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Os Três Zuretas
De Cecilio Neto
RAPIDINHO
Numa época em que filmes para crianças perderam a noção de infância; num tempo em que, ainda antes da puberdade, o sexualidade infantil é considerada um mercado a explorar; num negro período em que a violência foi despida de seu horror para virar uma coreografia multi-colorida; num início de milênio em que a juventude dourada e informatizada, mais pragmática do que nunca, só pensa em de dar bem na vida, não se importando com coisas antigas e superadas, como amizade, solidariedade e imaginação, Os três zuretas, na contramão da história, nos ensina que o cinema ainda pode surpreender, comover e nos fazer acreditar no futuro do homem, aquele ser que um dia foi criança, sofreu, cresceu, amou, odiou, mas que ainda conserva, em algum cantinho da alma, a capacidade de ser feliz.
AGORA COM MAIS CALMA
Os curta-metragens de Cecilio Neto sempre mostraram um realizador inventivo e que não tinha medo de desafios. Nada de populismo nos roteiros: que cada espectador retire do filme o que conseguir, na medida de sua capacidade e de seu interesse. Três moedas na fonte e Wholes são obras clássicas, pois superam os limites tradicionais da narrativa cinematográfica e propõem ao público uma reflexão sobre como a vida pode ser representada num filme. O cinema tem seus poderes, seus limites, seus pequenos truques, suas grandes virtudes, suas baixezas infames. Cecilio sempre brincou com o cinema, nunca tratou o público como um "consumidor" a ser devidamente "conquistado", e sim como uma criança (mesmo que grande) a ser maravilhada (ou, se for o caso, a ser horrorizada).
Em Os três zuretas - que parece, à primeira vista, estar tão distante de seus truques anteriores, sempre adultos e iconoclastas - Cecilio apenas muda o tom, adaptando a narrativa para um novo público, mas mantém intactas suas qualidades estéticas e sua pureza autoral. Mais uma vez, a história, o enredo, é um mero pretexto para brincar com o espectador, fazê-lo embarcar numa viagem atemporal, sem compromissos mercadológicos ou ideológicos, em que o único prazer está no movimento, no fluxo, na sucessão de representações do mundo, como sempre imperfeitas, como sempre reflexos pálidos da realidade, e, como sempre, capazes de emocionar a quem está disposto a perder tempo com isso.
Os três zuretas é revolucionário porque nega a noção de que o há um único presente infantil possível, uma infância a ser consumida velozmente, descartada violentamente, padronizada mortalmente. Os três zuretas é futurista porque volta a um passado com significado, a uma criança capaz de construir sonhos coletivamente, de criar para si mundos especiais, com regras especiais, em vez de limitar-se aos bits imutáveis e aos frames inalteráveis dos vídeo-games e dos programas de TV. Cecilio Neto fez um filme tão diferente, tão inovador e tão autoral, tão atrás e tão à frente do que está nas telas dos cinemas, que só poderá desfrutar do sucesso merecido se o mundo virar de ponta cabeça neste começo de milênio. Seria tão bom...
Os Três Zuretas (Brasil, 2000). De Cecilio Neto
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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