonita e justificada moralmente. Há pouquíssimo sangue (o já vimos em Gladiador). São filmes que lembram a Guerra do Golfo, em que os Estados Unidos tinham autoridade moral para promover uma matança espetacularizada, à distância, sem sangue na TV. Tudo em nome da democracia. Ang Lee parece dizer: tudo em nome da beleza da coreografia.

O roteiro oferecia algumas possibilidades interessantes, como a incapacidade de Li Mu Bai para declarar seu amor a Shu Lein, o que levou ambos a uma vida solitária, e a rebeldia de jovem aristocrata Jen, que não desejava um casamento por conveniência e achou uma alma-gêmea em pleno deserto. Essa mesma Jen recebeu, desde criança, a influência perniciosa de uma mestra "do mal", mas não abraçou ainda para o lado escuro da força. Tem, portanto, uma certa esquizofrenia ética que poderia render boas cenas. Mas Ang Lee não abriu espaço para estes conflitos, preferindo um enredo que simplesmente, de tempos em tempos, leva a uma cena de lutas marciais ou de pessoas subindo paredes e voando pelos telhados e árvores da vizinhança. Nada muito diferente dos velhos filmes de Bruce Lee, que tinham a vantagem de ser verossímeis. O tigre e o dragão diverte e mostra o poder de fantasia do cinema, mas está muito longe de justificar-se enquanto obra significativa neste começo de milênio. Se o Pequeno Gafanhoto perguntasse ao Mestre o que ele achou do filme, provavelmente o mestre diria: "Vai ler alguma coisa interessante lá na biblioteca, Pequeno Gafanhoto. Esse filme é para quem gosta de destruir Budas".

O Tigre e o Dragão (EUA, 2000). De Ang Lee


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A Gente Ainda Nem Começou e Fausto). Em 2000, lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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