Moda periférica é forma de resistência, diz modelo do Grajaú
Estilistas e modelos periféricos falam sobre os desafios para criar coleções e a falta de recursos
"A indústria da moda é elitista e a periferia acaba entrando no lugar de marginalidade", afirma Vic de Carvalho, 29, artista visual, modelo e morador do Grajaú, no extremo sul de São Paulo.
Em 2021, Vic desfilou pela marca Mile Lab - criada no Grajaú pela estilista Milena Nascimento - no maior evento de moda do Brasil, o SPFW (São Paulo Fashion Week). A coleção apresentada, Fluxo Milenar, foi fundamentada no afrofuturismo onde os corpos pretos periféricos podem ser livres tendo suas raízes e valores culturais respeitados.
Além de trabalhar como modelo, Vic é uma das idealizadoras do coletivo Da Quebrada para o mundo, iniciativa de audiovisual e mídia independente que busca resgatar o movimento marginal e divulgar a potencialidade de diversas periferias de São Paulo.
"Foi muito importante estar lá [no SPFW], porque eu sabia que de alguma forma estava representando muitas pessoas ali. Também era sobre a questão da autonomia e empoderamento de 'corpas' LGBTs. Quando chegou meu momento de desfilar, pedi licença aos meus ancestrais e falei 'agora vamos'. E a gente foi lindamente", relembra.
Durante o desfile, no Dia da Consciência Negra, o público viu os modelos com roupas em preto e branco, anéis, colares, óculos "Juliet", cabelos crespos em diferentes penteados e pipas da Miltão Pipas - grafitadas pelo artista Cauã Bertoldo. No entanto, mesmo com a visibilidade, não houve qualquer suporte do evento.
Além de Vic, outros profissionais periféricos independentes falam da falta de recursos para criar coleções e pouca diversidade nesse mercado.
No próprio SPFW, a Mile Lab utilizou a plataforma para realizar um protesto por não ter tido incentivo financeiro para custear o desfile e também questionou a "cota de diversidade", já que apesar da oportunidade, os artistas tiveram que realizar o projeto sem nenhuma consultoria.
"A gente queria fazer uma parada futurista, porque as pessoas pensavam que é uma visão que não aconteceria. Pelo simples fato de ser preto e periférico, não nos enxergam vivos nem amanhã, quem dirá dessa maneira utópica?", conta Breno Luan, 17, criador independente.
Luan escreve poesia desde os 11 anos e aos 13 conheceu o slam, competição de poesia falada. Em suas obras, desde a escrita até as canções, ele ressalta a importância e a urgência da resistência negra. "Trazer isso para a passarela é contrariar todas as estatísticas e ir contra um sistema que foi imposto para gente desde muito longe."
Para a especialista Jô Souza, docente no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e dona da empresa Galeria do Conhecimento, os estilistas periféricos enfrentam diversos desafios para criar as suas coleções, principalmente a falta de recursos. Ao mesmo tempo, essa lacuna dá gás para a criatividade e se torna potência para criar produtos de qualidade.
Ela destaca que o mercado da moda continua pecando em questões de diversidade por ser uma questão social enraizada na sociedade brasileira devido ao processo de colonização.
O conceito de moda começou a se desenvolver no século 14, da Idade Média para a Idade Moderna, na Europa. Por conta da origem, o que é "bonito" ou "elegante" se baseia na cultura eurocêntrica até os dias atuais, o que acaba invisibilizando outras culturas.
Jô reforça ainda que as novas tendências vindas de grupos como a população indígena e negra devem ser valorizadas, pois são parte da identidade nacional."A periferia é um lugar de simplicidade e diversidade"
"A moda periférica é livre, foge aos padrões de certo e do que é errado. Vai além das normas prescritivas e taxativas de revistas que querem ditar padrões de comportamento"
Jô Souza
É sobre autoestima do que é ser periférico que se baseia o trabalho de Vic. "A gente trouxe justamente o contrário [no SPFW]: que a nossa cultura também é potência e que ela não é maior ou menor que as outras. É uma forma de resistência e uma maneira de se colocar no mundo."