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TIME CODE
Enquanto dirigia Miss Julie, Mike Figgis filmou uma cena de uma bela
trepada em duas
câmeras. Na hora de editar o filme e decidir qual das duas imagens usar, ele
fez uma
escolha inovadora: dividir a tela pela metada, e mostrar as duas imagens
simultaneamente.
O resultado é belissimo, porque não vemos os rostos em detrimento das partes
do corpo,
ou vice e versa.
Mike Figgis seguiu a sua intuição, assim como um artista plástico,
trabalhando no seu
atelier. E é seguindo a sua intuição que artistas fazem as suas mais
inesperadas
descobertas, que mais tarde lhe trarão inumeráveis possibilidades criadoras
nunca antes
imaginadas.
Foi exatamente isto o que se passou com o cineasta inglês, diretor de Leaving
Las Vegas.
Ele levou a sua descoberta técnica aos seus limites e fez Time Code, onde a
tela está
dividida em quatro durante todo o filme.
A história é sobre o mundo hollywoodiano. Um casal de lésbicas está em crise,
uma delas
está transando com um produtor de cinema para conseguir um teste como atriz,
enquanto
que a sua namorada está no carro ouvindo tudo pelo interfone e cheirando um
monte de
cocaína.
O produtor de cinema está sendo deixado pela sua mulher, e para não
sofrer
tanto ele se apega à bebida e cheira um monte de cocaína. No final, uma
diretora jovem
faz a apresentação do seu projeto para um filme. Durante sua apresentação
ela fala de
Borges, da filosofia da arte, do diabo a quatro, e Alex, o chefe da empresa
que está sendo
deixado pela mulher, completamente cheirado e bêbado, tem um ataque de risos.
Todos
ficam morrendo de vergonha durante a reunião, mas ele diz que esta é a
apresentação mais
arrogante que ele já ouviu, e continua as gargalhadas. A jovem diretora,
inesperadamente,
diz que este é o comentário mais sincero que ela já havia ouvido na cidade de
Los
Angeles, e que ela realmente gostaria de trabalhar com este produtor. Mas aí,
a namorada
ciumenta entra em cena e...não vou contar o final do filme.
E você me pergunta, mas como é possivel seguir esta narrativa se quatro cenas
estão
acontecendo simultaneamente? E eu respondo que o som dá a dica ao que se deve
prestar
atenção, assim como a linha narrativa tem uma estrutura que sustenta a si
mesma.
Mas, o mais genial do filme é que os atores não seguiram um roteiro. Existia
uma sinopse,
um argumento, que foi contado aos atores, e eles improvisaram todo o resto, e
tudo foi
filmado e exibido em tempo real, e não editado.
A grande questão do filme de Figgis é um grande dialogo sobre o que é o
cinema, ou arte,
se for o caso. O cinema, normalmente é uma mentira, uma história que é
filmada e depois
editada para que ela faça sentido.
Neste caso, ela foi filmada e mostrada sem
passar pela
edição, sem passar pelo processo que transforma a realidade em uma mentira.
Ele tentou
ser honesto. E a grande jogada é que o filme inteiro trata da indústria
cinematográfica e o
que ela fez com a vida pessoal daqueles que estão nela envolvida.
Time Code, EUA (2000). De Mike Figgis. Com Xander Berkeley, Golden Brooks, Saffron Burrows, Viveka Davis, Richard Edson, Aimee Graham, Salma Hayek
Bárbara
Kruchin
é artista
plástica e aficcionada por cinema. Ela é brasileira, mas mora em
Nova York desde 1991, onde cursou a School of Visual Arts.
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