|
"Defesa Secreta" traz policial solene em ritmo lento
Uma história de crime e castigo em andamento de sinfonia de Mahler. Parece assim este novo Jacques Rivette que chega à cidade, Defesa Secreta, um policial solene, lento, com três horas de duração. Quem conhece Rivette, um dos expoentes da nouvelle vague, sabe da sua relação tranqüila com o tempo. Por exemplo, em A Bela Intrigante, baseado em Balzac, ele descrevia o relacionamento entre um pintor (Michel Piccoli) e sua modelo (Emmanuelle Béart) ao longo de quatro horas. Não se sentia o tempo passar.
Não é o mesmo caso de Defesa Secreta. Se em A Bela Intrigante a dilatação do tempo parecia não apenas justificável como necessária, aqui só se explica pela necessidade de esticar o assunto. Não que o filme seja ruim. Nada disso. Mas certamente ele se resolveria melhor com algum poder de síntese. Por exemplo, quando a personagem de Sandrine Bonnaire vai se deslocar de Paris para um castelo no interior, ela é vista fazendo as malas no apartamento, tomando um táxi até a estação, comprando o bilhete, entrando no TGV, pedindo vodca, fumando, indo ao banheiro, descendo numa estação secundária, pegando outro trem, saindo na nova estação, indo a pé até a propriedade. Ufa.
Rivette é tão bom que nem mesmo assim deixa a peteca cair. Pelo menos não inteiramente. Há uma história no meio, e ela é narrada de maneira realista, incluindo esses tempos quase reais. Sandrine (sempre boa, discreta, eficiente) trabalha num laboratório e surpreende seu irmão mais velho procurando uma arma. Ele diz ter descoberto que o pai deles não morrera por acidente, e sim que fora asassinado. Quer se vingar. O suspeito é o ex-sócio do pai, Walser (Jerzy Radziwilowicz), que agora o substitui nos negócios. Há também a mãe, Genevive (Françoise Fabien), artista plástica que - supõe-se - tenha tido um caso com Walser. Enfim, há o crime, há a suspeita, mas há, sobretudo, toda uma teia de mistério, culpa e ressentimento que envolve a trama.
Na verdade, Defesa Secreta é uma espécie de anti-policial. Nega, ponto por por ponto, todas as convenções do gênero. No começo de um policial clássico, que os franceses chamam de "polar", parte-se de uma estabilidade que é rompida pelo crime. Todo trabalho do detetive, ou de quem assume a investigação, será restabelecer essa ordem perdida. No final, tudo deverá estar limpo, todas as pontas atadas, todos os detalhes esclarecidos. São histórias que encontram paralelo na forma musical da sonata. Apresentação do tema, desenvolvimento, variantes e retorno ao tema, aos acordes iniciais, à consonância. À paz e à ordem, em suma.
Rivette, em seu modo clássico, trabalha como músico contemporâneo. Essa peça de câmara chamada "Defesa Secreta" não tem centro tonal. Prolonga-se além da medida e não se resolve num acorde de tônica dominante, como se espera. Pode angustiar. Pode também decepcionar.(Agência Estado)
|