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Associar periferias ao crime é reflexo do racismo, diz Erika Hilton

Em entrevista à Agência Mural, deputada federal eleita por SP defendeu as campanhas eleitorais em regiões periféricas e falou sobre as prioridades dela no Congresso Nacional

20 out 2022 - 09h43
(atualizado às 14h07)
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Eleita vereadora em 2020, Hilton venceu para deputada federal este ano @Rafael Canoba/Divulgação
Eleita vereadora em 2020, Hilton venceu para deputada federal este ano @Rafael Canoba/Divulgação
Foto: Agência Mural

Dois anos após ser a vereadora mais votada na capital paulista, Erika Hilton (PSOL) terá um novo desafio pela frente em 2023. Com mais de 256 mil votos, ela garantiu uma vaga na Câmara Federal e será a primeira mulher trans eleita pelo estado de São Paulo.

Erika é de Francisco Morato, na Grande São Paulo, e terá a população periférica como uma das prioridades na atuação dela em Brasília.

As periferias, principalmente de Rio de Janeiro e São Paulo, estão no centro das mais recentes polêmicas deste segundo turno das eleições.

Na quarta-feira passada (12), o ex-presidente Lula (PT) esteve no Complexo do Alemão, uma das maiores favelas cariocas. A campanha do adversário dele, o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), sugeriu que o petista estava ao lado de criminosos durante a passeata.

O assunto foi citado por Bolsonaro no debate de domingo (16), na TV Bandeirantes. "O senhor esteve no Complexo do Salgueiro. Não tinha um policial do seu lado, só traficante. Tanto é verdade sua afinidade com traficantes e bandidos que nos presídios do Brasil, a cada cinco votos, você teve quatro votos", afirmou o presidente, errando o nome da favela em que Lula esteve.

Já o tema dos votos em presídios foi tirado de contexto (apenas internos em prisões provisórias, que ainda aguardam julgamento, têm direito ao voto) e proibido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de ser usado pela campanha bolsonarista.

Na segunda (17) pela manhã, um tiroteio interrompeu a visita do candidato ao governo do Estado Tarcísio de Freitas (Republicanos) em um polo universitário em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Em um primeiro momento, o candidato publicou nas redes sociais que havia sido atacado, mas depois afirmou que não se tratava de um atentado. A Polícia Militar investiga o caso.

Para Erika, esses acontecimentos são "reflexos brutais do racismo e de como as elites hegemônicas enxergam os territórios pretos". Garantindo que nunca teve problema em fazer campanha nessas regiões, a deputada afirmou que a cultura e o combate à fome serão assuntos que ela "pretende dar fôlego" durante o mandato.

Confira a entrevista completa:

Agência Mural: Como você tem observado esses últimos acontecimentos envolvendo a atividade de campanha do Lula no Alemão e como a campanha do Bolsonaro tem usado isso nas propagandas e no debate?

Erika Hilton: Isso tem relação a como se tenta atrelar a imagem preta, pobre, periférica do Brasil ao retrato do tráfico de drogas, da criminalidade. Isso foi muito explorado pela campanha de Jair Bolsonaro quando ele desprezou a vida e os trabalhadores que estavam ali no Complexo [do Alemão, no Rio de Janeiro], fazendo campanha junto com o Lula, e tentando colar uma imagem de que quem está naquele ambiente não necessariamente são trabalhadores, pais e mães de família, mas bandidos, criminosos, assassinos e etc.

É um reflexo brutal do racismo e de como as elites hegemônicas da política enxergam os territórios pretos, pobres e periféricos

Como algo que deve ser sempre visto como alvo, como o bandido, como o criminoso, que é sempre naquele território onde a criminalidade está acontecendo.

É um fator que ficou marcado. Espero que tenha saltado aos olhos da sociedade, o quanto o racismo estrutural faz parte do modelo de política desde que ele [Bolsonaro] tem tentado pleitear a reeleição.

E como você viu o episódio seguinte, o tiroteio que aconteceu durante um ato de campanha do Tarcísio de Freitas em Paraisópolis?

O Tarcísio está tentando se colocar como um mártir, como foi o episódio da facada [sofrida por Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018], mas se aproveitando de uma situação dentro de um território periférico para criar essa sensação de insegurança, de que a periferia é um lugar inseguro, que coloca em risco a vida de um candidato íntegro, de bem e etc.

Mais do que atrelar a visita dele à violência, à criminalidade e ao racismo, Tarcísio tentou surfar no que foi a facada de 2018. Eu avalio dessa forma. Já foi visto, não há nada, não houve nenhuma situação voltada, direcionada ao Tarcísio.

Como é fazer campanha eleitoral dentro de regiões periféricas?

Para mim é extremamente tranquilo, a periferia faz parte da minha essência. Eu cresci numa cidade periférica que é Francisco Morato, depois fui para um bairro periférico de Itu. A periferia é algo que faz parte da minha dinâmica, do meu contexto, da minha vida, então para mim é natural. Nunca tive nenhum tipo de problema.

Estamos tentando ir para a Brasilândia [zona norte de São Paulo], para alguns desses bairros para virar voto, são bairros que a gente teve dobradas [quando uma campanha divulga uma candidatura a deputado federal junto com outro estadual] com candidaturas das próprias periferias da cidade.

 
Como foi esse período eleitoral para você? Foi muito diferente da campanha para vereadora em 2020?

Foi diferente porque não estávamos em um cenário pandêmico, não tinha a pandemia nos proibindo, impondo uma série de limitações. Nós estávamos de fato agora fazendo frente ao Bolsonaro e ao bolsonarismo, então isso também traz um elemento diferenciado. E tinha a característica de ter que rodar por todo o Estado, que é diferente de você fazer campanha no município, você tem todo um Estado do tamanho como é São Paulo e isso é um baita desafio.

Como está sendo essa sua mudança daqui de São Paulo para Brasília? Você se sente preparada?

Preparada a gente nunca está. Na minha vida inteira, nunca estive preparada para ser expulsa de casa, para lidar com a prostiuição, para ser a mulher mais votada do país. Tenho me preparado, tenho pensado e vou me preparando conforme as coisas forem acontecendo.

Quais pautas você dará prioridade lá no Congresso, pensando principalmente nas populações periféricas?

O enfrentamento à fome é uma das pautas que eu pretendo abarcar de forma muito contundente. A fome atinge na sua maioria as mulheres negras, pobres e a comunidade LGBTQIA+. É preciso enfrentar as crises climáticas que também atingem os territórios periféricos na primeira ordem do dia. É preciso fortalecer e reavivar a cultura no País. A cultura é um instrumento importante para as nossas periferias, para a nossa juventude preta e pobre do País.

Essas são algumas das pautas que eu pretendo dar fôlego e me dedicar a elas para que a gente consiga lograr êxito e avançar no enfrentamento às desigualdades, à precariedade e à vulnerabilidade.

Quanto que essas pautas dependem do resultado do segundo turno?

Muito, bastante, dependem muito muito. Não tenho nem pensado muito sobre [a chance de Bolsonaro se reeleger], isso porque torço muito e acho que nós teremos vitória no final do segundo turno.

Se o Bolsonaro ganhar, não só a minha atuação, mas a grande maioria das ações da esquerda será de enfrentamento, de combate, de frear o retrocesso, de denúncia, de escancarar, de tentar fazer valer a voz das pessoas que nos elegeram, que nos colocaram lá como um ponto de esperança.

Vai ser muito combativo, duro, será necessário gritar a todas instituições e órgãos internacionais os horrores que tem acontecido aqui no Brasil. Vai ser uma atuação de barrar retrocesso e segurar aquilo que nós conseguirmos segurar.

Qual sua opinião sobre essa nova formação do Congresso, sobre seus próximos colegas de trabalho a partir do ano que vem?

Essa é uma configuração mais à extrema direita, mais reacionária, mais retrógrada e que vai nos dar trabalho. Vai ser difícil, mas a gente sabe que desta grande massa que se elegeu não necessariamente todos os novos eleitos são "bolsonaristas raiz", entregues ao projeto do Bolsonaro. Tem muita gente ali, inclusive do próprio PL, que é de direita, que tem uma outra visão, que não é da direita extrema, da direita fascista que ascendeu no Brasil nessa última eleição.

Pelo diálogo e as relações que se desenvolvem dentro do parlamento é possível avançar no contato com essa galera que não esteja do lado do fascismo, do lado da extrema direita

Pretendo negociar com aqueles que estão ali no centro, que estão "perdidos", que tem os seus ideais divergentes do meu, mas que são abertos ao diálogo, às negociações. O mais importante para mim é construir políticas públicas, é deixar legado e é dar respostas às necessidades das pessoas que me elegeram e de todo o país, é claro.

Agência Mural

Foto: Agência Mural
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